Atriz juiz-forana Pri Helena protagoniza ‘Nerium Park’, no Rio

Peça em cartaz no Teatro Dulcina, no Centro do Rio de Janeiro, mescla suspense e drama para retratar sociedade contemporânea a partir da relação de um casal


Por Mauro Morais

08/11/2018 às 18h51

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Peça protagonizada pela juiz-forana Pri Helena reflete sobre a crise imobiliária, o desemprego, o machismo, a vulnerabilidade da mulher grávida, e a empatia e a alteridade com o desconhecido (Foto: Renato Mangolin/Divulgação)

Nerium Oleander é o nome científico da planta popularmente conhecida como espirradeira, que decora os caminhos de acesso e dá nome ao condomínio e também ao espetáculo em cartaz no Teatro Dulcina, no Centro do Rio de Janeiro, “Nerium Park”, protagonizado pelo global Rafael Baronesi e pela juiz-forana Pri Helena, com direção de Rodrigo Portella. Bela, a planta ornamental é também tóxica. Do branco, vazio, o dramaturgo espanhol Josep Maria Miró extrai o silêncio e também o veneno. “O ‘Nerium Park’ tem uma estrutura de texto que eu nunca havia trabalhado antes. A linguagem dele é muito realista, e inúmeros conflitos estão no texto, mas sem um grande acontecimento. A minha geração está muito acostumada a ir a peças que tenham um conflito muito estabelecido. Esse texto tem muitas camadas. Um casal de classe média se muda para um condomínio um pouco afastado da cidade, desses que são implantados como se fossem o grande sonho das pessoas, com segurança, piscina, parque, campo de futebol, como se uma vida inteira pudesse acontecer ali. Eles parcelam em 30 anos, mas quando chegam, são os primeiros, e ninguém mais se muda”, narra a atriz. “A peça conta a história durante um ano, e os apartamentos entram em promoção, mas ninguém compra, nada acontece. A classificação da peça é de um suspense social, porque traz questões sociais e instaura o suspense quando chega outro indivíduo, que vai morar no condomínio mas não é um vizinho e sim uma pessoa que não tem onde morar.”

Partindo da relação de um casal na casa dos sonhos que se torna um conjunto fantasma, a peça reflete sobre a crise imobiliária, o desemprego — ela trabalha contratando e ele perde o emprego —, o machismo — ele vê sua autoestima minar ao depender financeiramente dela —, a vulnerabilidade da mulher grávida — ela engravida ao longo da história —, e a empatia e alteridade com o desconhecido. “A peça é uma espiral que gira em torno de conflitos que o casal não consegue resolver, porque não consegue se comunicar, se escutar. Esse casal muda buscando a vida perfeita e, quando chegam ao condomínio, vê tudo desmoronar. É um retrato claro de muitos relacionamentos e da nossa sociedade”, comenta Pri, que no ano passado transferiu-se para o Rio de Janeiro para estudar na Martins Pena (Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna) e na Cal (Casa das Artes de Laranjeiras).

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Pri Helena divide a cena com Rafael Baronesi, que comprou os direitos da primeira montagem da peça escrita pelo dramaturgo espanhol Josep Maria Miró (Foto: Renato Mangolin/Divulgação)

“Até então, eu tinha feito trabalhos em Juiz de Fora, com companhias locais, e trabalhos com o Rodrigo (Portella), nos quais eu substituía outras atrizes da companhia dele. O ‘Nerium Park’ é o primeiro espetáculo de circuito profissional que fiz na vida e que acompanhei desde a concepção até a estreia. Como atriz, é um trabalho que eu esperei 15 anos, que é o tempo que faço teatro. É o modelo de peça que acredito, modelo de trabalho que acredito, com uma equipe muito competente e envolvida”, diz a atriz, indicada por Portella para o papel. “O projeto é do Rafael Baronesi, que comprou os direitos desse texto escrito pelo Josep Maria Miró, o mesmo autor de ‘O Princípio de Arquimedes’, já montado no Brasil. ‘Nerium Park’ tem montagens em outros países, mas é inédito aqui. Essa é a décima montagem da peça”, conta a atriz de 26 anos, alguns a menos que sua personagem Malu.

“Quando eles (Rafael e o produtor Rogério Garcia) me conheceram, acharam que eu não tinha o perfil da personagem. A Malu tem 30 e poucos anos e é chefe de recursos humanos, o que exigiria ser uma mulher mais madura. Mas quando fizemos a leitura, o Rafa adorou e disse que me queria no projeto de qualquer jeito. Então, começamos a trabalhar o amadurecimento dentro da cena”, recorda-se. No final de maio, eles fizeram leituras. Em junho, destrincharam ainda mais o texto. Em julho, fizeram os ensaios para, em 18 de agosto, estrearem no Teatro Glaucio Gil, onde “Nerium Park” ficou em cartaz pouco menos de um mês e, desde o último fim de semana, retornou à cena, no palco do tradicional Dulcina, de sexta a domingo, às 19h, até 2 de dezembro. “É teatro em tom maior, com uma encenação brilhante de um daqueles textos em que há o propósito intenso de indagar sobre as razões do nosso tempo”, elogiou a professora e crítica teatral Tânia Brandão em sua página “Folias teatrais”, em texto apaixonado, no qual reverencia o talento da juiz-forana: “De saída, Pri Helena, ao sustentar um fiapo de princípio de realidade que vai se esgarçando, alcança resultados mais densos. As certezas e o equilíbrio de sua Malu são excelentes pontos de estruturação da cena.”

As coisas mais estressantes do mundo

A espécie de caixa acrílica a simular o apartamento está vazia no início da cena. Pouco a pouco, vai sendo ocupada pela tensão e por vasos com plantas ornamentais. A natureza artificial vai sufocando. Segundo Pri Helena, o minimalismo do cenário toca na encenação para criar outro plano. “Os diálogos desse texto são muito naturalistas, daria para fazer um filme sem mudar nada. E nossa preocupação era não deixar que ficasse muito televisivo e muito blasé. Então optamos por uma encenação realista, com conceitos do cenário e da interpretação que quebram isso”, pontua ela, reforçando a contemporaneidade de um texto cheio de sentidos. “Em 2012, o país do Josep Maria Miró (Espanha) estava vivendo uma grande crise imobiliária. Agora, seis anos depois, os assuntos que ele debate são atuais para nós, se não na forma como eram, conseguem ser reinterpretados. Quando começamos os trabalhos de mesa, conversamos muito sobre a chegada desse novo indivíduo no condomínio pensando em relação aos refugiados no mundo. Até que ponto podemos expulsar pessoas que não nasceram aqui? Não é o direito de elas também estarem aqui? Não somos responsáveis por elas? A peça mostra a relação de um casal, mas trata de assuntos amplos e muito atuais. Quem assiste acha que o texto foi escrito agora”, comenta ela.

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Foto: Renato Mangolin/Divulgação

Para a crítica Tânia Brandão, a letalidade da planta que dá título à peça e ao condomínio diz muito sobre as intenções de um autor que não fala apenas do que é visto, mas, principalmente, dos desvãos. “Miró se propôs a desnudar no palco a teia da perdição humana no nosso tempo. Uma teia gerada por um lugar social que se tornou o sonho da humanidade, ou foi proposto a todos como tal, no qual as pessoas se transformaram em mercadoria, sem ética e moral, entregues ao capital — se esvaziaram de si. Um lugar que simula o sonho, mas é tóxico, pois liquida justamente o que deveria ser a razão da vida. Um lugar distante da necessidade de ser: como se fosse o oco absoluto de uma câmara de gás existencial”, aponta Tânia.

Focada em excursionar com o espetáculo — “Espero apresentá-lo em Juiz de Fora!” — e concluir os cursos de atuação, Pri Helena veste a personagem que encontrou na própria pele. “Mudei para o Rio em 2017, e o choque da mudança é muito vivo em mim até hoje. Essa questão está muito presente na peça. Uma das primeiras falas da minha personagem é: ‘Existem três coisas mais estressantes no mundo: o fim de um relacionamento, mudar de emprego e trocar de casa’. Vivi essas três situações em menos de um ano e, por isso, me identifico muito com essa personagem”, conta, para logo concluir: “Eu me identifico muito com o abandono dentro de uma relação, não só em relações amorosas, mas com amigos ou familiares. Também me identifico com o querer falar e não conseguir dizer, ou não conseguir ser ouvido, ou não conseguir ser bem interpretado. A Malu é como uma bomba, que guarda tanta coisa para ela que uma hora explode.”

NERIUM PARK
De sexta a domingo, às 19h, até 2 de dezembro, no Teatro Dulcina (Rua Alcindo Guanabara 17 – Centro, Rio de Janeiro)

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