Para viver ou deixar de viver


Por MAURO MORAIS

07/08/2016 às 07h00

Com medo, moradores não acreditam em mudança na praça do Bairro Jóquei Clube III, embora recém-pintada

Com medo, moradores não acreditam em mudança na praça do Bairro Jóquei Clube III, embora recém-pintada

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Praça do Bairro Santo Antônio precisa de policiamento para melhor ocupação

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A nova praça do Bairro Dom Bosco se esconde em rua sem saída

A nova praça do Bairro Dom Bosco se esconde em rua sem saída

Caio Vinícius Félix dos Santos, 27 anos, morreu alvejado por cinco tiros a menos de um quilômetro da praça de seu bairro, Dom Bosco, na Cidade Alta. Sérgio Luiz dos Santos de Oliveira Júnior, 26, foi morto com uma bala no rosto, na rua da praça do Bairro Santo Antônio, Zona Sudeste, a menos de um quilômetro da quadra. Fabrício Domingos Mendonça, 23, foi executado com quatro tiros a pouco mais de 100 metros da praça do Bairro Jóquei Clube III, Zona Norte. Onde Lucas Alves Prado da Silva, 16, foi alvejado com cinco tiros na cabeça e morreu, no Bairro Jardim Natal, Zona Norte, não havia praça alguma. Nas 48 horas do último fim de semana, quatro se foram próximos a espaços que, por excelência, deveriam servir a arte, cultura, esporte e lazer. Em visita aos quatro bairros, a Tribuna identificou três praças equipadas, plenas em funcionamento e medo.

Em vigor daqui a 12 dias, a Lei Complementar nº 14/2015, projeto do vereador Jucélio Maria (PSB), institui a política municipal de ocupação cultural das praças públicas, que compreende o estímulo aos espaços e artistas locais. No quinto parágrafo do segundo artigo, destaca, como propósito: “promover a sensação de pertencimento e valorização do espaço público”. Não prevê, porém, as condições desses lugares administrados por um terror a impedir até mesmo o discurso de vizinhos.

 

O sonho da casa com rodas

Filho de J. S., de 25 anos, o pequeno B., 5, estava em sua rua, diante da praça do Bairro Jóquei Clube III, numa festa infantil, quando todos ouviram disparos logo ao lado. “Ele e outras crianças estavam correndo aqui quando aconteceu o assassinato. Aqui nada dá certo. Se entrar qualquer coisa, vai ter logo que sair. Não é lugar de entrar, não. Aqui não tem como ficar”, lamenta a mãe, diante de uma praça que acabava de ter sua pintura e pequenos reparos concluídos na tarde da última quinta. “Agora é que arrumaram, ou melhor, pintaram. Ainda não tem brinquedo para as crianças. Até um mês atrás não tinha nem luz e estava sendo usada para esconder droga. Era um lixo. Tem determinada hora que nem dá para entrar com criança”, completa a vizinha C.M., 39.

“O escorregador tinha uma cratera na descida, toda enferrujada, sem condição para as crianças brincarem. Por mim essa praça deveria ser demolida. Ela é esconderijo. Se só serve para coisa que não presta, é melhor não ter”, mostra sua desesperança J. S., certa de que quaisquer projetos culturais teriam tempo curto num lugar de vidas encurtadas por tiros. C.M., que já achou até mesmo preservativos na área reservada às crianças, com dois escorregadores interligados, e nada mais, o desejo é outro: “Se eu pudesse pegar minha casa e colocar rodinha, eu levava, porque a gente constrói com tanto sacrifício e não pode nem usufruir.”

Autossustentável e silenciosa

A senhora pode me falar da praça? Não. E o senhor? Não. E o senhor? Não. Morador do Bairro Santo Antônio há 28 anos, R. aceita falar, sem dizer sua idade ou nome completo. Ao longo dos anos, viu dar certo o formato de autossustentabilidade de uma praça inundada por anúncios, mas também ocupada por estudantes ao sair de suas aulas. “Desde que ela foi fundada, o horário é alugado, e o lucro é convertido na conservação da praça e no pagamento de uma pessoa para tomar conta. Durante o dia, é aberta. A partir das 18h, o uso é cobrado. Ela está sempre cheia. À noite, os horários são muito disputados”, conta o morador.

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“Mas a segurança é bem precária. De uns meses para cá, ela ganhou uma base comunitária, para diminuir a violência. A mesa de pingue-pongue é um ponto de uso e venda de drogas. Esvaziou um pouco porque há umas duas semanas teve uma tentativa de homicídio na mesma mesa. Há dois meses houve um assassinato na esquina”, pontua R.

A algumas quadras dali, num campo de terra, resiste o projeto social Santo Antônio Vive, que acolhe jovens de 9 a 15 anos para a prática do futebol. Os campeonatos ocorrem na praça. Na final do último campeonato, todavia, houve ocorrência. Campeonato agora, só com escolta. Questionado sobre a viabilidade de apresentações artísticas no local, R. é enfático: “Show sem policiamento não acontece. Sem monitoramento, não dá.”

O esconderijo do esqueleto da Encol

No fim da Rua Araguari, sem saída, no Dom Bosco, se esconde uma completa praça composta por parque infantil, pista de skate, quadra e área gramada. Amplo, o lugar inaugurado em abril, escondia, antes, um projeto inacabado da Encol, uma das maiores construtoras do Brasil, falida em 1999. “Era um elefante branco isso aí. Tinha nada, menino. Só os esqueletos, um poço, e a gente ficava preocupada com as crianças, que subiam as escadas e ficavam entre as pontas de ferro”, recorda-se a vizinha N.S., 60, satisfeita com a nova paisagem que fronteia sua janela.

“Até que os meninos brincam bastante nessa praça. Toda quarta-feira, eles jogam bola. Está tendo utilidade. Falaram que iriam colocar aquela academia ao ar livre, mas só puseram o parquinho das crianças. Onde está o gramado caberia a academia”, lamenta ela, que logo exibe sua descrença de o lugar alterar a realidade de seu endereço caso não mantenham atividades regulares e acompanhamento constante: “Por enquanto está tudo bem com a praça. Até agora não aconteceu nada. Se aconteceu foi fora da praça, mas a violência está demais. Não sei se a praça vai ajudar a diminuir.”

Sem o verde da esperança

Utilizadas, em sua maioria, exclusivamente para a prática do futebol, as praças visitadas replicam a realidade de outros espaços da cidade, como a praça do Bairro Vila Ozanan, constantemente vazia diante de uma comunidade refém do horror. Para o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, Frederico Braida, a ausência configura-se, também, como fenômeno próprio da contemporaneidade. “O esvaziamento dos espaços públicos é um movimento social. Mas é óbvio que se o Poder Público não investe, as pessoas não têm o interesse por ocupar”, questiona, indicando a presença dos centros comerciais como uma prática de convívio público obtida em detrimento das áreas ao ar livre.

Segundo o professor e pesquisador, autor do infantil “Áreas verdes em Juiz de Fora”, as praças europeias, nas quais nos baseamos, consistia numa área verde rodeada por prédios, o que foi descaracterizado no Brasil, ao adotar locais cercados por ruas. “Elas são, originalmente, lugares que promovem o contato imediato com o verde. E a ausência do verde demonstra a falta de cuidado com o espaço público, porque exige uma manutenção que o Poder Público não se dispõe a fazer”, indica.

As praças gregas, conforme aponta Braida, são locais públicos a manifestar o direito de todos. “Esse é o grande papel de um praça, que deveria ser lugar permanente para a convivência”, aponta. Papel do arquiteto e urbanista, a identificação das demandas da comunidade onde tal mobiliário urbano será inserido, diz da necessidade de vocações diferenciadas para cada espaço. “Considerando-se que as classes sociais continuarão a ter diferentes perspectivas no atendimento às suas demandas de consumo individual ou coletivo, em virtude de sua inserção no sistema produtivo, o equacionamento de uma cidade mais democrática passa pela ênfase ao suprimento ou tratamento desses espaços”, defende a arquiteta e pesquisadora da UFMG Flávia de Paula Duque Brasil, em seu artigo “Apropriação das praças como espaço de lazer, cultura e cidadania”. Nesse sentido, antes das cores da arte e da cultura, as praças da Juiz de Fora que vê seus mortos se multiplicarem entre os tiros das ruas carece do verde – não apenas do das árvores -, mas daquele que representa dias melhores.

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