Hondurenha reúne músicos para lives em apartamento no projeto The Kittynet

Artista visual, arquiteta e urbanista, Gabriela Zuniga Fu vive em Juiz de Fora desde 2018


Por Júlio Black

06/08/2020 às 07h00

Laura Conceição mandou suas rimas na quitinete (Foto: Divulgação)

Artista visual, arquiteta e urbanista, a hondurenha Gabriela Zuniga Fu desenvolve, desde fevereiro de 2019, o projeto The Kittynet. Neles, a mestranda em Ambiente Construído pela UFJF une arte e seus estudos da psicogeografia por meio de apresentações que grava em sua quitinete de 30 metros quadros na região central de Juiz de Fora e compartilha no perfil @thekittynet no Instagram.

Antes de falar do projeto em si, senta que lá vem uma explicação leiga: o termo psicogeografia foi criado na década de 1950 pelo movimento Situacionista Internacional, e desde então estuda os efeitos específicos, comportamentais e emocionais, sobre as pessoas em lugares seletos. Suas principais influências são arquitetura e geografia humana. A arte oriunda desses estudos oferece a oportunidade de subverter a maneira como as pessoas refletem sobre os espaços em que habitam.

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“Basicamente, é colocar as práticas artísticas em métodos mais acadêmicos, e isso se reflete nas cidades onde as pessoas vivem. Basta lembrar que as maiores cidades do mundo têm uma identidade muito forte”, explica Gabriela, que teve o gatilho para idealizar o projeto a partir de leituras sobre as ações do movimento na Paris dos anos 1950. “A psicogeografia procura diferentes lugares e atrativos na cidade, descobrir espaços novos. Quando cheguei aqui, sem dinheiro, só sabia de espaços para consumir, como bares etc, e com o tempo descobri lugares em que poderia ir sem gastar, como a represa de São Pedro.”

 

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Camera 02 Recording Raw Acoustic session @blizterin.sun . . . . @annaluisamoraes @rafaell.guedes #Brasil #juizdefora

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Da música às artes plásticas

Com essa leitura em mente, Gabriela deu asas ao The Kittynet. O primeiro passo do projeto foi dado graças ao acaso. “Foi muito difícil no início, pois não conhecia as pessoas, fiquei até um pouco entediada por não saber o que a cidade tinha a oferecer. Mas conheci então o Gabriel Acaju e ficamos amigos. Convidei-o para almoçar aqui em casa, e, como eu tenho alguns instrumentos musicais, ele começou a tocar; aí sugeri começar o projeto com ele, que topou, e foi uma forma de colocar em prática o que estava estudando.”

E foi assim, de acaso em acaso, conhecendo pessoas através das novas amizades, que Gabriela Zuniga ampliou sua rede de contatos e já produziu vídeos com mais de 35 artistas. Entre eles, Renato da Lapa, Algarabya, Laura Conceição, Alles Club, Gabriel Lobo e Blizterin’ Sun, entre tantos outros – incluindo um amigo hondurenho que a visitou na cidade, além de dois artistas que filmou quando esteve em sua terra natal, no final do ano passado.

Ramon Brandão pinta observado por Leica, a gata (Foto: Divulgação)

Rede de contatos

“Conheci a (dançarina) Vitória Vargas quando comecei a fazer circo no Colégio de Aplicação João XXIII, e o (artista plástico) Ramon Brandão foi graças a uma obra dele que comprei na Excalibur. Pedi o contato dele porque fiquei curiosa em conhecê-lo”, relembra. “Todos que participaram do projeto têm grupos de amigos diferentes pela cidade, e como elas compartilhavam as postagens nas redes, outras pessoas passaram a conhecer.”

Mais para frente, a meta é fazer um documentário sobre o espaço e como ele foi se transformando nesses dois anos. “Meu objetivo principal não é publicar vídeos como produtora, e sim realizar um estudo sobre o tema do projeto acadêmico. Mas é legal ir compartilhando essas apresentações.”

Gatos e vizinhos

Se existe uma personagem recorrente no projeto, esta não é a sua idealizadora, e sim a gatinha Leica, que aparece nas fotos e vídeos e conquista quem marca presença na quitinete. “Ela é uma espécie de alter ego que tenho no projeto, pois não queria colocar diretamente meu nome. É um jeito de manter um pouco de anonimato.” Quanto à vizinhança, ela diz que até agora ninguém reclamou do “barulho”. “Os vizinhos são muito legais. No início, achei que iriam reclamar, mas eles gostam. Uma vizinha do andar de cima chegou a descer para parabenizar pelos músicos que eu convido. Às vezes eles colam na janela para ver o que está acontecendo. Como não recebi nenhuma multa (risos), acho que fui bem aceita.”

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A estrela de todos os espetáculos, Leica, posa; ao lado, Gabriela (Foto: Divulgação)

Um olhar estrangeiro sobre JF

Deixando claro que a Kittynet não é uma produtora, e sim um exercício que mostra como os espaços podem ter diversos usos, Gabriela usa sua experiência passada com o audiovisual para a gravação dos vídeos. Em Honduras, ela fez cenografia para programas de TV, que muitas vezes utilizam espaços pequenos e precisam dar a impressão de serem grandes. E há também seu lado de artista visual, que desde 2012 trabalha com fotografia de rua, como abstrações com as fachadas das edificações, além de ter colaborado em um projeto no Museu de História Natural de seu país.

“A arquitetura se abre para muita coisa, não é só construção de prédios e casas”, afirma. “A gente é uma mistura de muitas coisas. Você, por exemplo, não gosta só de jornalismo, gosta do seu cachorro etc, e a arquitetura está muito ligada às artes. O Baudelaire tem um ensaio chamado ‘O pintor da vida moderna’, em que diz que a verdadeira beleza está nas coisas cotidianas, nas pessoas na rua, nos prédios. Eu mesma sempre saio com minha câmera pela cidade, passeando, fotografando…”

Gabriel Lobo em uma das últimas apresentações na Kittynet (Foto: Divulgação)

Nessas andanças juiz-foranas, Gabriela já tem experiência suficiente para refletir sobre as diferenças entre a capital hondurenha (Tegucigalpa) e seu habitat atual – tanto na arte quanto na urbe. “Juiz de Fora tem coisas legais que não temos em Honduras, como o Maquinaria, o Rise Together, que são bar e estúdio, mas ainda falta uma união entre os artistas. Sempre encontro as mesmas pessoas nos palcos. Em Honduras é diferente, tem um movimento mais formado, chega muito gringo, as pessoas viajam mais. É uma cidade maior, que tem 1,5 milhão de pessoas, mais museus que dedicam espaço para a arte contemporânea. E morar num prédio não é coisa muito comum por lá, é exclusiva para pessoas com muito dinheiro. É mais uma cidade horizontal que vertical. Ah, e aqui são muito receptivos com os estudantes.”

Outro projeto

Além do The Kittynet, Gabriela Zuniga tem outro projeto, que desenvolve desde 2012 e que pode ser conferido em no perfil @missy.fu do Instagram. “Ele começou quando comprei minha primeira câmera e só fazia foto de arquitetura, paisagens, mas comecei a ver os prédios como pinturas, pessoas, com personalidades próprias. Busco retratar as cidades em que vivo, como Tegucigalpa e Juiz de Fora, e também países que visito, como Nicarágua e Argentina. Basicamente, procuro prédios representativos das cidades, mas no final a gente retrata o que nos representa.”

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Fotos de Gabriela Zuniga Fu no projeto @missy.fu

 

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