Na contramão da folia: conheça histórias de quem se incomoda com o carnaval

Juiz-foranos contam os motivos de não gostarem dessa época, o que fazem nesta data e como se sentem com a proximidade das festas


Por Elisabetta Mazocoli, sob supervisão do editor Marcos Araújo

12/02/2023 às 07h00

O carnaval é uma festa de rua marcada por uma aglomeração de gente bebendo, dançando e se encontrando – tudo isso em um cenário de calor, fantasias e regado a muito samba. As avenidas ficam completamente dominadas, do norte ao sul do país. Enquanto para a maioria dos brasileiros é exatamente isso que torna a festa encantadora, há quem pelos mesmos motivos sofra com a data. A Tribuna conversou com três juiz-foranos que, durante os quatro dias de festa, encontram suas próprias maneiras de desviar do carnaval e andar na contramão da folia.

Clara Columbiano

Para Clara, a ideia do carnaval é completamente “desagradável”. Ela tem uma desavença com a data a acompanha desde pequena (Foto: Arquivo Pessoal)

Clara logo de cara afirma: “Para mim, a ideia do carnaval é completamente desagradável”. A desavença com a data é algo que a acompanha desde que nasceu. Ela também acredita que, por ter passado toda a infância em Juiz de Fora, que não costumava ter grandes festas para que ela frequentasse ou que tivesse que atravessar, essa época carnavalesca passava batido. Até gostava de ver as premiações na TV, mas quando chegou na adolescência e começou a ser chamada para bloquinhos, percebeu que aquilo não era pra ela. “Até hoje, não sou uma pessoa que gosta muito de beber, de calor, de lugar com muita gente”, explica.

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Ela realmente nunca chegou a ir em um bloquinho – sempre desvia do programa, porque não vê como atrativo as coisas que geralmente chamam atenção para os outros. “Eu tenho muita agonia de lugar completamente cheio. É uma coisa que me deixa muito desconfortável, me deixa com medo, com ansiedade.”, explica. Também se incomoda bastante de ter que conviver com pessoas que, visivelmente alteradas, acabam gerando certos desconfortos para quem está ao redor.

Apesar de nunca ter tido essa experiência do carnaval, viveu algo bem próximo: o ano novo no Rio de Janeiro, em que também há aglomerações, gente bebendo na rua, música alta e todo um clima de festa. Nesse caso, a experiência também representou para ela mais um motivo para não gostar: as brigas que acontecem. O que mais poderia a atrair é o uso das fantasias, mas diz que aproveita as festas de halloween para isso.

Sua família também não é das mais festeiras, e ela afirma que a maioria é bem quietinho, aproveita o período para descansar. Só quem costuma sair é sua mãe e sua tia, que depois dos 40 anos, começaram a aproveitar mais a agitação da festa. “Mas na época que eu era mais nova, não tinha isso. A gente só sentava e vivia a vida normalmente na época do carnaval”, diz. Este ano, vai fazer o mesmo de sempre: ficar em casa e trabalhar até que a data passe.

Guilherme Flauzino

Guilherme foi o típico adolescente rockeiro que gostava de ser diferente e, por isso, ficava longe das festas carnavalescas (Foto: Arquivo Pessoal)

Guilherme foi o típico adolescente rockeiro que gostava de ser diferente: “não gostava de funk, de pagode, de sertanejo, de samba…eu acho que o Carnaval veio junto”. Ele mesmo diz que nunca gostou daquilo que era modinha, e o carnaval, sempre querido pela maioria ao seu redor, não o atraia. “Quando criança, cheguei a participar de festinhas da escola, mas era uma coisa mais de ir na onda dos outros. Quando cheguei na adolescência, eu queria mesmo era fugir da onda dos outros”, diz.

Conforme foi crescendo, suas crenças e gostos sobre música acabaram mudando. “Hoje em dia, não tenho mais preconceito musical com nenhum desses estilos, até porque sou produtor musical e o ideal é que não se tenha preconceito musical nenhum”, afirma. Mas também continua sem ter vontade de ir, ficar no meio de todo mundo, dançar e aproveitar o calor.

O que menos gosta é justamente a montoeira de gente. “É irônico eu falar isso, porque sou músico e sempre vou em shows prestigiar outros músicos”, ri. Mas algo é diferente: quando ele está em um ecossistema que sente que não pertence, fica deslocado em meio à multidão. Ainda tem outro fator: percebia que, pra muita gente, o atrativo do carnaval era conhecer gente e beijar na boca. Ele, mais tímido, e até por questões de autoestima na adolescência, também tinha resistência a ir com esse propósito.

Mas este ano, pela primeira vez, vai ser diferente. “Durante este carnaval de 2023, no dia 18, eu vou tocar à noite com uma banda de rock que eu tenho. No dia seguinte, vou pra cidade da minha namorada, em Guarani, em Minas Gerais, e ela está me fazendo sair com ela em um bloquinho na segunda-feira”, diz. Confessa que é totalmente por amor: “Continuo não sendo fã, mas vou”. Talvez escute por aí o samba “O que é o amor?”, de Arlindo Cruz: “Me disseram uma vez/ Que o danado do amor/ Pode ser fatal (…) Sei que o amor nasceu dentro de mim/ Me fez renascer/ Me fez despertar”.

Flávia Monaquezi

Flávia conta que consegue fugir da folia com facilidade sempre indo na direção oposta (Foto: Arquivo Pessoal)

Flávia confessa que já até tentou gostar de carnaval, colocou fantasia e foi pra bloquinho, mas não é mesmo a dela. “Nunca me senti à vontade, nunca gostei e me senti confortável com o carnaval”, explica. A aglomeração e principalmente o barulho muito alto lhe causa aflição, e sente uma espécie de energia pesada que a data traz devido ao encontro de tanta gente em um só lugar.

Ela é mesmo uma pessoa muito caseira, mas este ano foi para Piúma com o namorado. Eles vão fazer o possível para, mesmo lá, conseguir fugir das festas e ir para um cantinho mais tranquilo na praia, onde possam realmente sossegar. Sabe que, uma hora ou outra, vai acabar dando de cara com a folia, mas fica tranquila quanto a isso. “Só não quero participar, mas não sofro por causa do carnaval”, diz.

Mas ela não julga quem gosta e quem quer comemorar. Flávia inclusive tem quatro filhos e três netas, e todos eles amam carnaval. Não herdaram em nada esse desconforto da mãe, e sempre arrumam programas diferentes para fazer, buscando aproveitar ao máximo tudo aquilo que o período traz. Se pintam, vão pra rua, juntam com os amigos – mas ela não se incomoda, sabe que cada um tem um jeito diferente do outro, e esse é o seu. Nunca privou os de irem e apoia como pode: este ano mesmo bordou uma calça do jeito que um deles pediu para usar nas festas.

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Ela também conta que consegue fugir da folia com facilidade – sempre vai mesmo na direção oposta, buscando um lugar para ela. Tem poucas coisas na vida que Flávia diz não gostar, então quando não gosta, respeita o próprio jeito e se recolhe. Mas também revela que, mesmo com esse sentimento, entende o fascínio: “Não quer dizer que eu não veja como uma festa bonita”, diz.

 

 

 

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