Clima é de mistério em ‘O amante duplo’, destaque do Festival Varilux
Novo thriller erótico de François Ozon conta a história de um psicanalista que se envolve com sua paciente
Cada vez maior e melhor, o Festival Varilux de Cinema Francês começa nesta quinta-feira, 7, e termina no dia 20, sua novíssima edição no país. No ano passado, o evento obteve o expressivo número de 180 mil espectadores e se consagrou como o festival de cinema francês no mundo. Para este ano, Emanuelle e Christian Boudier, curadores e sócios na Bonfilm, prometem atingir 61 cidades. Trazem 21 filmes e uma delegação de prestígio, que inclui o ator dos irmãos Dardenne, Jérémie Renier, e a atriz Clotilde Hesme. Além das estreias, a pérola da programação é a versão restaurada de “Z”, de Costa-Gavras, marco do cinema político que completa 50 anos em 2018. Outra atração será a Mostra de Realidade Virtual, com a exibição de 11 filmes com tecnologia VR. Com curadoria do cineasta e especialista francês Fouzi Louahem, o evento vai ser apresentado em São Paulo, no Rio e em Salvador.
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Mas há também o novo thriller erótico de François Ozon. Sempre atraído por relações íntimas – e o desafio do que mostrar na tela -, Ozon encontrou-se com o repórter no Festival de Cannes do ano passado justamente para falar de “O amante duplo”, que estreia no Brasil no dia 21. O filme é estrelado por Jérémie Renier – seu papel mais viril, bem distante do naturalismo de suas atuações para os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne – e a sexy Marine Vacth, que Ozon já dirigira em “Jovem e bela”. Fiel ao seu projeto de mudar de filme para filme, Ozon deixa para trás o tom pudico de Frantz para investir não só no erotismo como no fantástico.
Ele já começa seu filme tomando liberdades. Marine vai ao ginecologista. Plano de detalhe do seu sexo. Ozon disse brincando que havia resolvido dar um choque nos seus amigos gays Mas o que cria perturbação é o que vem a seguir. A vagina vira um olho. Como, por quê? “Para mim as duas coisas se combinam. “O amante duplo” é um filme sobre a interioridade de uma mulher. Chega a ser meio óbvio, mostrar seu sexo. Mas também é uma espécie de investigação sobre essa mulher, daí o olho. Não achei que estivesse sendo sutil – não mesmo -, mas me surpreende como as duas imagens produziram interpretações disparatadas. Teve um jornalista norte-americano que achou que eu estava querendo reinventar Luis Buñuel, “Um cão andaluz”, de 1929. Nem nos meus mais intensos delírios de megalomania”, brinca o cineasta.
Uma mulher se envolve com seu terapeuta. Vai viver com ele e descobre que o amado esconde um lado sombrio. De perto, ninguém é normal? Se a cena inicial, o sexo e o olho, já causam perturbação em “O amante duplo”, o que vem a seguir pode perturbar ainda mais. Ozon filma a garganta de sua protagonista, Chloé. “O que mais me impressionou nessas imagens é o seu aspecto, digamos, clínico. Isso não apenas está no espírito do filme como me pareceu visualmente intrigante. Não faço filmes para chocar – já estou velho para isso (risos). Mas tirar o espectador da sua zona de conforto, e eu mesmo me propor coisas diferentes faz todo sentido”, afirma o diretor francês.
Um psicanalista que se envolve com sua paciente? “Fiz minha lição de casa. Conversei com alguns enquanto escrevia o roteiro. Todos consideram possível, porque o psicanalista também é humano, mas levantam as reservas de ordem ética. No filme, temos dois personagens antagônicos. Louis é perverso, não é um bom psicanalista. Paul é mais honesto. Quando descobre seus sentimentos ele tenta parar as sessões. Muita gente acha que representei Paul com barba e óculos para forçar a semelhança com Sigmund Freud. Não é verdade. Freud não é nem um pouco sexy – eu, pelo menos, não acho. E era fundamental que Jérémie (Renier) fosse viril aos olhos do espectador. Sem isso, não haveria filme. E você sabe – quantas vezes já nos falamos, você como jornalista, eu como diretor, o que me interessa são as pessoas. Quanto mais você penetra no íntimo das pessoas mais tende a se surpreender. Eu me surpreendo. É o que me motiva para filmar”, diz ainda.
O filme baseia-se num livro da norte-americana Joyce Carol Oates Tem certa semelhança com “Gêmeos – Mórbida Semelhança”, de David Cronenberg, até porque o horror termina sendo muito forte na história. “Não conhecia o filme de Cronenberg, embora seja um diretor interessante, a quem admiro pontualmente. Gosto dessas suas ideias de que as pessoas podem se tornar aberrações aos olhos de seus semelhantes, mas acho que há uma diferença considerável.
Cronenberg é homem e vê essa história com olhos masculinos. No meu filme, filtrando duplamente Marine Vacth e Joyce (Oates) o que se impõe é a visão feminina. Sinto que estamos ingressando numa era de empoderamento das mulheres. Tenho colocado isso em meus filmes. É um tema que vai se tornar cada vez mais relevante ”
E François Ozon comenta como é, para um homem, refletir esse ponto de vista feminino? “Eu me sinto muito à vontade com a representação do feminino, e não tem nada a ver com o fato de ser gay. Quando filmo homens, a sensação de que estou diante de um espelho. Filmar mulheres é mais lúdico e, ao mesmo tempo, sinto um certo distanciamento. Acho que é mais fácil me esconder por trás de uma mulher.” Marine Vacth? “Para mim, ela é maravilhosa. Marine é jovem, é bela, é sexy. E ela lida muito bem com seu corpo, seus desejos. Posso lhe pedir não importa o que, e acho que ela vai se empenhar em dar o melhor de si. Atores têm de ser seres especiais. Não podem estar presos ao próprio gênero. Um ator que não possa liberar seu lado feminino ou uma atriz que reprime seu lado masculino estão podando a própria capacidade de colocar na tela a complexidade da natureza humana.”