Daniela Arbex relança “Holocausto brasileiro” pela Intrínseca

Quase seis anos depois de seu lançamento, premiado best-seller com mais de 300 mil exemplares vendidos, escrito por Daniela Arbex, ganha reedição por novo selo


Por Mauro Morais

10/03/2019 às 05h06

Antônio, Conceição, Sônia, Elza, José, Cibele, Silvio, Sueli, Luiz, Adelino, Nilta e Geralda ao serem resgatados deram dignidade a muitos outros Antônios, Conceiçãos, Sônias, Elzas, Josés, Cibeles, Silvios, Suelis, Luizes, Adelinos, Niltas e Geraldas que viveram os horrores do maior hospício do Brasil, o Hospital Colônia. Silenciados por décadas da história oficial, que guarda nos capítulos da saúde mental páginas vergonhosas, esses homens e mulheres ganharam nome, rosto e trajetória no livro “Holocausto brasileiro”, escrito pela repórter especial da Tribuna Daniela Arbex e publicado pela primeira vez em junho de 2013. Passados quase seis anos, 21 reimpressões e mais de 300 mil exemplares vendidos, o best-seller eleito em segundo lugar na categoria livro-reportagem do Prêmio Jabuti e melhor livro-reportagem pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) ganha sua primeira reedição numa nova casa editorial, a Intrínseca, pela qual Daniela publicou sua obra mais recente, “Todo dia a mesma noite”. Com acabamento cuidadoso e refinado, o novo “Holocausto brasileiro” chega às prateleiras do país nesta segunda (11), com um inédito posfácio no qual a jornalista revisita os cinco anos posteriores à publicação.

Com casa e cara novas, livro da repórter especial da Tribuna Daniela Arbex chega às prateleiras nesta segunda (Foto: Fernando Priamo)

“Quando comecei, não tinha noção da dimensão que esse livro iria ganhar e de sua importância histórica. Só sabia que precisava contar essa história. ‘Holocausto brasileiro’ é uma das grandes narrativas que tive o privilégio de contar. Por ser a minha estreia na literatura, o livro tornou-se muito especial para mim”, celebra Daniela, citando a adoção do livro por diferentes faculdades no país, de distintas áreas do conhecimento, do direito à psicologia, além de escolas e clubes de leitura.

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Adaptado como documentário pela gigante HBO e exibido em mais de 40 países, o trabalho também alcançou outras plataformas e linguagens. Uma companhia teatral de Salvador, segundo a autora, se prepara para estrear em outubro uma adaptação da obra, também já transposta para o palco por um grupo paulista. Numa grande faculdade de Minas Gerais Daniela, também viu turmas de psicologia encenarem todos os capítulos de seu livro. “Muita coisa aconteceu após a publicação, como as pessoas que descobriram que pais e avós foram internados no Colônia. A cada vez que alguém folheia o ‘Holocausto brasileiro’, descobre um vínculo com a história. Esse livro anda sozinho e vai sendo apropriado pelas pessoas, o que é muito emocionante”, pontua a jornalista.

Em nome de Geralda

Não há um dia que Daniela Arbex não receba alguma mensagem de um leitor emocionado com “Holocausto brasileiro”. Dos milhares de contatos proporcionados pelo livro, muitos deles apontavam para novos dramas, um deles registrados pelo documentário. Ao folhear o livro, o aposentado José Carlos viu uma imagem da mãe Leonor. Seu filho, André, escreveu uma mensagem para Daniela. Tempos depois, os três se encontraram no prédio do antigo Colônia. Rodeados por câmeras e pelos arquivos do hospital, os três procuravam pelo nome de Leonor, quando André finalmente encontra o registro da avó e descobre, com o pai, que o próprio avô havia internado a mulher no lugar. “O aposentado chorou feito a criança que nunca pôde ser. Sua infância havia sido roubada pelo pai e pelo Colônia”, escreve a jornalista no posfácio da nova edição.

“Com o tempo fui tomando conhecimento da dimensão dessas histórias, fui entendendo a singularidades delas, o peso. E pude continuar acompanhando essas pessoas. Hoje, a Geralda, mãe do João Bosco, virou nome de um coletivo feminista”, conta Daniela, referindo-se à mulher que, estuprada aos 11 anos, foi levada ao Colônia ainda grávida e, após o parto, foi separada do filho, que voltou a encontrar somente em 2011. Além da sobrevivente do genocídio que vitimou cerca de 60 mil pessoas, a próprio escritora foi homenageada recentemente, dando nome a um centro de estudos jurídicos no interior de São Paulo, tudo em nome da obra.

O que esperar do futuro

“Cada vez que alguém folheia o ‘Holocausto brasileiro’, descobre um vínculo com a história. Esse livro anda sozinho e vai sendo apropriado pelas pessoas, o que é muito emocionante” pontua a jornalista Daniela Arbex

Reeditado pouco mais de um mês após a publicação da nota técnica intitulada “Nova saúde mental”, da Coordenação-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, “Holocausto brasileiro” parece ainda mais urgente. Criticada por diferentes setores da saúde mental nacional e internacional, a nota indica para a ampliação de leitos em hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas, dentro da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs), que segundo especialistas pode incentivar o retorno à lógica manicomial, tão frontalmente contestada por documentos e emocionantes narrativas no livro de Daniela Arbex.

Para que o futuro não repita o passado, também já está sendo preparada a reedição de “Cova 312”, segundo livro da jornalista, premiado como melhor livro-reportagem pelo Jabuti. Ainda, outros dois títulos inéditos estão previstos para 2020 e 2021. “O próximo livro é completamente diferente de tudo o que já fiz, é minha primeira biografia e será uma surpresa para os leitores, com uma temática muito diferente da que persegui na minha carreira. Mas posso garantir que será muito especial. O outro livro, para daqui a dois anos, falará sobre a cena brasileira”, adianta Daniela.

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