Morre Natálio Luz: uma estrela que não se apaga

Referência no rádio e teatro, Natale Chianello morre aos 89 anos; nascido na Itália, foi criador de radionovelas, diretor, produtor, ator e locutor em emissoras de Juiz de Fora


Por Júlio Black

13/01/2021 às 14h30- Atualizada 13/01/2021 às 16h34

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Natálio Luz, fotografado em casa por Olavo Prazeres em 2018 (Foto: Olavo Prazeres/Arquivo TM)

O rádio e o teatro de Juiz de Fora perderam mais um pedaço de sua história. O ator, diretor e dramaturgo italiano – naturalizado brasileiro – Natálio Luz morreu na noite de terça-feira (12), aos 89 anos, no Hospital Nove de Julho. O enterro ocorre nesta quarta, às 15h, no Cemitério Parque da Saudade. Segundo uma de suas filhas, Angelina, Natálio sofria de Mal de Parkinson há 18 anos e sua saúde se deteriorou nos últimos dois meses. “O corpo já não reagia mais. Ele ficou em casa até as 16h de ontem (terça), quando foi para o hospital, e morreu às 22h. Ele foi em paz, graças a Deus”, disse Angelina. Natálio era casado há 62 anos com Lúcia Lowenstein Chianello, 86, teve três filhos (além de Angelina, Natália e Mário Vicente, que morreu em julho de 2020) e seis netos.

Natale a Natálio: da Itália para o Brasil

Nascido Natale Chianello em 3 de junho de 1931, na cidade italiana de Paola, na província de Cosenza, Natálio deu uma entrevista à Tribuna sobre sua vida e trajetória artística e profissional em março de 2018. Ainda conhecido como Natale, ele e a família vieram para o Brasil, de navio, quando ele tinha apenas 3 anos de idade. A primeira parada foi em Ubá, mas depois mudaram-se para Três Rios (RJ) e Rio de Janeiro.
Foi na capital fluminense que começou sua vida no mundo das artes. Ele trabalhava em uma empresa que produzia listas telefônicas e que ficava em frente à Rádio Mayrink Veiga. Fez um teste e foi aprovado, dando início a uma carreira de décadas. Foi também no Rio que deu os primeiros passos no teatro, com uma pequena participação na peça “Está lá fora um inspetor”, de J. B. Priestley, dirigida por João Villaret, com Fernanda Montenegro e Oswaldo Louzada no elenco. “Era um papel minúsculo”, lembrou Natale na época da entrevista para o repórter Mauro Morais. Ele tinha apenas uma fala: “Senhor Birling, boa noite! Está lá fora, o inspetor”.

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Natálio Luz (ao centro) na época da TV Industrial (Foto: www.historiasdomagela.com.br)

Foi também graças ao rádio que ele ganhou o nome pelo qual tornou-se conhecido, como contou na entrevista. “Fui fazer uma entrevista e me perguntaram o que queria fazer. Disse que queria teatro, mas o que tivesse para representar eu faria. No primeiro dia da seleção, queria ler o script até no ônibus. Quando me perguntaram meu nome, eu respondi: Natale Chianello. O homem, então, falou: ‘Não fica bem para nós! Natale é muito feminino. Pode ser Natálio! E em vez de Chianello, que dá a ideia de chinelo, põe Luz’. Aí eu perguntei: ‘Em homenagem a quem?’. E ele me disse: ‘Ao Carlos Luz, presidente do Brasil’. Acho que ele (o presidente) só ficou por quatro dias.”

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Carreira em Juiz de Fora

No início da década de 1950, Natale mudou-se para Juiz de Fora, inicialmente fazendo entregas para a mercearia montada pela família. Ao mesmo tempo, foi contratado pela Rádio Industrial e, mais à frente, assumiu a coordenação artística da Super B-3, a antiga Rádio Sociedade e PRB-3, futura Solar AM, atual CBN Juiz de Fora; para isso, porém, teve de recusar a cidadania italiana e naturalizar-se brasileiro.
Um dos grandes momentos de sua carreira foi a produção do radioteatro “Cristo total”, apresentado no campo do Sport Club em março de 1963. No ano seguinte, Natálio deixou a cidade para voltar ao Rio de Janeiro. Posteriormente, voltou para o interior de Minas e para a Super B-3.

Mais uma referência que se vai

Vários contemporâneos de Natálio Luz no rádio e no teatro lamentaram a partida do amigo e colega de profissão. O jornalista Wilson Cid trabalhou com Natale na Rádio Industrial, onde sempre era escalado nos programas que o amigo de mais de meio século produziu e dirigiu na emissora. “Ele colocava como narrador não apenas na rádio, como também nos CDs que gravou sobre a história de personalidades de Juiz de Fora”, conta, destacando o trabalho de Natálio como produtor, locutor mas, principalmente, como ator de radioteatro. “Ele dirigiu várias novelas (na Industrial), e quando se transferiu para a Rádio Sociedade dirigiu e atuou numa série de novelas e produções. Foi ele que criou por aqui o radiojornalismo, inclusive foi citado como referência nacional por toda semana produzir o radiojornalismo com apoio do radioteatro.”
Wilson lembra, ainda, que Natálio foi diretor da Funalfa durante um período e destacou o talento do amigo para as artes plásticas. “Era um pintor muito talentoso, predominavam no pincel dele as paisagens e as marinas. Ele era um artista múltiplo e também um grande locutor, numa época em que tínhamos nomes como Cláudio Temponi , Waltencir Matos e Rodrigo de Oliveira, entre outros. O Natálio, sozinho, é um capítulo da história do rádio em Juiz de Fora.”

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Natálio Luz na bancada da TV Industrial (Foto: www.historiasdomagela.com.br)

‘Um ótimo contador de casos’

O diretor, ator e dramaturgo José Luiz Ribeiro passou a ter contato com Natálio a partir de 1963, graças ao teatro. “Ele já era o grande expoente do rádio juiz-forano, mas vinha do Rio de Janeiro com a experiência do teatro. Lembro do trabalho dele por aqui, por exemplo, com o Teatro de Comédia Independente ou trazendo peças como ‘A mulher sem pecado’, de Nelson Rodrigues. Foi parte da fase rica do rádio e teatro em Juiz de Fora, entre os anos 60, quando a cidade era muito forte culturalmente, com um trabalho bonito na Funalfa (na gestão Mello Reis), uma voz linda, grande artista plástico e ótimo contador de casos”, diz. “Sentiremos falta do amigo, das risadas, e fico pensando quantos foram dessa turma de amigos. Só posso lamentar que mais um pedaço da nossa memória cultural está indo. E sinto enormemente que, nesse momento de pandemia, perdemos amigos sem podermos nos despedir de perto. Mas que ele siga na luz.”
O secretário de Comunicação da Prefeitura de Juiz de Fora, Márcio Guerra, afirma que, além de um dos maiores nomes da história do rádio da cidade, Natálio foi um professor para muitos. “Ele nos ensinou muito. Ainda como estagiário nos Diários Associados, na (Rádio) PRB-3, tive a oportunidade de conhecê-lo, e seguimos trabalhando juntos até a mudança para Rádio Solar.” É desses tempos de estagiário, aliás, que ele relembra uma dessas histórias que fazem parte do folclore da radiodifusão brasileira.
“Ele pediu que a direção da emissora contratasse uma produtora porque ele tinha que atender ao telefone, fazer locução, e isso dificultava muito seu trabalho. Só que ele recebeu um ‘não’ da emissora porque não havia verba. No dia seguinte, para surpresa de todos, ele disse que tinha contratado uma produtora, a Judith, mas que na verdade ele tinha criado. Aí, quando alguma coisa era cortada do jornal, por exemplo, ele dizia para ela escrever melhor”, relembra.
A criação, claro, tinha suas saias-justas. “Nesse mesmo ano, houve uma missa com o monsenhor Falabella, a igreja estava lotada, e os fiéis foram incentivados a ir até o altar para cumprimentar os locutores. E todo mundo perguntava da Judith. Ele olhou para mim e começou a dizer para as pessoas que ela estava gripada e não pôde ir. Mesmo ali ele não perdeu a personagem”, recorda-se Márcio Guerra. “É uma tristeza muito grande, pois sabemos que a cada morte de uma pessoa que deu essa contribuição para a cidade perdemos uma referência, e quando perdemos referências fica difícil exemplificar para as novas gerações quem construiu a história do radioteatro em Juiz de Fora.”

Uma estrela que não se apaga
Outro a comentar a perda foi o ator Edgar Riberio. “Seu sobrenome já diz tudo: Luz. Luz em tudo, no teatro, no rádio e na pessoa. Foi um dos primeiros a me incentivar pelas artes em Juiz de Fora. Tínhamos até projetos juntos no teatro. Mais uma estrela que sobe, mais uma estrela que deixou seu nome marcado na nossa cultura. Uma estrela que jamais se apagará, e que brilhará pela história das artes em Juiz de Fora.”

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O humorista Gustavo Mendes, em nota enviada à imprensa, também comentou a morte de Natálio Luz, que o dirigiu em seu primeiro espetáculo, quando tinha apenas 16 anos. “Que dia triste, meu Deus! Perdemos um gênio. Artista plástico, dramaturgo, diretor, ator, radialista e, particularmente, meu maior mestre, o homem que me ensinou a amar o teatro, a pintura, a poesia (…)
Esse cara foi quem confiou em mim, com apenas 16 anos, sua direção impecável na primeira comédia que escrevi e protagonizei, ‘Família unida se lasca unida’, espetáculo que me lançou para o mundo. Ele dizia que eu seria gigante, acreditou em mim, mesmo me dando “nota 2″ e jogando sua boina no chão. Como eu queria dar um abraço forte nos familiares desse que foi o MAIOR de todos! Viva, Natale Chianello! Viva, Natálio Luz!”

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