Quem é o ator de JF que faz o Delegado Nolasco, de ‘Segundo Sol’

Na última semana de “Segundo Sol”, intérprete do Delegado Nolasco, o ator juiz-forano comemora papel, que previsto para apenas uma cena tornou-se maior e fundamental, e também revela o futuro em série global, dois filmes e um monólogo


Por Mauro Morais

04/11/2018 às 07h00

 

Posando para as lentes de Fernando Priamo em Juiz de Fora, Tairone comemora o carinho do público, que o reconhece nas ruas e pede para tirar fotos (Foto: Fernando Priamo)

Pouco mais de dois minutos separam a primeira fala “Laureta Bottini! Laureta Bottini! Eu tô aqui com uma ordem judicial, um mandado de busca e apreensão”, da frase final, “Laureta Botini, a senhora está presa por tráfico de drogas!”. Tempo bastante para que a vilã vivida por Adriana Esteves veja sua casa tomada por policiais da delegacia anti-drogas chefiada pelo Delegado Nolasco, interpretado por Tairone Vale, que dá voz de prisão à cafetina da novela global das 21h, “Segundo sol”, que chega ao fim nesta sexta, 9. Os pouco mais de dois minutos foram tempo bastante para que o personagem com distintivo policial no pescoço se tornasse reflexo de um instante. Retrato de um país. “Era uma participação sem previsão de retorno.

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A cena agradou, e ele começou a voltar. Tenho escutado comentários sobre a necessidade de surgir um herói para a história. Tenho uma base muito pequena de seguidores nas redes sociais, mas vejo as redes da novela e dos colegas e vejo as pessoas torcendo para que o delegado não vire corrupto. Isso reflete esse clima político que vivemos”, comenta o ator, nascido em Brasília e radicado, ainda criança, em Juiz de Fora, onde vive.

Tairone como Nolasco, na festejada cena em que prendeu Laureta, personagem de Adriana Esteves
Fotos: Paulo Belote/Globo/Divulgação

O crescimento do personagem fez, inclusive, com que Nolasco mudasse sua área de atuação, combatendo não apenas o tráfico, mas diferentes crimes. “Apostaram no Nolasco como espelhamento do justiceiro combatente, ético e do bem”, acredita Tairone. “Pelo menos por enquanto ele não tem os arroubos de justiça e autoritarismo que sabemos ser comum nesses profissionais. Ele não joga sujo para fazer o bem”, acrescenta, pontuando certa inocência no delegado que, logo na primeira cena, entrega por descuido o jogo para o colega corrupto, revelando-se frágil e, portanto, humanizado. A identificação do público foi imediata. E efusiva. Há, até, os que apostam em Nolasco como o responsável pela grande resolução da trama escrita por João Emanuel Carneiro. Aos 43 anos, Tairone assiste com entusiasmo. “Tenho algumas participações em novelas e séries, só que pela primeira vez tenho um personagem com uma função própria e situações em que tudo gira em torno dele. Isso é muito impactante e diferente”, diz ele, que na narrativa anterior, “O outro lado do paraíso”, interpretou, numa única cena, um caminhoneiro que dava carona à personagem de Glória Pires.

Onipresente, Tairone

Em alguns meses Tairone Vale retorna à tela da Globo. Na pele do matador Jader, ele estará na série “Se eu fechar os olhos agora”, de Ricardo Linhares, inspirada no livro homônimo de Edney Silvestre. A produção estreou em agosto no canal por streaming Now, da Net, e nas próximas semanas chega ao GloboPlay para, em janeiro, ganhar exibição na Rede Globo. Um mês antes, porém, estará nas telas mineiras com “Dia de reis”, produção dirigida pelo juiz-forano Marcos Pimentel com roteiro de Alexis Parrot. O telefilme especial de Natal da Globo Minas, é baseado na peça “Noite de reis”, de William Shakespeare, e será transmitido no estado no dia 22 de dezembro, com chance de ganhar, também, exibição nacional. “Foi uma das coisas mais gostosas que já fiz. E é completamente diferente de tudo. É um personagem trapalhão, mineiro, matuto, divertidíssimo”, adianta o ator.

Já totalmente gravado, o filme “A queda”, estreia do diretor Diego Rocha, é um thriller policial no qual mais uma vez Tairone assume o papel de agente policial

Nas gravações de “Dia de reis”, que terminaram em outubro, Tairone confirmou o alcance da teledramaturgia. “Este mês fui gravar um filme em Cachoeira do Manteiga (distrito de Buritizeiro, ao Norte do estado) e não tinha passado ainda a minha primeira participação em ‘Segundo sol’. No dia em que cheguei, a cena foi exibida. Foi muito doido. Nos dias seguintes, quando tinha gravação na rua, ao fim tinha fila de gente para tirar fotos comigo. Isso vem acontecendo com frequência. Comecei a receber cantada pelo Instagram de gente de várias partes do Brasil”, ri ele, que também filmou este ano “A queda”, de Diego Rocha. “É um filme policial, com a estética de ‘Seven’, com muitas cenas noturnas”, diz, pontuando que o longa-metragem deve rodar festivais em 2019 para, no ano seguinte, chegar aos cinemas.

No próximo ano, Tairone também dá um novo passo teatral, com sua “Versão demo”, monólogo de sua autoria no qual atua sob direção de Rodrigo Portella. O espetáculo com projeções de Rafael Ski estreia em Juiz de Fora e passará por Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Uma vez mais, o ator se conecta com o presente no que chama de “manifesto sobre os efeitos da tirania, das crises de ego e da desobediência”. Um grito contra autoritarismo e intolerância. Ainda que assuma a potência polêmica da peça, Tairone não impõe o temor à urgência em se mostrar honesto. É tarefa do ator, acredita.

A segurança mandou um beijo

No espetáculo “Insetos”, da Cia dos Atores, com o qual viajou o país este ano, Tairone percebe seu ponto de virada: “Consegui provar para mim mesmo que tenho uma competência para me colocar de igual para igual com muitos nomes que admirava”

Este ano não foi apenas um marco em sua visibilidade, mas, principalmente, um ponto de virada na trajetória do ator inseguro. Convidado para integrar o elenco de apoio do espetáculo “Insetos”, da respeitada Cia. dos Atores, Tairone Vale se viu ao lado de grandes nomes das artes cênicas nacionais, como Cesar Augusto e Susana Ribeiro. “Até então, eu achava que fazia um bom trabalho como ator para um cara sem formação, que não fez faculdade de teatro. Era como um cachorrinho com o rabo entre as pernas. Em ‘Insetos’, depois da temporada no Rio, depois do Festival de Curitiba, depois da apresentação em Porto Alegre, de tudo o que ouvi de gente graúda do teatro nacional, consegui provar para mim mesmo que tenho uma competência para me colocar de igual para igual com muitos nomes que admirava”, comenta ele, novamente dirigido nos palcos por Rodrigo Portella.

Foi incentivado pelo diretor natural de Três Rios e radicado no Rio de Janeiro que Tairone retornou aos palcos após um longo hiato. Portella o convidou para a montagem de “As bruxas de Salém”, com o elenco da Cia. de Atores Estação Palco. Inicialmente, Tairone recusou. Rodrigo insistiu. E Tairone chegou ao ensaio, como a dizer: “Aceito!”. “Outro dia mesmo estávamos conversando, e ele me falou como mudei e cresci como ator. Apesar de eu dever o que sou e o que minha carreira é a ele, não parei. Fui escrever filme para outros atuarem e dirigirem, fui atuar em filmes de outras pessoas, peças de outros. Talvez se eu não tivesse essa independência e essa capilarização, me conectando com outras pessoas, e dependesse dele para trabalhar, ele não me chamasse para novos trabalhos. A dependência afasta. É difícil admirar quem não consegue seguir sozinho. Chegamos à conclusão de que trabalhamos juntos, hoje, porque queremos, porque nos admiramos”, diz o ator sobre o diretor com quem trabalhou, dentre outras peças, em “Uma história oficial”, escrita por Tairone e dirigida por Portella.

Para o diretor, a virada de Tairone se deu em “Alice mandou um beijo”. “Foi quando comecei a emagrecer”, comenta o ator. “Até então, eu vinha há dez anos pesando 96kg, era um cara gordo trabalhando atrás de um computador. E ele me disse que precisava que emagrecesse dez quilos. Comecei a malhar, me alimentar melhor e percebo que meu corpo é uma ferramenta de trabalho muito importante. Hoje tenho um nível de disciplina que nunca imaginei ter”, comemora ele, somando 18 anos desde sua estreia em cena. “Já existe uma estrada, mas conheço muitas pessoas que têm uma estrada longa e não conseguem romper a barreira do regional, ou porque não querem, ou porque não têm oportunidade, ou por vários outros motivos. Consegui fazer”, entusiasma-se o ator que acaba de assinar contrato com o agente André Cursino. “Quando estou no Rio, uma coisa é fato: as coisas acontecem mais, cruzo com as pessoas e construo redes. Nesse mercado, isso é tudo. Mas tenho conseguido construir isso daqui também”, diz, sem planos de sair de Juiz de Fora, onde vive com a esposa Ana.

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O artista joga com a emoção

Na primeira vez em que pisou num palco, Tairone Vale vestia-se de Ricardo Coração de Leão, rei da Inglaterra de de 1189 a 1199, na peça “O Leão no inverno”, de James Goldman. “Fui muito mal. Fazia um drama, teatrão, e não tinha experiência”, ri. Na época, o ator era também repórter na Tribuna, onde permaneceu por dois anos. A estreia trouxe-lhe questões, e, por quase dez anos, Tairone viveu longe dos palcos. “Nesse período fiquei sem fazer nada, só negligenciando esse desejo dentro de mim. E esse período foi importante para o meu pensamento como pessoa e como ator. Voltei tendo tomado muita porrada na vida. E esforço e porrada são duas molas propulsoras. O sucesso não ajuda muito, não. O fracasso te faz crescer mais. Talvez eu tenha esse mérito de, no meu pessimismo e na minha insegurança, correr atrás do que quero”, afirma ele, que do jornal partiu para a atuação como publicitário e dono da própria agência.

“Apesar de ter tido reconhecimento, ter ganhado prêmios aqui e de relevância nacional, além de ter conquistado coisas muito legais para os meus clientes, não consegui ganhar dinheiro. E isso é uma constante para mim. E me jogou muito no fundo do poço. Apanhei muito mais que bati como publicitário. E me deu muita humildade, empatia e resiliência”, conta Tairone. “Vira e mexe, eu encontrava com alguém e perguntava: Será que as pessoas vão descobrir que sou uma fraude, um blefe? Com ‘Insetos’, comecei a pensar: talvez eu não seja uma farsa!” Hoje dedicando-se apenas às artes, o ator escreve quando convocado pelo instinto. “Costumo falar que não gosto de escrever, tenho preguiça, mas preciso colocar para fora. Fico um ser humano insuportável quando estou escrevendo, fico mal humorado dias e noites. Tenho prazer em terminar de escrever, colocar um ponto final numa história. Diretor, não sei se serei. Está começando a pintar uma vontadezinha. Já tive a experiência no Festival de Cenas Curtas, mas nunca dirigi. Escrevo, tenho projetos para escrever, mas sou um ator que escreve”, pontua o autor do curta-metragem “Sinopse”, com direção de Felipe Saleme e Lara Koer, protagonizado por Maitê Proença.

Escrita, segundo Tairone, é esforço quase físico, exercício de concentração. “É ralação. É possível construir momentos de inspiração, mas pelo esforço e não por algo divino. Por conta de escrever roteiros, peças e outros textos, acabei desenvolvendo métodos, penso muito a estrutura dramatúrgica, os conceitos. Hoje vejo muitos textos herméticos, mas acho que para burlar regras é preciso primeiro conhecê-las. É importante cumprir funções para a história e para prender o público”, comenta. Já atuação, segundo Tairone, é compreensão quase irracional, exercício de sensibilidade. “Essa coisa da construção de personagem está meio em xeque hoje em dia. Na hora de atuar, não penso tanto quanto penso na escrita. Você é você. O trabalho do Portella é justamente isto: tirar do ator o que não interessa ao personagem. E eu acredito nisso. A experimentação, nos últimos anos, talvez tenha sido o que mais me faz evoluir. Faço uma leitura crua do personagem, tento ter uma percepção sobre aquele cara, não penso tanto e vou executando. Percebo se ele se afeta mais por isso, menos por aquilo. Vou casando o racional, de fora para dentro, com o emocional, de dentro para fora.”

Não elabora muito, diz o ator. Faz. Depois, de fora da cena, do set, do palco, começa a problematizar. “Quando vou embora, quando estou dirigindo ou no banho, procuro abstrair e enxergar de fora o que eu fiz, como se visse um vídeo”, explica Tairone, como a afirmar que ser ator é condição, não situação. O ator é, e ponto. E isso implica em formas de agir no mundo. “Artista de verdade mantém o pé no chão, é gente de verdade e tem o olhar de empatia com o outro, seja o outro o colega de cena, ou o câmera, ou o cara que mora na favela”, responde ele, quando questionado sobre a convivência e os aprendizados com os pares na novela das 21h. “Eles não entram numa bolha dizendo: ‘Isso não me afeta’. O artista de verdade joga com a emoção. E esse pessoal está tão acostumado a se abrir na frente da câmera ou no palco que a conexão nasce naturalmente.”

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