“Um príncipe em Nova York 2” chega ao Prime Video sem o carisma do original

Continuação da clássica comédia de 1988 tem o retorno de Eddie Murphy como o príncipe Akeem e outros personagens que marcaram época


Por Júlio Black

11/03/2021 às 07h00

Agora rei de Zamunda, Akeem (Eddie Murphy) volta a Nova York para encontrar o filho (Jermaine Fowler) que não conhecia (Foto: Divulgação)

“Um príncipe em Nova York 2” estreou no catálogo do Prime Video na última sexta-feira (5), depois que a Paramount desistiu de lançar a produção nos cinemas devido à pandemia do novo coronavírus, e pode-se dizer que o negócio foi bom para as duas partes, pelo menos em termos financeiros e de audiência. O serviço de streaming pagou US$ 125 milhões ao estúdio para ter os direitos de exibição do longa, que rendeu à Amazon, segundo o Digital Entertainment Group, a maior audiência em todos os serviços de streaming nos últimos 12 meses.

E vale a pena todo burburinho por causa do filme? Daqui a pouco daremos a resposta, mas antes senta que lá vem história. Talvez os mais jovens não saibam, mas “Um príncipe em Nova York” é um dos maiores clássicos da comédia dos anos 80, daqueles que ficaram muito tempo na lista dos mais alugados das locadoras. Lançado em 1988, a produção só tinha craques em sua escalação: Eddie Murphy, um dos três maiores atores de comédia da época, no auge da forma e do sucesso, coadjuvantes como Arsenio Hall, James Earl Jones e John Amos, e o mestre John Landis na direção.

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Por isso, quando começou a circular o boato – depois a confirmação – de que o filme teria uma sequência, muita gente se animou pelo clima de nostalgia, outros ficaram com um pé atrás. Mas, como Eddie Murphy vinha de um ótimo filme (“Meu nome é Dolemite”), as expectativas ficaram acima da média, pois a sequência teria muitos dos atores originais e a direção seria de Craig Brewer, justamente o diretor de “Meu nome é Dolemite”.

Personagens clássicos do primeiro filme, como a turma da barbearia, retornam na continuação (Foto: Divulgação)

“Coming 2 Zamunda”?

Mas nem só de boas intenções vive um filme, é preciso uma história. Em “Um príncipe em Nova York 2” (“Coming 2 America” no original), resolveram fazer o caminho oposto do longa de 1988, em que Murphy interpretou Akeem, príncipe do fictício reino africano de Zamunda. Contrário ao casamento arranjado pelo seu pai (James Earl Jones), ele viajou para os Estados Unidos com seu escudeiro Sammi (Arsenio Hall) à procura de uma mulher que o amasse pela sua personalidade, e não o título. Foi assim que conquistou o coração de Lisa McDowell (Shari Headley), filha do dono da lanchonete de fast-food onde ele passou a trabalhar anonimamente.

Agora, três décadas e uns trocados depois, o pai de Akeem está à beira da morte, e só então o príncipe fica sabendo que o vidente do reino descobriu que ele teve um filho bastardo na América. Como Akeem e Lisa tiveram três filhas e o reino só pode ser governado por homens, Akeem terá que voltar a Nova York para encontrar esse herdeiro e, assim, impedir que seu país seja invadido pelas forças do general Izzi (Wesley Snipes), governante da Fronteirândia e interessado que as duas nações tenham um casamento para unir seus povos – ainda mais que foi a irmã de Izzi que Akeem deixou para trás a fim de se casar com Lisa.

Chegando à América, não demora para o agora rei de Zamunda descobrir que seu filho, LaVelle (Jermaine Fowler), arruma os mais variados motivos para fugir do trabalho e sobrevive vendendo ingressos falsos de eventos esportivos. Depois de se anunciar para o filho, Akeem leva o herdeiro do trono e a mãe dele (Leslie Jones) para a África a fim de que LaVelle passe pelos testes que o confirmarão como príncipe de Zamunda. Além do treinamento, logo arrumam para ele um casamento com a filha do General Izzi – é isso ou encarar uma invasão e a consequente morte de Akeem.

Wesley Snipes rouba a cena no papel do caricato General Izzi (Foto: Divulgação)

E vale o burburinho?

Então. “Um príncipe em Nova York 2” tem seus bons momentos, mas apanha feito Maguila diante do Holyfield quando comparado com o original. A ideia de fazer o caminho inverso, com o herdeiro indo para Zamunda e tendo que se adaptar aos costumes locais, é válida, mas se perde nas escolhas do roteiro ao fazer de LaVelle uma espécie de Will Smith em “Um maluco no pedaço” e Eddie Murphy repetir os mesmos defeitos do pai, enraizado às velhas e antiquadas tradições.

O filme ainda perde força com momentos que deveriam ser engraçados, mas que mal provocam um sorriso ou – pior ainda – constrangimento, como o flashback que mostra como Akeem gerou o seu único filho homem. Até mesmo a repetição de frases marcantes do filme de 1988 ficam com a sensação da repetição daqueles bordões de programas de humor. Para piorar, Eddie Murphy chega a ser colocado de lado para destacar a jornada do futuro príncipe – assim como a relação de Akeem com as filhas também não merece o devido destaque.

Desde o início do filme, fica evidente que essa trama seria muito mais interessante que o surgimento do filho bastardo, pois várias vezes o longa tenta embarcar no bonde do empoderamento feminino, desperta nosso interesse no tema, mas aí desiste no momento em que consegue pular no bonde para mostrar LaVelle encarando leões flatulentos ou Akeem sendo um mané.

Com esses defeitos, “Um príncipe em Nova York 2” chega a flertar com o desastre, mas a história consegue se salvar graças aos detalhes que surgem aqui e ali. Por exemplo, o retorno de alguns coadjuvantes que marcaram época, como a turma da barbearia, o pastor sexista, o cantor brega e o sogro de Akeem. A cena do “funeral” do Rei Joffe é das melhores do filme, com direito a alguns cameos, e a história ganha interesse quando dá algum destaque para Meeka (Kiki Layne), a filha mais velha de Akeem e que sempre sonhou e se preparou para que fosse vista como sua sucessora. Desgraçadamente, o que seria um plot muito mais interessante é colocado em segundo plano repetidas vezes. Os figurinos de Ruth E. Carter, vencedora do Oscar pelo seu trabalho em “Pantera Negra”, são outro destaque.

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Entretanto, o melhor do filme é Wesley Snipes, que sabe dosar muito bem o cômico e o caricato quando surge em cena na pele do General Izzi, com visual, trejeitos e sotaques exagerados que fazem valer a pena cada segundo em cena.

Podemos dizer que “Um príncipe em Nova York” tem seus bons momentos, mas fica com aquele gosto de oportunidade perdida por causa das escolhas do roteiro e, principalmente, pela trama principal. Faltou, por exemplo, mais Nova York na história, o que seria resolvido se – ao invés de inventarem um herdeiro homem – os roteiristas desenvolvessem um conflito entre Akeem e as filhas. Seria muito mais interessante ter o príncipe – precisando se adaptar aos novos tempos – voltando à América, agora com as herdeiras, para que compreendesse melhor o papel que as mulheres vêm assumindo na sociedade neste novo século, além de ter de “redescobrir a América”. Infelizmente, agora é tarde.

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