Oscar consagra sul-coreano ‘Parasita’ com 4 estatuetas

Longa sul-coreano se tornou a primeira produção não falada em inglês a vencer categoria de melhor filme. Confira vencedores


Por Júlio Black

10/02/2020 às 08h33- Atualizada 10/02/2020 às 16h25

“Jessica, filha única, Illinois, Chicago”: dramédia de choque social dirigida por Bong Joon-Ho venceu quatro categorias do Oscar, incluindo melhor filme (Foto: Divulgação)

A arte, assim como o esporte, não tem fronteiras – menos quando se trata dos Estados Unidos. No esporte, por exemplo, os campeões de basquete, beisebol e futebol americano são tratados como “campeões do mundo”, mesmo que tudo seja disputado no quintal da terra de Obama. Na arte, vale a mesma coisa: enquanto festivais como os de Cannes, Berlim e Veneza valorizam a diversidade, o Oscar é praticamente a festa da indústria do cinema americano celebrando a si mesma – nada menos surpreendente, uma vez que o prêmio é organizado pela Academia de Ciências Cinematográficas de Hollywood.

Também não surpreende que, por conta desse clima de “festa da firma”, os “intrusos” sempre tenham levado apenas o prêmio de filme estrangeiro: Ingmar Bergman, Akira Kurosawa, Frederico Fellini levaram suas estatuetas na categoria, o “prêmio de consolação’ para quem dirigiu “Fanny e Alexsander”, “Rashomon”, “8 e 1/2”. Em mais de 70 anos desde a criação da categoria, em apenas 11 oportunidades produções de fora dos EUA concorreram a filme estrangeiro e melhor filme. Além do olhar para o próprio umbigo, um dos motivos para produções estrangeiras ficarem à margem da festa era, obviamente, a barreira da língua e a conhecida resistência americana a assistir a filmes legendados.

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Mas os tempos mudam – ou pelo menos parte dos votantes da Academia mudou -, e o filme sul-coreano “Parasita” fez história neste domingo (9) ao se tornar a primeira produção não falada em inglês a vencer a categoria de melhor filme no Oscar. Além do prêmio mais aguardado da noite, o longa de Bong Joon-Ho também levou o maior número de estatuetas (quatro), todas elas nas categorias mais “nobres”: direção, roteiro original e filme internacional – nova denominação de filme estrangeiro.

Vitórias em Cannes e no Oscar

A vitória de “Parasita”, porém, só é surpreendente pelo fato da barreira linguística, pois trata-se, sem dúvidas, do melhor filme lançado em 2019 ao mostrar o choque de duas realidades sociais opostas da Coreia do Sul contemporânea. A produção do leste asiático chegou ao Oscar com as credenciais de ter levado a Palma de Ouro do Festival de Cannes, o Globo de Ouro de filme estrangeiro, o prêmio de melhor elenco do Sindicato dos Atores, melhor roteiro original do Sindicato dos Roteiristas e melhor roteiro original e filme em língua não inglesa do Bafta, principal premiação do cinema britânico. Por conta desses fatores, “Parasita” começou a surgir nas últimas semanas com chances de levar vários dos seis prêmios a que foi indicado, e tornou-se o grande adversário do então favorito “1917”.

Os prêmios, por fim, servem para coroar um filme que consegue misturar elementos tão diversos como drama, comédia, crítica social, suspense, horror, com um roteiro cheio de reviravoltas e final catártico. Tudo em “Parasita” funciona para produzir uma experiência única, seja o roteiro, elenco, direção de arte, montagem, fotografia e direção. Conhecido por trabalhos como “O expresso do amanhã”, “Okja” e “O Hospedeiro”, Bong Joon-Ho ainda encantou a plateia presente na cerimônia e o público tanto pelas suas reações a cada vez que subia ao palco e também pelos discursos. Quando subiu ao palco pela terceira vez, para receber o Oscar de direção, ele lembrou em especial de dois dos competidores na categoria: sobre Martin Scorsese (“O irlandês”), lembrou que o cineasta norte-americano era estudado por ele nas escolas de cinema; e Quentin Tarantino (“Era uma vez em… Hollywood”) foi um dos primeiros cineastas em Hollywood a elogiar seu trabalho.

Favorito ao Oscar de melhor filme e direção, “1917” levou apenas os prêmios de fotografia, mixagem de som e efeitos visuais (Foto: Divulgação)

Outros vencedores (e perdedores?)

Se “Parasita” foi o grande vencedor e maior surpresa, o Oscar também teve seus perdedores e barbadas confirmadas, além de manter a tradição recente de não ter nenhuma produção levando uma sacolada de prêmios. Até mesmo as surpresas além da consagração de “Parasita” – melhor animação para “Toy Story 4” e melhores efeitos visuais para “1917” – não foram um choque maior pois não havia nenhum favorito disparado nas categorias.

Quando se fala em “derrotados”, o grande baque da noite foi “1917”. O filme de Sam Mendes estrou no apagar das luzes de 2019 e logo despontou como o grande favorito, vencendo o Globo de Ouro de direção e filme em drama, prêmio do Sindicato dos Produtores – que havia antecipado o vencedor de melhor filme do Oscar em 21 das 30 edições anteriores. Muito desse favoritismo vinha do esmero técnico da produção, filmada com o objetivo – bem-sucedido, aliás – de parecer um grande plano-sequência. Apesar de levar o público para o centro da ação, manter um clima de tensão durante suas duas horas de duração, “1917” teve apenas três Oscars: fotografia, efeitos visuais e mixagem de som.
Pior sorte teve “O irlandês”. O mais recente “filme de máfia” de Martin Scorsese teve dez indicações no total, inclusive a 14ª de melhor direção para o cineasta, mas foi o único dos nove longas indicados na categoria principal a sair de mãos vazias do Dolby Theater, em Los Angeles, onde foi realizada a cerimônia do Oscar.

Outros filmes confirmaram o favoritismo em algumas categorias. “Coringa”, que tinha o maior número de indicações (onze), chegou com pouco fôlego em várias categorias, mas garantiu o Oscar de melhor ator para Joaquin Phoenix e trilha sonora original para a islandesa Hildur Guðnadóttir. Laura Dern venceu como atriz coadjuvante por “História de um casamento”, “Brad Pitt como ator coadjuvante pela atuação em “Era uma vez em Hollywood” (que também levou direção de arte) e Renée Zellweger como melhor atriz por “Judy: Muito além do Arco-Íris”. Neste caso, valeu a predileção da Academia por papéis que representam figuras históricas, e Judy Garland é lenda em Hollywood. Para muitos, Lupita Nyong’o merecia a estatueta por sua atuação em “Nós”, mas ela sequer foi indicada.

Uma das categorias mais equilibradas, a de roteiro adaptado, teve como vencedor o neozelandês Taika Waititi, que escreveu e dirigiu “Jojo Rabbit”, um dos três melhores longas da categoria principal. Elton John e Bernie Taupin, dupla que compôs algumas das melhores pérolas pop das últimas cinco décadas, levaram o Oscar de canção original pela música inédita que compuseram para “Rocketman”, cinebiografia sobre a carreira do cantor inglês, e não deram chance a “Into the unknown”, de “Frozen 2”.

Algumas das chamadas categorias técnicas não só confirmaram seus favoritos, como também serviram como prêmios de consolações para filmes que tinham concorrentes mais fortes em outras categorias. “Adoráveis mulheres” ficou com o Oscar de figurino, e “O escândalo” venceu na categoria maquiagem e penteado pela transformação da protagonista, Charlize Theron. “Ford vs. Ferrari”, considerado o mais fraco dos concorrentes a melhor filme, faturou os Oscars de montagem e edição de som.

Por fim, para decepção de boa parte dos brasileiros, o polêmico “Democracia em vertigem”, de Petra Costa, não levou o Oscar de melhor documentário. O vencedor foi “Indústria americana”, de Steven Bognar e Julia Reichert. Com o casal Barack e Michelle Obama entre os produtores, o longa – disponível na Netflix – mostra o conflito entre culturas de trabalho diferentes quando um empresário chinês instala uma fábrica nos Estados Unidos. A categoria contava com fortes concorrentes, como “For Sama” e “The Cave”, ambos mostrando o drama da guerra civil na Síria; e “Honeyland” da Macedônia, que também concorreu a melhor filme internacional.

OSCAR 2020 – VENCEDORES

Melhor filme
Parasita

Melhor filme internacional
“Parasita” (Coreia do Sul)

Melhor diretor
Bong Joon Ho, “Parasita”

Melhor atriz
Renée Zellweger, “Judy: Muito além do Arco-Íris”

Melhor ator
Joaquin Phoenix, “Coringa”

Melhor ator coadjuvante
Brad Pitt, “Era uma vez em… Hollywood”

Melhor atriz coadjuvante
Laura Dern, “História de um casamento”

Melhor roteiro original
Bong Joon Ho e Jin Won Han, “Parasita”

Melhor roteiro adaptado
Taika Waititi, “Jojo Rabbit”

Melhor direção de fotografia
Roger Deakins, “1917”

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Melhor trilha sonora
Hildur Guðnadóttir, “Coringa”

Melhor canção original
“(I’m gonna) Love me again, de Elton John e Bernie Taupin, “Rocketman”

Melhor figurino
“Adoráveis mulheres”

Melhor maquiagem e penteados
“O escândalo”

Melhores efeitos visuais
“1917”

Melhor direção de arte
“Era uma vez em… Hollywood”

Melhor montagem
“Ford vs. Ferrari”

Melhor edição de som
“Ford vs. Ferrari”

Melhor mixagem de som
“1917”

Melhor animação
“Toy Story 4”

Melhor documentário em longa-metragem
“Indústria Americana”

Melhor documentário em curta-metragem
“Learning to skateboard in a warzone (if you’re a girl)”

Melhor curta-metragem
“The neighbors’ window”

Melhor animação em curta-metragem
“Hair Love”

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