Espaços alternativos de JF estudam como retomar shows

Depois de entregarem imóveis ou segurarem as pontas como puderam, estabelecimentos ainda estudam remontagem da estrutura para receber o público


Por Júlio Black

10/10/2021 às 07h00

A decisão da Prefeitura de Juiz de Fora de determinar a suspensão das atividades culturais devido à chegada da pandemia de Covid-19 à cidade, em março de 2020, afetou o setor de diversas maneiras, com cinemas, casas noturnas, teatros e boates, entre outros, sendo obrigados a fechar as portas por pelo menos 18 meses. As regras que permitem a reabertura _ como limite máximo de ocupação e horário de funcionamento -, divulgadas no final de setembro, fizeram com que a maioria dos espaços não retomasse suas atividades imediatamente, pois é preciso, por exemplo, mensurar a viabilidade econômica _ ou, em alguns casos, remontar toda a estrutura em um novo espaço, depois de entregar as chaves do imóvel onde se localizavam.

Durante a semana, a Tribuna conversou com representantes do Muzik, Uthopia, Necessaire e Maquinaria para descobrir como cada um desses espaços enfrentou o período de portas fechadas, a previsão de retorno e os planos para quando as casas voltarem a funcionar. Ainda que tenham encarado o período de formas diferentes, todas elas pretendem tornar a receber o público o mais breve possível e reanimar o cenário cultural juiz-forano, que vergou mas não quebrou ante a pressão da maior tragédia epidêmica do século.

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Período de incertezas

Localizado na Rua Espírito Santo, no Centro da cidade, o Muzik já recebeu eventos e artistas de diversos gêneros musicais em mais de duas décadas de atividades. Segundo seu proprietário, Maurício Lemos, a determinação da suspensão das atividades culturais foi uma decisão necessária por parte das autoridades municipais, mas que criou uma atmosfera de incerteza no setor.

“Quando você sabe que precisa fechar por um prazo determinado, seja ele curto ou longo, pelo menos existe um horizonte para se ficar preparado. Só que a pandemia tem essa característica de muita imprevisibilidade, e por isso demorei para tomar determinadas medidas”, diz, citando como exemplo a questão do quadro de funcionários.

Na opinião de Maurício, o que faltou foram medidas que remediassem a situação. “A pandemia impingiu a toda sociedade uma conta, fosse ela econômica, psicológica, física. E o setor de eventos, de casas noturnas, a princípio teve a conta mais pesada. Tivemos apoio financeiro por algum tempo, como o pagamento de parte dos salários dos funcionários; por outro lado, por que fiquei todo esse tempo pagando IPTU de um espaço que não posso utilizar? É um exemplo de como a conta foi mal distribuída.”

Com a incerteza sendo uma constante durante um ano e meio, Maurício Lemos diz que conseguiu manter o quadro de funcionários durante alguns meses, graças ao programa do Governo federal para auxiliar na manutenção de empregos, mas chegou o momento em que precisou demiti-los. “Acredito que foram compreensivos por conta da situação. Continuamos a pagar as contas de luz e IPTU, e consegui me manter no imóvel graças ao bom senso e generosidade da proprietária, que entendeu a gravidade da situação. Ocupamos o espaço há 22 anos, é um relacionamento de longo prazo”, conta. “Mas, para isso, tive que gastar reservas financeiras acumuladas durante anos.”

Otimista, mas com moderação

Apesar de a Prefeitura ter publicado há quase um mês o decreto que permitiu a retomada das atividades culturais, o Muzik segue fechado até hoje. De acordo com Maurício, ele está se preparando para reabrir a casa ainda este ano, mas provavelmente com um formato diferente.

“Deve ser mais como bar e restaurante e menos como casa noturna. Vou esperar as coisas normalizarem para me aproximar do antigo Muzik, mas o fato de estarmos no Centro nos dá uma versatilidade que permite, num primeiro momento, nos concentrar mais na prestação de serviços gastronômicos e, mais para frente, voltar com as atividades notívagas.”

Maurício diz, ainda, que segue analisando como voltar à vocação cultural do Muzik, de shows e eventos musicais. “Não podemos, por enquanto, ter pista de dança, que é uma característica nossa. Ainda não tenho a fórmula (para o retorno), estamos pensando nisso. Mas estou moderadamente otimista em relação à volta das atividades normais, pois estamos com um bom ritmo na vacinação, com diminuição de novos casos e mortes.”

Fechado desde março, Muzik deve retornar primeiro como point gastronômico e, posteriormente, restaurar sua tradição notívaga (Foto: Fernando Priamo)

Em ‘hibernação’

Com a perspectiva de portas fechadas por longo tempo, Márcio Junior, do Maquinaria, na Rua São Mateus, preferiu realizar obras para fazer ajustes na casa, que além de shows e festas tem um estúdio de gravação e ensaio. Ele destaca, entretanto, que já esperava por tempos difíceis antes mesmo da determinação para a suspensão das atividades culturais _ tanto que cancelou eventos no final de semana anterior ao anúncio da Prefeitura.

“Sabia que havia o caminho do vírus por acompanhar os locais que estavam mais adiantados, então estava na expectativa de fechar. Realizamos um evento na sexta-feira anterior ao anúncio (do fechamento dos espaços), mas entramos em contato com uma banda paulista que tocaria no dia seguinte e cancelamos, porque já havia a notícia de contaminação na cidade. E também paramos com os ensaios no mesmo momento”, relembra.

Desde então, o Maquinaria recebeu apenas duas pessoas no estúdio de gravação, logo no início da pandemia, e que mesmo assim ficaram sozinhas no local. Na mesma época, até tentaram trabalhar com esquema de venda de bebidas por meio do delivery, mas a atividade foi descartada em pouco tempo. Realizar lives não foi visto como uma atividade viável.

“Percebi que era a oportunidade de fazer algumas adaptações no espaço, incluindo a infraestrutura; comecei ano passado e ainda estou terminando. Paramos com tudo mesmo, pois seria desconfortável para mim ter umas seis pessoas no estúdio, por exemplo, e ainda ter que fazer a limpeza depois. Até fomos procurados por algumas bandas, mas dissemos que não estava rolando. Vimos que era melhor ‘hibernar’ nesse período.”

Investindo em outras áreas

Com o Maquinaria fechado, Márcio conta que a turma que cuida do espaço acabou por se concentrar em outras atividades que se tornaram viáveis pela situação pandêmica. Ele, por exemplo, passou a fazer mais projetos elétricos, que ajudaram a pagar algumas das contas da casa. “Outras pessoas envolvidas com o Maquinaria abriram um café, do qual me tornei sócio minoritário, e outro passou a trabalhar com programação.”

Com as obras encaminhadas para seu final, Márcio Junior acredita que o Maquinaria poderá retomar algumas atividades já na próxima semana, mas salienta que não voltarão imediatamente com todas elas, até porque ele e os demais envolvidos com a administração do espaço ainda não tomaram a segunda dose da vacina contra a Covid-19.

“Devemos voltar com poucos ensaios, com espaço maior entre eles, talvez já na semana que vem e uma banda por dia, provavelmente”, informa, acrescentando que a ideia é funcionar, num primeiro momento, com regras ainda mais conservadoras em relação às estipuladas pela Prefeitura de Juiz de Fora para eventos culturais. “O espaço é pequeno e fácil de ter aglomeração. Com os 60% permitidos pela Prefeitura já ficaria bem cheio. Por isso, não teremos eventos nas primeiras semanas, apenas ensaios. Se sentirmos que está indo tudo bem, podemos ir escalonando, mas analisaremos semana a semana, também levando em consideração os números da pandemia.”

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Ainda sobre o retorno, ele antecipa que estão pensando em novas atrações para o Maquinaria, incluindo projeto apresentado para o edital da Lei Murilo Mendes. Uma das inspirações para os planejamentos futuros é o projeto “Música mundo”, do qual participou de forma virtual e em que foram discutidas várias opções para eventos no novo cenário. “É preciso pensar em coisas novas, até porque existe uma mudança de percepção da questão sanitária. Por mais que esteja tudo liberado, existe toda uma série de preocupações, uma espécie de ‘inércia psicológica’ por estarmos há tanto tempo usando máscara, ou a saudade da aglomeração pode ser tão grande que a pessoa vai querer ir de qualquer jeito.”

Retorno em Ibitipoca

Nem todo mundo, porém, preferiu pagar _ literalmente _ para ver o que iria acontecer. Guilherme Imbroisi, do Uthopia, entregou o imóvel onde funcionava o espaço, no Bairro São Pedro, cerca de um mês depois do início da pandemia. Ele conta que tomou a decisão após conversar com uma amiga da área da saúde, que o alertou para a gravidade da situação.

“Ela me disse já na época do carnaval que a pandemia ‘duraria horrores’, então já contava com esse furacão gigante e fiquei esperando o anúncio por parte da Prefeitura para encerrar as atividades. Estávamos com uma agenda para cerca de 15 dias quando soubemos que teríamos que cancelar tudo, que foi um dia depois do último show no espaço. Nós aceitamos bem a decisão, pois sabíamos que era necessário, mas graças ao alerta da minha amiga decidimos entregar o imóvel e encerrar os contratos dos funcionários e prestadores de serviços. Só mantive, por pouco mais de um ano, o funcionário responsável pelas redes sociais, que depois seguiu conosco de forma voluntária, além de trabalharmos em outros projetos.”

A entrega do imóvel onde o Uthopia funcionou durante pouco mais de dois anos não significa que Guilherme desistiu de trabalhar com cultura, tanto que ele realizou o primeiro evento em 18 meses há pouco mais de duas semanas, em Conceição do Ibitipoca, distrito de Lima Duarte, que reuniu quase 200 pessoas para assistir a bandas de Juiz de Fora.

“O que percebi é que todo mundo está em casa esperando que alguém dê o primeiro passo. A carência das bandas, por exemplo, é impressionante, todo mundo louco para voltar a tocar”, observa, adiantando que tem planos de retomar as atividades tanto em Ibitipoca _ projeto que deve demorar cerca de um ano para acontecer _ quanto em Juiz de Fora. “Estamos conversando com um parceiro que nos acompanha há anos, só falta fechar o contrato do local, que não será na Cidade Alta, por causa do custo alto. Planejamos abrir antes do carnaval de 2022, talvez antes do final do ano. Será um projeto maior que vai englobar o Uthopia; a ideia é de um espaço cultural compartilhado com um ou mais grupos, em que ficaríamos mais ocupados com a curadoria cultural.”

Em dezembro ou janeiro

Quem também vai retornar em novo espaço é a Necessaire. O responsável pela casa, Pablo Pessanha, confessa que acreditava que tudo estaria resolvido em cerca de três meses. Com a situação se tornando mais crítica, ele conta que tentou negociar o valor do aluguel com o proprietário do imóvel, que, de acordo com ele, se mostrou irredutível. Pablo apostou, então, em um negócio de delivery de comida vegana para tentar pagar as contas; como não foi suficiente, entregou as chaves em dezembro passado e segue pagando contas pendentes até hoje.

Necessaire abandonou o sobrado na Rua Halfeld e deve voltar em um espaço aberto (Foto: Fernandp Priamo)

Ele lembra, ainda, que precisou fechar a casa justamente na semana em que vários shows comemorariam os dois anos de atividades de um dos principais cantinhos da música alternativa na cidade. “Foi muito difícil, porque estávamos justamente no nosso auge, e foi um baque enorme, mesmo esperando que isso pudesse acontecer.”

Depois de dar um passo atrás, Pablo Pessanha já planeja a volta da Necessaire, porém em um novo local. “Vamos voltar, com certeza, e do nosso jeito, chocando Juiz de Fora. A reabertura deve ser em dezembro ou janeiro, em um lugar que ainda vamos revelar, que será aberto e poderá ter outras atrações. Até lá, estamos nos reestruturando, divulgando aos poucos em nosso perfil no Instagram. Será melhor do que antes”, afirma, adiantando que o plano é fazer o evento de reinauguração com o máximo possível de atrações programadas para a festa de aniversário que não aconteceu.

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