Guitarrista Andreas Kisser fala do primeiro show do Sepultura em JF
Maior nome do metal brasileiro, banda se apresenta no Festival JF Rock City, após duas tentativas de trazê-la à cidade
Agora vai (mas é melhor bater na madeira, vai que…). Depois de 34 anos de carreira, em que levou o bom nome do metal brasileiro para nada menos que 78 países de todos os continentes, 20 milhões de discos vendidos e se tornar uma referência no gênero graças a álbuns como “Arise”, “Chaos A.D.”, “Roots” e “Against”, o Sepultura encontra pela primeira vez seus fãs de Juiz de Fora neste sábado (9), a partir das 16h, no Terrazzo, onde acontece o JF Rock City XIII. A apresentação acontece após o Sepultura bater na trave duas vezes na cidade, com shows cancelados devido a problemas com os organizadores.
Da formação original, surgida em Belo Horizonte, resta apenas o baixista Paulo Jr., acompanhado pelo guitarrista Andreas Kisser (no Sepultura desde 1987), o baterista Eloy Casagrande (integrante a partir de 2011) e o vocalista Derrick Green, com recém-completados 20 anos de banda. É este o quarteto que lançou em 2017 o elogiado “Machine Messiah”, cuja turnê acabou de passar pela Austrália e Nova Zelândia (em dobradinha com os americanos do Death Angel), precedida por mais de um mês de giro pela Europa – continente em que o grupo realiza nova perna da “Machine Messiah Tour” a partir de agosto.
Para o show em Juiz de Fora, Andreas Kisser adianta que a base da apresentação será a da turnê, com destaque para o mais recente álbum, porém sem se esquecer de revisitar os clássicos de todas as fases do grupo – e aí pode ter coisa até dos primeiros anos de carreira, afinal o primeiro encontro com o público juiz-forano precisa ser especial. “Finalmente tivemos essa possibilidade (de tocar em JF) e num momento bom da banda. Lançamos o ‘Machine Messiah’ há quase um ano e meio, e foi muito bem aceito, acabamos de voltar da Oceania, e nada melhor que a possibilidade de tocar aí pela primeira vez.”
Por isso, Andreas avisa que deve rolar músicas de álbuns importantes para o Sepultura, como “Arise”, “Chaos A.D.”, “Against” (a estreia de Derick na banda). “Recentemente fizemos uma turnê comemorativa de 30 anos com coisas antigas; em Tóquio (Japão), tocamos muita coisa dos primeiros anos, talvez em Juiz de Fora coloquemos algo mais antigo, como do ‘Bestial devastation’ (EP de 1985 dividido com o ‘Overdose’, é o primeiro registro sonoro oficial do Sepultura). O fã que nos acompanha merece.”
Metal que não enferruja
Base da apresentação deste sábado, “Machine Messiah” segue um modus operandi que o Sepultura aplica desde seus primórdios, quando deixou para trás o death metal/black metal que fazia a cabeça dos irmãos Cavalera (dois dos fundadores do Sepultura) e abraçou o thrash metal. Posteriormente, influências do hardcore, punk, rock industrial e ritmos tribais fizeram de “Chaos A.D.” o salto evolutivo que resultou no também clássico “Roots”, um marco para o metal mundial e que se mantém na vanguarda (ô, termo pejorativo) do gênero até hoje. Mesmo após a saída de Max Cavalera, em 1997, os ritmos brasileiros continuaram fazendo parte da sonoridade da banda, que ainda enveredou por trabalhos conceituais e com letras que exploraram temas que ultrapassam em anos-luz os clichês do thrash feito há três décadas.
“O que move o Sepultura é o desafio; fazer uma coisa diferente, rodar o mundo por dois, três anos com o disco novo, dar uma reciclada e abrir possibilidades para o próximo trabalho”, diz. “Não ficamos presos a fórmulas do passado, procuramos sempre uma coisa atual, e viajar o mundo, ver os novos fãs e culturas diferentes estimulam ideias novas. Já temos coisas guardadas para o próximo álbum, letras, músicas, conceitos, já existe um ponto de partida. Hoje é mais fácil guardar essas ideias graças à tecnologia, com computadores, estúdios portáteis, internet, dá para fazer as demos ainda na estrada”, diz Andreas.
Rodando os cinco continentes
Estrada, aliás, é com o Sepultura. Se muito artista por aí gosta de bater no peito com o “fiz sucesso no exterior” por fazer show para duas centenas de brasileiros saudosistas em casas noturnas de segundo e terceiro escalões, a banda tem autoridade para listar nada menos que 78 países dos cinco continentes desde que se aventurou fora das fronteiras do país, ainda no final dos anos 80. Tem de tudo, claro: desde locais acanhados a grandes festivais de rock e metal, como Dynamo Open Air, na Holanda, o Monsters of Rock inglês e Ozzfest, entre tantos outros. Mas, principalmente, é um dos poucos artistas do país com moral para rodar um país ou continente inteiro sozinho, no peito e na raça. Se na Oceania, em maio, dividiu o palco com o Death Angel, entre fevereiro e março rodou a Europa (Alemanha, República Tcheca, Hungria, Itália, Áustria, Eslováquia, Polônia, Holanda, França, Inglaterra, Escócia, Irlanda e Suíça) com Obscura, Goatwhore e Fit For An Autopsy. Em agosto, boa parte desses países será revisitada em shows próprios ou participando de festivais que rolam no verão do Velho Continente.
“Temos orgulho de não depender só do mercado brasileiro, de conquistarmos fãs pelo mundo. É um público sensacional, o metal é o estilo mais popular do mundo, que não depende de mídia, hit. Os discos do Motörhead serão ouvidos pelo resto da vida, assim como muitos ouvem Beethoven. O fã compra o disco, quer a camisa, o adesivo. É uma tribo, uma família, uma coisa que passa de pai pra filho e não depende de modismos, que não tem violência, ninguém assediando mulher igual no carnaval.”
Toda essa legião de fãs foi conquistada com muito trabalho, graças a essas maratonas que incluem quase 30 shows em 30 dias nos giros pelo exterior. “Não tem outro jeito. Se você for acompanhar qualquer banda, fora Metallica e algumas outras do metal, é assim: várias datas em sequência. É uma característica que temos desde 1989. A Europa possibilita isso, ir de cidade em cidade, e descansando bem. Eles têm boa estrutura, e estamos acostumados, alcançamos mais países em um menor espaço de tempo. Na Ásia já é diferente, é preciso se deslocar de avião. É muito parecido com o Brasil com suas grandes distâncias, é preciso se adaptar às característica de cada turnê. Tanto que é comum para a gente, ninguém reclama de dor nas costas. Eu me sinto privilegiado por poder fazer música, é estimulante. Nada é mais fantástico do que fazer o que ama, no meu caso estar no palco com o Sepultura, tocar outros projetos.”
Decisões que deram (e continuam dando) certo
Por fim, o Sepultura comemora em 2018 os longevos 20 anos do americano Derrick Green como o frontman da banda, que chegou após o Sepultura tomar algumas das mais difíceis – e acertadas – decisões de sua carreira, após o choque da saída de Max Cavalera em plena turnê de divulgação de “Roots”. “Logo que o Max saiu, pensamos em mudar o nome da banda, porque perdemos empresário, estrutura, estávamos recomeçando do zero”, relembra. “Tivemos que parar com tudo no meio da turnê.”
“Mas nunca tomamos decisões com a cabeça quente, com o tempo tivemos condições de raciocínio para escolher o melhor caminho. Passamos nove, dez meses procurando produtor, empresário, começamos a compor o ‘Against’ em trio. O Derick só entrou em janeiro de 1998, já durante a produção, quando estávamos mais ou menos estruturados, pensando num futuro diferente para a banda. Tivemos maturidade para tomar a decisão certa. Ele veio para completar o time e foi o fator principal para termos um novo Sepultura. E até hoje o ‘Against’ é o disco mais importante da banda, sem ele talvez o Sepultura não existisse mais.”