Grupo Divulgação estreia ‘A bala de prata’ nesta quarta (10)
Trama policial trata a questão da terra, abordando violência e justiça social, sob direção de José Luiz Ribeiro
Não há como fugir. Mas há como trafegar por outras vias. Em seu novo espetáculo, “A bala de prata”, que estreia nesta quarta, 10, às 20h30, no Forum da Cultura, o Grupo Divulgação debate política, mas não se rende à fórmula fácil da bandeira hasteada. “A peça é um drama policial. Até o final o espectador fica tentando descobrir quem foi que matou. Ela trata da questão da terra, do meeiro e do momento em que ele é posto para fora. É uma metáfora do tempo em que a gente está vivendo, desse momento em que as pessoas fazem justiça com as próprias mãos”, afirma o diretor e o dramaturgo José Luiz Ribeiro, que aborda o hoje, dos confrontos que surgem das urnas e também do ontem e do amanhã, com a fúria como prática cotidiana. “Está alinhada a tudo. Uma das coisas que o dono das terras faz é que, quando o telhado da escola começa a ter cupim, em vez de ele mandar consertar, fecha o lugar”, ilustra o autor. “Retratamos todo esse processo do tempo que vivemos, discutindo como as pessoas são oprimidas e como oprimem.”
Na trama, o trabalhador rural Oscavo é assassinado de forma cruel quando segue para o trabalho. Revoltados, seus filhos lutam para desvendar o crime e acabam por revelar as muitas crueldades que envolvem as mortes vivenciadas numa comunidade rural já fragilizada pelo absoluto descaso. “Ela foge um pouco de nossos últimos trabalhos e, ao mesmo tempo, fala de justiça e esperança. É um drama com essa pegada crítica. Não queríamos fazer uma peça que se referisse diretamente aos políticos, fugimos disso, mas não fugimos da perspectiva de que o teatro é ideológico e não partidário. Contamos uma história muito comum, e através de um crime desenvolvemos outras referências”, reforça a atriz Márcia Falabella, que interpreta Dolor, esposa da vítima.
Distanciando-se dos centros urbanos sem se tornar fantasia, “A bala de prata”, nas palavras de José Luiz Ribeiro, faz uma metáfora rural. No protagonismo, está o meeiro, “o cara que planta e dá a metade para o dono da terra. Quando não tem colheita, ele fica devendo”. Sensível, aproximando o espectador das cenas através do sofrimento da família que perde um ente querido, o texto joga luzes sobre um tema fundamental para os debates que apontam para a construção de nação. “Tem a ver com justiça social. São coisas que precisamos falar, e o teatro é nossa última arma para falar olhos nos olhos e fazer com que as pessoas possam ter reflexão”, defende o diretor, que este ano comemora 55 anos de carreira artística.
‘Quem ganhar já perdeu’
“Na minha história de vida, passei por muitos momentos até chegar o AI-5 (em 1968). Continuei trabalhando. Naquele tempo, vivemos a sociedade dividida, e continua assim. O que acho que piorou é que as pessoas não leem como antes. A qualidade do debate fica num gênero de opinião sólido. É aquilo que o Umberto Eco falou: a internet deu voz à ignorância. Todo mundo escreve o que acha na primeiridade do signo, não chega nem na secundidade, nem na terceiridade”, reflete José Luiz Ribeiro, referindo-se a termos da semiótica estudados pelo filósofo Charles Peirce, dando conta de graus distintos de compreensão do mundo, da primeira sensação, passando pela reação aos fatos até chegar à representação e interpretação.
A leitura do mundo do espectador contemporâneo, segundo o dramaturgo, foi fundamental para formatar as cenas que o grupo leva ao palco. “Nesse momento está difícil fazer o discurso da ironia, que quase ninguém entende mais. Tudo está muito chapado”, critica. “Trabalhamos com o realismo social. Tenho detalhes mínimos que podem figurar a casa e muito mais, inclusive com cenas superpostas. O menino pede na frente e, ao fundo, o caixão vai sendo levado. A luz dança levando o olho do espectador quase cinematograficamente.Temos palimpsestos, camadas em que vemos as ações se desenvolverem”, acrescenta ele, apontando o lugar de “A bala de prata” no repertório do Divulgação: “Ela dialoga com ‘Pedreira das almas’, ‘Vereda da salvação’, ‘Zé da Cova’. Ela tem um elemento rural e a música é ao vivo, acompanhando, comentando as cenas.”
Num país de ânimos exaltados, o novo espetáculo do veterano grupo teatral com sede no Fórum da Cultura valoriza o diálogo como ferramenta primordial da convivência. “As pessoas estão infelizes e vão continuar. Não teremos acerto”, lamenta Ribeiro. “Temos famílias divididas. O preconceito está escancarado. E a situação está gerada nesse conflito de poder. Vivemos no Ricardo III”, pontua, fazendo referência ao drama histórico com doses de tragédia de William Shakespeare sobre um rei disposto a tudo pelo poder. Ainda que o presente se desenhe em desestímulo, o diretor e dramaturgo evoca alguma esperança: “Esse momento é de Carlos Drummond de Andrade: ‘o espião janta conosco’. Até o riso é proibido, porque qualquer brincadeira é vigiada. O problema é que vivemos uma sociedade sem perdão e sem generosidade. Com esse Brasil dividido, quem ganhar já perdeu. O lado que perder é o do ressentimento. Teremos antagonismo até o fim. E isso acontece no limite da juventude, o que é triste. A gente torce para que esse céu nublado clareie.”
A BALA DE PRATA
Estreia nesta quarta, 10, às 20h30. Em cartaz de quarta a domingo, às 20h30, até 25 de novembro, no Fórum da Cultura (Rua Santo Antônio 1.112 – Centro)
Tópicos: teatro