Entrevista- Iacyr Anderson Freitas


Por Bárbara Riolino

11/06/2017 às 07h00

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Presente em manifestação, Iacyr escreve hipotética entrevista com personagem contra reforma previdenciária

Extrato da entrevista de Isolino Ferreira da Silva, 58 anos, gravada na Praça da Estação de Juiz de Fora (MG) na manhã de 28 de abril de 2017:

“Meu pai morreu no cabo da enxada, trabalhando. Como meu avô Bernardino, aliás, que foi ofendido de cobra quando capinava uma chácara lá pros lados de Fervedouro e teve o corpo largado feito um traste na entrada do hospital de Carangola. Como meu bisavô Deolindo também, e assim por diante, família acima, no sangue. Cumpro minha jornada de auxiliar de serviços gerais num edifício ali da Rio Branco, mas sustento minha família sem dispensar a enxada. Sou jardineiro há muitos anos. Tenho uma clientela fiel aqui em Juiz de Fora, graças a Deus. Também já fiz de um quase tudo na vida. Desde os dez anos de idade, quando comecei na roça com meu pai, pulei de viração em viração. Fazia entrega de bicicleta prum pequeno armazém lá da minha terra, fui engraxate, chapa, faxineiro, lavador de carros, servente de pedreiro, porteiro de boate, garçom e frentista. De carteira assinada tenho só quinze anos, pode? Aí meu filho caçula, o Rodrigo, fica me dizendo que com essa reforma da Previdência eu vou ter de trabalhar até morrer. Que aposentadoria, mesmo, só no dia de São Nunca. Ele tá na universidade, faz curso de Física na Federal. Sempre estudou muito. Passou em quarto lugar no vestibular. Mas todo mundo lá de casa fica muito preocupado – nem dormir a mãe dele dorme direito, coitada – porque o Rodrigo participa de tudo quanto é manifestação. A gente liga a tevê e vêm aquelas imagens de São Paulo, do Rio, de Brasília, de Goiás, a polícia batendo com gosto, mandando bala de borracha no prumo da cabeça e do peito da estudantada, usando de covardia com os manifestantes… um terror. Ontem eu fui conversar com ele sobre isso, sobre o perigo desses protestos, e perdi a paciência… passei do limite, agarrei no braço dele, gritei, essas coisas. Ele não levantou a voz. É um menino muito direito, modéstia à parte, muito educado. Nunca levantou a voz pra mim, sabe? Fez apenas uma pergunta: se eu achava que o Arlindo, meu primogênito, que trabalha há dez anos no Demlurb e que já tem família pra cuidar, vai aguentar levantar peso e andar dependurado em caminhão, debaixo de chuva e de sol, com a fedentina e o chorume queimando nas narinas, até os 65 anos de idade. ‘No mínimo até os 65’, ele reforçou, ‘porque a roubalheira e a maldade desse povo que manda no Brasil não tem limite’. Foi pro quarto, botou as roupas na mochila. Nem disse que estava indo embora. Por isso eu finquei o pé aqui hoje… Nunca vi tanta gente… Vou encontrar o Rodrigo, pedir desculpas, confessar que o clima lá em casa é de luto fechado depois do nosso entrevero. Uma choradeira só. Ele vai me perdoar, o senhor vai ver, eu tenho certeza. A gente de braço dado no meio deste povo todo, com a família em peso aqui na praça: aquele ali à esquerda, de camisa vermelha, é o Arlindo, a mulher dele tá mais ao fundo, com um vestido listrado, segurando meu neto no colo. A patroa veio com as três meninas. Desse governo e desses políticos que estão na cacunda dele a gente não pode esperar nada que presta. É só ouvir o noticiário: milhões e milhões de propinas, deputados, ministros e governadores comprados em pencas… E os pobres vão pagar a conta, de novo? Tá mais que provado que esse rombo da Previdência é mentira. Hoje é pra gritar ‘diretas já’ e ‘fora todos eles’ até perder a voz. Meu caçula vai ficar de braço dado comigo, o senhor vai ver.”

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Iacyr Anderson Freitas

Iacyr Anderson Freitas é escritor e funcionário público, autor de, entre outros, “Pedra-Minas” (D’Lira, 1984), “Sísifo no espelho” (D’Lira, 1990), “Lázaro”, (D’Lira, 1995), “A soleira e o século” (Nankin/Funalfa Edições, 2002), “Terra além mar – antologia poética” (Ardósia Assoc. Cult., 2005), “Eu tinha um gato branco que fugiu” (Franco Editora, 2004), “Estação das Clínicas” (Escrituras/Funalfa Edições, 2016). Dentre os títulos recebidos está a menção honrosa no II Concurso Nacional Literatura para Todos (Poesia), promovido pelo Ministério da Educação (MEC), por “Viavária”. Natural de Patrocínio do Muriaé, vive e trabalha em Juiz de Fora.

 

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