Filmes realizados em Juiz de Fora participam do Festival O Cubo

Evento internacional de cinema independente acontece on-line a partir desta quarta-feira


Por Júlio Black

11/11/2020 às 07h00

Documentário de Diego Zanotti (re)descobre uma realidade quase esquecida do interior do estado (Foto: Reprodução)

Quatro produções juiz-foranas participam, a partir desta quarta-feira (11), da 7ª edição do Festival Internacional O Cubo de Cinema Independente em Língua Portuguesa, que acontece até o próximo domingo em formato on-line. “Queer I, um filme sobre liberdade”, de Danielle Menezes e Ciro Cavalcanti; “Terra brasilis, Terra de gols”, de Omar Peres e Marcos Pimentel; “Conversa fiada”, de Diego Zanotti; e “Moradas I”, de Nina Mello. Elas fazem parte dos 57 filmes selecionados pela organização do evento, entre trabalhos de outros estados brasileiros e do Distrito Federal, além de Portugal e Angola.

A programação está disponível no site canalocubo.com/festival, e os filmes serão exibidos no canal do evento no YouTube. A abertura será nesta quarta, às 19h com a exibição de três produções fora de competição: “Angola _ 45 anos de independência”, de Francisco Keth; “Zezé Mota _ Atriz, cantora e militante”, de Lise B. e Raquel Lázaro; e “Bayard Tonelli e suas metamorfoses”, de Fabiano Cafure”. De quinta-feira (12) a sábado (14), serão exibidas as produções da Mostra Competitiva, com três sessões a partir das 18h.

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O encerramento se dará no domingo, começando às 15h, com seminário “Creative Commons e mídia livre”; em seguida, às 17h será realizada a Sessão Originais Canal o Cubo (não competitiva), e às 18h serão anunciados os premiados, nas categorias ficção, documentário, animação e experimental, que receberão prêmios de R$ 500. O júri vai selecionar ainda os vencedores em 21 categorias técnicas.

“O que é queer?”

Realizado por Danielle Menezes e Ciro Cavalcanti, “Queer I, um filme sobre liberdade” tem exibição prevista para as 20h de sexta-feira. A produção, que tem codireção do franco-inglês Antony Hickling, foi criada a partir de uma oficina realizada na III Semana Rainbow pelo próprio Hickling, e desenvolvida como integrante do projeto de extensão “Identidades, Cidadania, Inclusão: Semana Rainbow da UFJF”. Gravado totalmente com aparelhos celulares, o curta de 7 minutos foi produzido em 2019 e selecionado para participar no mesmo ano do Festival Chéries-Chéri, um dos mais importantes do cinema LGBTQI+ da Europa, na mostra competitiva de curtas-metragens.

“Queer I” foi produzido a partir da Semana Rainbow de 2019 e já participou de festival na Europa (Foto: Reprodução)

Segundo Danielle, trata-se de um filme experimental que pretende traçar uma relação entre a natureza, o orgânico e os corpos que se movem. “O curta-metragem busca dialogar com esses corpos, com as orientações sexuais e de gênero e, para isso, diversas pessoas nos respondem ‘o que é queer’ para cada uma delas’, explica. “Não queríamos responder exatamente essa pergunta, mas sim pensar sobre as identidades na contemporaneidade, fazer um filme sobre liberdade.”

Danielle Menezes aponta, ainda, a importância do curta ganhar nova projeção graças ao Festival O Cubo. “Nós fizemos o filme para que ele circulasse, para que fosse visto. Participar do festival propicia visibilidade e uma abertura para diálogos com um grande número de pessoas, tendo em vista que conta com filmes de outros países, além de diversas produções brasileiras”, diz.
“O filme e a equipe são legitimados como profissionais de qualidade”, acrescenta Ciro Cavalcanti. “E leva para a universidade pública o resultado de suas ações em cultura, pois nada disso seria possível sem a ponte feita através da produção da Semana Rainbow.”

Ciro afirma, ainda, que os festivais on-line movimentam as produções audiovisuais e fortalecem os profissionais, incentivando que continuem a fazer filmes e a serem criativos, opinião compartilhada por sua parceira de direção. “Manter os festivais, mesmo que de forma remota, é muito importante para quem produz e consome esses conteúdos. O fato de termos como exibir o filme, que ficaria parado pelo tempo da pandemia, e poder debatê-lo, compartilhá-lo com outras pessoas, faz com que vejamos uma possibilidade, uma abertura, dentro de uma situação muito complicada e limitadora. Sem isso, acredito que sentiríamos ainda mais essa ‘pausa’ em nossos trabalhos e vida.

Do sertão de Minas

Com exibição às 19h de sábado, o documentário “Conversa fiada”, de Diego Zanotti, conta a história de 15 mulheres fiadeiras, tingideiras e tecedeiras do sertão de Minas Gerais, também cenário da saga “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa, que encontram no tear o resumo da trama inteira da existência. “São mulheres sertanejas e protagonistas de um mergulho pelas questões atuais de igualdade e diversidade de gênero na busca pela potência de ser mulher no mundo de hoje”, explica o cineasta, acrescentando que o trabalho é fruto de dois anos de pesquisa respaldada pela parceria entre a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“Ele surgiu em 2017, com um foco básico de acompanhar cinco regiões especiais do Noroeste de Minas Gerais, no Vale do Urucuia, que sediam as últimas estruturas remanescentes de produção artesanal de fios e peças de puro algodão do Brasil. Redescobrimos todo o sentido da ‘trama’ que escolhemos acompanhar. Aparentemente com o foco no tear e na tessitura prática, acabamos encontrando uma colcha inteira já pronta de denúncias históricas no âmbito doméstico contra o poderio machista dos homens sertanejos.”

Para ele, “Conversa fiada” inaugura discussões num ambiente essencialmente feminino de um Brasil profundo e muitas vezes desconhecido. “Neste momento atual sociopolítico de sensibilização e (r)existência, é mais do que urgente apoiarmos produções que atuam na luta do simbólico, apostando na produção de novas frentes de atuação na vida prática através da arte das narrativas, o cinema documentário. Filmes com uma causa e com uma luta clara (zero entretenimento vazio)”, pontua.
O documentário já tem carreira em festivais, com a pré-estreia na própria região das gravações, durante programação do Festival CineBaru Edição 2018. O filme venceu o Prêmio SescTV de Aquisição, sendo exibido na grade do canal. Em 2019, entrou na grade de filmes selecionados pela plataforma streaming independente Libreflix.

“Participar do Festival O Cubo traz uma força extra para as produções independentes, num momento em que tudo parece se deslocar para uma outra visão de mundo. E acredito que essa nova visão é permeada pelas coletividades e pelas novas inteligências artísticas que surgem em meio aos desafios que nossa classe enfrenta pós-pandemia. Trata-se de um estímulo no reconhecimento de que somos capazes de manifestar soluções e projetos com inteligência, sensibilidade e abundância”, afirma. “E tenho a sensação de que os Festivais ganharam novos públicos em suas versões on-line, sem a exclusividade de uma programação limitada pelas fronteiras geográficas. Isso tem facilitado a acessibilidade e a diversidade não só das propostas, mas como também do público que visita esses novos formatos de salas escuras.”

Nossas várias moradas

Nina Mello, que atua nas mais variadas expressões culturais, está presente com “Moradas I”, que será exibido às 20h de quinta-feira. Com 4 minutos de duração, o filme gira em torno das pesquisas de Nina com imagem fixa e imagem em movimento, que resultaram ainda na realização do livro ‘Moradas’, que a partir da tecnologia de QR code inserida no livro dá acesso aos vídeos.
“Ele é o meu primeiro vídeo de uma série de três moradas, a morada da infância, morada do trabalho e morada atual, que procuram explorar as relações de oposição e complementaridade entre as diferentes perspectivas que predominaram nas representações culturais do Ocidente e Oriente: geométrica-linear e árabe-islâmica, abrindo um diálogo sobre os componentes descritivos e sensíveis da imagem”, explica. O curta foi também seu trabalho de conclusão do curso de pós-graduação em fotografia e imagem pela Iuperj/Faculdade Cândido Mendes.

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Trabalho audiovisual de Nina Mello também rendeu livro (Foto: Reprodução)

“Moradas I” faz sua primeira participação em um festival, e a artista considera “importante” ter seu trabalho avaliado a partir do olhar de outros artistas e profissionais do meio. “Ser selecionada abre oportunidades e te leva a reflexões sobre o próprio trabalho, além da visibilidade que proporciona”, diz a artista, uma entusiasta dos festivais. “Sempre gostei de festivais por ser um evento de trocas, de possibilidades de conhecer outros artistas, outros modos de pensar e produções atuais. E o Festival O Cubo, nesse momento de pandemia, permite ao público ter acesso on-line às produções e, aos artistas, ver seu trabalho acontecer.”

Nações indígenas em campo

Nascido em Leopoldina, o empresário Omar Peres viveu por alguns anos em Juiz de Fora, onde foi o idealizador e diretor geral do documentário “Terra Brasilis, Terra de gols”, que teve direção de Marcos Pimentel. O filme foi produzido na década passada e só agora participa de um festival. “Nunca fiz esse documentário para competição, nunca saiu da prateleira. Fizemos a exibição de lançamento apenas, pois foi feito mais com o intuito intelectual do que ter fins lucrativos”, conta. Mas, ao receber o convite para participar do festival, acabou topando por ser um evento com produções em língua portuguesa.

Com exibição na sexta-feira, às 20h, “Terra brasilis, Terra de gols” tem 56 minutos de duração e registra o primeiro campeonato de futebol de nações indígenas do Brasil. “Eram 16 etnias de diferentes locais, que não costumam ter contato entre si, com idiomas absolutamente diferentes um do outro, o que mostra a riqueza da língua indígena do país e como todo o pais é apaixonado, uma paixão que se estende para todos os povos.”

A possibilidade de poder reexibir o documentário é visto como pertinente por Omar, uma vez que o Brasil tem vivido o drama da política do Governo federal em relação aos povos indígenas, criticada tanto por entidades e governos locais quanto internacionais. “Acho que é uma forma de mostrarmos a importância dos povos indígenas na integração de nosso país. Mesmo com o Governo tentando exterminá-las, as nações indígenas ainda sobrevivem.”

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