Críticos convidados pelo Festival se despedem da cidade entusiasmados com a cena local
Compreendendo os que estão do lado de dentro como aqueles que, de alguma forma, estão integrados, resta ao que estão de fora, à certa distância, exercitar a isenção, aproximando-se substancialmente do real. Ao longo da última semana, Anna Esteves, Pádua Teixeira, Joice Rodrigues e Miguel Anunciação se revezaram na tentativa de trazer ao 8º Festival Nacional de Teatro a ótica do lugar no qual formaram seus olhares, longes de Juiz de Fora. Apresentados como críticos do evento – que terminou no domingo, dia 7, reunindo cerca de sete mil espectadores -, os especialistas se despediram da cidade, interessados na cena local, representada por quatro montagens: “Perdida! Electra num mundo de palhaços”, da Caravana Mezcla de Palhaços; “Estação dos passageiros invisíveis”, do INMundos Companhia Teatral; “Casa dos espelhos”, do Grupo Corpo Coletivo e “Estranho farol dos cacos”, do Afluxo Teatro e Pesquisa.
Segundo o jornalista e crítico teatral Miguel, de Belo Horizonte, há uma aproximação do que se faz aqui com o que é pensado em âmbito nacional. “Tem um gosto evidente pela experimentação de fronteiras, que é um desejo muito em voga neste momento. As quatro peças têm essa característica e têm uma narrativa que busca uma história. Não é bom nem mal, é apenas algo que as une. Acho curioso isso estar tão afinado com o que tem sido feito no teatro brasileiro”, comenta. “Percebo que em ‘O estranho farol de cacos’ e ‘Estação dos passageiros invisíveis’ o foco da pesquisa está no mesmo lugar. Eles fazem opções diferentes de temática, mas têm a questão no trabalho do ator”, completa Joice, mestre em artes cênicas pela Unicamp, atriz, professora e produtora teatral radicada em São Paulo.
Para ela, a questão da “relação do ator com a palavra, com a voz, é muito forte e muito importante para os grupos hoje”. Além disso, ela aponta uma particularidade no cenário local. “Pelo que pude perceber, tem muito autor que atua. Então, como é lidar com esse texto, feito por eles mesmos, e transformá-lo para a cena? Só isso já rende uma pesquisa para a vida inteira.” “Percebi que os grupos amadureceram. Foi uma grata surpresa”, destaca Pádua Teixeira, diretor e produtor belo-horizontino, que há 13 anos vem a Juiz de Fora para organizar a Campanha de Popularização do Teatro e Dança. Conforme discute, não só a produção da cidade esteve bem representada, mas o panorama de todo o país mostrou-se em consonância com a realidade presente. “É o que se pode ver na programação de qualquer grande cidade do Brasil. O festival tem as qualidades e as deficiências de sua programação parecidíssimas com as das capitais como Belo Horizonte e São Paulo, dadas as devidas circunstâncias”, ressalta Miguel. “Acho que a maioria das peças questionava as formas, são tentativas de avanço de linguagem. Vejo um frescor na criação”, acrescenta o crítico.
A formação pela via da reflexão
Houve dia em que as ressalvas foram vistas como disparo de arma de fogo e houve dia em que tamanho era o nó na garganta que nem uma felicitação conquistou a forma de palavras. Após a a apresentação de cada uma das 17 peças selecionadas pela mostra, foram realizados debates nos quais tanto os críticos quanto os produtores e também o público tinham espaço para pensar no que viram e o quanto sentiram. No dia seguinte, o festival publicava um pequeno informativo com os textos elaborados sobre cada espetáculo. Para a produção que foi uma das que mais comoveu o público, “Mundomudo”, da Cia Azul Celeste, de São José do Rio Preto (São Paulo), a professora, pesquisadora e doutora em artes cênicas pela Unirio e em artes, línguas e espetáculo pela Paris X, Anna Esteves concluiu sua crítica, da montagem que considera “irretocável”, com um “Bravo!”.
Contudo, no dia do debate, quem mais falou – muito mais que os críticos – foi o ator Jorge Vermelho, diante dos olhos brilhantes e gulosos de uma plateia cheia. “Teatro exige digestão. É preciso ver e digerir. E depois escrever, o que é outra espécie de leitura”, pontua Miguel Anunciação. “As vezes, parece que tanto para mim, quanto para o público espontâneo, a experiência precisa reverberar. Seria preciso um tempo maior para essa elaboração se dar mais completa e elaborada. Ter que pensar logo em seguida cai no risco de explicar o espetáculo”, concorda Joice Rodrigues. Enquanto no ano anterior os debates ocorriam no dia seguinte, contemplando esse prazo de digestão, e tinham as plateias bastante esvaziadas, esse ano, foi grande o número de interessados nas reflexões.
“Levar pessoas para levantar pontuações é criar um espaço de formação. Isso é um passo além, já que não promove apenas a experiência, mas a oportunidade de receber isso de maneira diferente. Só que esses debates cumprem um papel, mas o público tem mais interesse. Caberia mais espaços para a formação”, reflete Joice, sugerindo outros formatos, como um seminário ou mesas temáticas, já que oficinas já são práticas do festival. “A crítica colabora, um pouco, mas não muito. A formação é cotidiana e de outra ordem”, pontua Miguel, citando o fato de a crítica ainda, e cada vez mais, ser algo episódico em nosso país.
Temido em sua cidade, onde atuou por longos anos no jornal “Hoje em dia”, Miguel trouxe ao festival seu discurso sem pudores, reforçando a necessidade de espaços mais efetivos para a reflexão teatral em Juiz de Fora. A crítica como um espaço de investigação do presente e, principalmente, sugestão de novos futuros. A crítica como lugar de verdades discutíveis, mas amor incondicional. A crítica, como diz Miguel, militância: “Sou fiel a esse lugar, sou perseverante e leal ao teatro. Minha história acontece no teatro, pertenço a isso. Manifesto-me, me ponho em risco porque milito aqui, não sou ocasional. Acho que as pessoas percebem que habito esse lugar, ainda que algumas vezes eu incomode.”