Galeria Hiato inaugura exposição ‘+ mulheres’ neste sábado
Mostra reúne 11 artistas com diferentes linguagens
Um sorriso tímido atravessa o vidro que separa a parte de fora da parte de dentro da Galeria Hiato. Aliás: dois sorrisos, um acima do outro, com identidades tão próprias e tão distintas. São mãe e filha ali. Mas isso, essa capacidade de saber o além da imagem, só é possível compreender adentrando o espaço. E, ao entrar por aquela grande porta, outras mulheres. Um clamor: “e uma flor, pelo menos, pelo menos uma flor”, uma grande colagem atrai os olhares, bem de frente. Ao virar, mais clamores em fotos, quadros, objetos, colagens. Pluralidade de nomes, histórias e mulheres: é isso que a exposição “+ mulheres” propõe. Neste sábado (11), a partir das 11h, a Hiato (Rua Coronel Barros 38 – São Mateus) inaugura a nova mostra que reúne 11 artistas de diferentes linguagens. Ela fica disponível para visitação até o dia 25, que pode acontecer de segunda a sexta, das 13h às 18h, e, nos próximos sábados, das 10h às 13h.
Petrillo, artista e diretor do espaço, conta que a ideia foi mesmo montar uma exposição que tivesse diversidade e pluralidade tanto nas linguagens quanto nas mulheres escolhidas. Alguns elos unem as artes. Um deles é que ele quis juntar nomes de Juiz de Fora. “É uma exposição bairrista mesmo”, brinca. “Eu quis valorizar os nomes da cidade escolhendo alguns que, por exemplo, nunca tinham participado de exposições aqui. Outras já fizeram algumas vezes.” Mas além disso, outro elo é que, de certa forma, cada obra conta uma história. Na maioria das vezes, histórias de outras mulheres que passaram pelo olhar dessas artistas e se transformaram em obras.
Arte por arte
ANGÉLICA GOMES se inspirou na natureza para falar sobre o feminino. Em uma paineira desenhada, ela coloca à vista as semelhanças entre as mulheres e a árvore: a maternidade, a força, a proteção, o acolhimento, as raízes, o pertencimento. “Assim é a mulher em sua totalidade simbólica e por ser natureza, qualquer semelhança não é mera concidencia”, afirma.
FERNANDA CRUZICK, em um processo de luto, se deparou com diversos itens religiosos que sua mãe guardava. Entre eles, vários santinhos. Para sua obra, decidiu garimpar os santinhos com imagens femininas e fazer uma colagem em 3d que tem como suporte uma caixa de sua mãe. “Elas (as imagens) se afinam com o movimento, o papel feminino em todas as áreas: o religioso, o sagrado. É um passeio por imagens femininas dentro da religiosidade, especificamente a católica”, resume.
HELOISA CURZIO, em sua tela, aborda os preconceitos, as discriminações e as violências, e como isso atua frente à realidade das mulheres, que estão, ainda, envoltas a questões de raça, orientação sexual, idade, deficiência, nacionalidade e demais marcadores sociais da diferença. “Olham para a frente, juntando peças do complexo quebra-cabeça da mulheridade, com maturidade e ousadia, comprometidas com a transformação e concretização de seus sonhos, em busca de pertencimento.”
JÚLIA VITRAL, por meio da cerâmica, referencia os hábitos que marcam a história das mulheres. Uma série de perfumeiras de cerâmica estão expostas. Elas eram usadas para envasar óleos essenciais, unguentos, pastas e perfumes. “Tão significativos na esfera de um universo onde a mulher poderia ser exaltada ou aniquilada por esses ofícios”, afirma. Ela quer, com isso, dar conta do que, muitas vezes, uma palavra não consegue.
MÁRCIA EVARISTO usa da fragilidade, o papel, para ser a base de seu trabalho, o “Vestir o tempo”. São três vestidos que correspondem a três tempos diferentes. Eles dão contorno ao que a passagem do tempo faz nos corpos das mulheres. “O tempo borda desejos, cicatrizes, sensações, marcas, secreções, rasgos, texturas, sangue, rugas, sentimentos, palavras. Esse texto, que o tempo escreve no corpo e na alma do feminino, é o que modela e torna real uma história.”
NINA MELLO, em “Cabeludas”, faz referência à Gal Costa, através da música “Cabelo”. É um trabalho que reúne fotografias que colocam em destaque os pelos femininos. “Ele vem de uma reflexão em torno das imposições estéticas, de comportamento, que são diariamente impostas às mulheres. Como uma reflexão às mulheres que vieram antes de nós que possibilitaram a gente estar aqui e torna-se esse infinito que é ser mulher.”
PAULA DUARTE expõe seus autorretratos que partiram do ensaio “Eu sou quem eu sei, mas as vezes me esqueço”. Ela reflete sobre a interseccionalidade de raça e gênero, trazendo questões como o colorismo e a hipersexualização. Ela faz um referência à Sueli Carneiro, intelectual negra, que afirma: “Mulheres negras fazem parte de um contingente que em sua maioria nunca se reconheceu no mito da fragilidade feminina, porque nunca foram tratadas como frágeis”.
SORAIA MÍSCOLI tem o costume de andar registrando estradas, naturezas, casas e o povoado. Nesse percurso, costuma conversar com pessoas que não conhece e faz surgir uma amizade. Quando é convidada a entrar, conhece as pessoas para além da aparência. E é isso que suas fotos mostram: duas mulheres, mãe e filha, sem maquiagem, em suas casas. “Meu objetivo com o projeto é ir ao encontro e registrar as pessoas que cativam de forma pura, que sorriem com o coração e que olham com carinho, mesmo que seja a primeira vez.”
VALÉRIA FARIA fez uma colagem a partir do poema “O mundo mutilado”, de Prisca Agustoni, que fala sobre as mulheres imigrantes. No poema, a poeta fala sobre os sentimentos das mulheres em um outro lugar, suas necessidades. Valéria coloca isso no quadro. “Busco refletir sobre estes deslocamentos muitas vezes solitários, que envolvem encontros e desencontros, a dor da partida, as múltiplas perdas, a corrosão da saudade e ainda, a fé, a força resiliente que sempre persiste”, afirma.
VALÉRIA GOUVEIA, ela apresenta duas formas de bordas: o bordado em tela, enquadrado, e o bordar uma cerâmica, através do pincel mesmo. Sua ideia é colocar o bordado na contemporaneidade, diferente do que um dia ele já foi, sendo pensado apenas em peças utilitárias. “A retomada do bordado foi para relembrar que essa arte não pode ser perdida. É uma leitura. Eu primo pelo colorido. Eu acho que é uma maneira de falar sobre o trabalho da mulher: a mulher solta para fazer o que quiser com o bordado, inclusive de maneira contemporânea.”
VANESSA RAQUEL, em “A carne mais barata”, coloca em arte seu processo de pesquisa sobre as esculturas e marcas gráficas na arte afro-brasileira. Ela coloca rostos de mulheres em tábuas que são usadas para corte de carne. “O uso da tábua de carne aqui é ambíguo: usado com um lado para cima possui uma forma que pode remeter a um espelho, seja de uma clássica história infantil de provável origem europeia carregada de estereótipos sobre mulheres, ou um abebe da orixá Oxum. Por outro lado, é também um instrumento de cozinha utilizado para o corte”, reflete.