Kika Seixas conta sua história com Raul em autobiografia

“Coisas do coração – Minha história com Raul Seixas”, escrita em parceria com Toninho Buda, relembra o relacionamento de Kika com o controverso ícone da música brasileira


Por Júlio Black

12/06/2021 às 18h45- Atualizada 12/06/2021 às 18h50

Biografias sobre Raul Seixas não faltam por aí, independente da sua qualidade ou fidelidade à história do cantor e compositor baiano. Pode-se afirmar, aliás, que ainda falta AQUELA biografia sobre o artista morto em 21 de agosto de 1989, com apenas 44 anos de idade, do qual sabemos mais por conta de livros como “O baú do Raul”, que reúne transcrições de seus manuscritos. Às vezes, porém, é possível conhecer um pouco mais sobre um dos grandes nomes do rock nacional quando ele é personagem, e não protagonista – caso de “Coisas do coração – Minha história com Raul Seixas” (Ubook), biografia de Kika Seixas lançada em 28 de maio.
Escrito a quatro mãos por Kika e Toninho Buda, o livro resgata as memórias da ex-companheira de Raul Seixas a partir da segunda metade da década de 1970, em especial a partir do momento em que conheceu o cantor e iniciaram seu relacionamento, em 1979, até a morte do Maluco Beleza, uma década depois, devido a doenças como pancreatite e diabetes resultantes de seu alcoolismo. Além das memórias de Kika Seixas, a publicação reúne raridades como reproduções de esboços de letras e de cartas enviadas a ela pelo próprio Raul e também pela mãe do cantor, Maria Eugênia, entre outras preciosidades.
É um registro das memórias de quem acompanhou Raul Seixas em um dos momentos mais importantes de sua vida, que tanto ajuda a entender um pouco mais quem era um dos maiores nomes da música brasileira do século XX, quanto também mostra como essa vida tão intensa afeta aqueles que estão ao seu redor.

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Homenagem à filha

De acordo com Kika Seixas, a ideia de “Coisas do coração” surgiu como uma forma de presentear sua filha com Raul, Vivian, a DJ Vivi Seixas, tanto que o livro foi lançado no dia de seu aniversário de 40 anos. Foi também, uma maneira de garantir que as memórias de sua vida com o cantor não se perdessem.
“Comecei a sentir que estava começando a me esquecer de alguns detalhes, como músicas como ‘DDI (Discagem Direta Interestelar)’ e ‘Aluga-se’ surgiram. A Vivi perguntava sobre algumas histórias e eu dizia ‘sabe que não lembro?’. Com 68 anos, o ‘HD’ fica cheio. A minha intenção foi registrar essa história com o Toninho Buda, que tem uma memória de elefante, e com os documentos fui relembrando de muitas delas”, diz, envolta ainda pela atmosfera que cercou todo o processo de concepção do livro.
“Foi emocionante, choramos muitas vezes. Agarro as fotografias e as cartas e dou beijinhos. O que acho mais genial é ter tudo isso guardado. Milhares de pessoas têm encontros, casamentos, e não se importam de guardar essas lembranças, às vezes rasgam por ter casamentos desfeitos, destroem para o sentimento ir junto”, prossegue. “E nunca tive vontade de destruir nada da minha vida com ele. E esse baú (com as cartas, cadernos etc) tem coisas dele desde os 12 anos de idade. Quando me dei conta que também tinha as cartas que troquei com ele guardadas, vi que devia ao público dividir isso. Obviamente a Vivi foi o fio condutor, mas os fãs com certeza vão aproveitar.”

Livro e audiobook

Kika Seixas conta que chegou a procurar alguns escritores, anos atrás, a fim de que algum deles escrevesse uma biografia do ex-companheiro (“Tem mais de 40 biografias sobre o Raul, mas algumas são pouco profissionais ou ligadas à verdade”) que fosse – nas suas palavras – “sem oportunismos”, mas todos declinaram, entre outros motivos, por medo de futuros processos. Se a biografia ainda não passou do plano das ideias, pelo menos o acaso foi de grande ajuda para o projeto atual.
“Eu já havia trabalhado com a Cristina Albuquerque – que é gerente de conteúdo da Ubook e fã do trabalho do Raul – quando ‘O baú do Raul revirado’ foi lançado pela Ediouro. Eu encontrei com ela quando estavam gravando alguns audiobooks no estúdio do meu atual companheiro (o cantor e compositor Arnaldo Brandão, do Hanói-Hanói). Achei essa questão do audiobook genial, e comentei com ela que estava querendo contar minha história com o Raul. Ela disse para enviar algum material a fim de ver se conseguiríamos a aprovação da editora.”
Foi então que Kika entrou em contato com Toninho Buda, e logo escreveram as primeiras 30 páginas que serviram de amostra para conseguir a aprovação da Ubook. “Ele me ajudou a pesquisar e disse que teríamos um livro ali. Escrevemos e enviamos as 30 páginas, e a Cristina imediatamente se interessou e passou para a editora. O que me deixou mais animada foi quando ela falou sobre gravar o audiobook, que foi maravilhoso. A Vivi faz a minha parte no meu período de solteira, enquanto faço a partir do momento que encontrei o Raul até a morte dele. O Nelito Reis fez o Raul Seixas, e a Sonia Dias leu as cartas que a Maria Eugênia escreveu para mim. Acho que criou uma dinâmica muito saborosa.”

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Toninho Buda e Kika Seixas em evento na Fundição Progresso, no Rio, em 2018 (Foto: TV Globo/Divulgação)

Trabalho em dupla

Toninho Buda lembra que conheceu Raul Seixas ainda no início dos anos 80, e que o contato com Kika Seixas já dura mais de três décadas. Quando ela perguntou se ele aceitaria participar do projeto, topou na hora. “O baú do Raul vai além do objeto físico que veio da Bahia. A Kika falou que queria organizar essa história dela, contar para a filha e ter tudo organizado, então fui ajudá-la. Ela é uma das pessoas mais honestas que conheci na minha vida, e procurei mostrar isso no livro”, afirma.
De acordo com Toninho, o convite foi feito em outubro de 2018, e a partir daí começou a etapa de separar a papelada que serviria de referência e inspiração para o livro. A partir de maio de 2019 começaram os registros em áudio, que Toninho coletava quinzenalmente na casa de Kika no Rio de Janeiro e que eram posteriormente digitados por ele. “Estávamos os dois ali aprendendo a fazer uma biografia. Eu escrevia a partir do que ela enviava, e enviava o texto, e a Kika dizia se precisava mudar algo. Foram sete meses nesse processo, além das revisões posteriores, a parte do design gráfico e a gravação do audiobook.”

Memórias revisitadas

Ao retomar contato com o vasto acervo físico de lembranças deixadas pelo ex-companheiro, Kika Seixas diz que o que lhe causou mais impacto foi reler as cartas que a mãe do cantor, Maria Eugênia, enviou para ela entre 1984 (ano da separação do casal) até 1989, e mesmo por algum tempo depois. “Eu havia esquecido das cartas, ao contrário dos momentos vividos com ele, até porque o livro ‘O baú do Raul’ ainda está muito na cabeça, pois datilografei os manuscritos. Essa intimidade com os segredos dele eu já tinha, a lembrança dos momentos dolorosos, apaixonados, carinhosos, mas nas cartas da Maria Eugênia eu e Toninho choramos. Havia esquecido do teor delas, do carinho, força e determinação dessa mulher, que era um exemplo de matriarca.”
“Coisas do coração” mostra a relação de Kika nos bons e maus momentos, como nas ocasiões em que ela precisava lidar com os efeitos do alcoolismo do então companheiro tanto na vida doméstica quanto na profissional. Passados quase 32 anos da morte de Raul Seixas, ela diz que as lembranças permanecem vivas, mas as dores já foram cicatrizadas pelo tempo.
“Por isso escrevi o livro, para não perder as memórias. Às vezes chorei sozinha lembrando dos encontros, das composições, mas também teve muita confusão, como o assassinato (em 1979) na casa em que ele morava no Rio de Janeiro. Meu pai preocupado e eu completamente apaixonada, cega, sem ver nenhum perigo com isso. Só via muita entrega, amor, e isso relembrei vendo as fotos, lendo as matérias de jornal”, comenta. “Na época em que começamos a namorar ele estava muito difamado, os discos não vendiam, a gravadora (WEA) não queria saber dele, mas investi nele por amor.”
“O que não era para ter dado certo, deu certo, e a paixão dele por mim…”, prossegue. “Depois, infelizmente, o final com ele já doente, depauperado, com os problemas de vício, essa parte foi muito dolorosa, mas também cicatrizou. Só queria dizer a quem ler o livro para tomar cuidado com o alcoolismo. Que esse triste exemplo do Raul sirva como aprendizado, de que (o que ele passou) não é excentricidade.”
Para o futuro, Kika Seixas aponta que o famoso baú do Raul “tem fundo”, sim, e de lá não há muito o que tirar. Ela, porém, tem outros planos, que iriam além de preservar a memória do artista baiano. “Pretendo, assim que puder, colocar o acervo dele disponível para o público. É um sonho que tenho e que não sei como vai se chamar, não sei se ele iria gostar de ‘Museu do rock’ ou ‘Museu do Raul Seixas’, porque parece coisa antiga (risos). Tenho dezenas de roupas dele, guitarras, violões, fotos, manuscritos, cadernos. Se eu não fizer, minha filha abrirá esse acervo para o público. Aliás, seria bom se existisse no Brasil um Museu do Rock como existe nos Estados Unidos. Quem sabe não aparece um interessado?”, sugere.

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