Músicas que tratam de epidemias e fim do mundo

Em tempos de playlists com “músicas sobre o coronavírus”, Tribuna relembra canções que já abordavam epidemias, fim do mundo – e até aquelas que podem ajudar a relaxar


Por Júlio Black

02/04/2020 às 07h00- Atualizada 02/04/2020 às 07h40

Vocalista do U2, Bono apresentou canção inédita para homenagear médicos e enfermeiros que atendem as pessoas que sofrem com a Covid-19 (Foto: Reprodução)

A inspiração não tem limites. Pode vir dos eventos históricos que marcaram a humanidade, seja o artista espectador ou não dos fatos, e já renderam muito música boa. Agora, com a pandemia do coronavírus, os meios digitais em geral e a internet em particular têm ajudado a disseminar essas obras enquanto a história ainda acontece diante dos nossos olhos. Bono, do U2, publicou na página da banda no Instagram uma canção para homenagear médicos e enfermeiros, “Let your love be known”. Vários outros artistas, geralmente pouco conhecidos, também estão com vídeos reproduzidos pelo YouTube com suas “canções sobre o corona”, a maioria com uma pegada mais humorística. Daqui a alguns anos, todavia, é que teremos uma perspectiva melhor do quanto a Covid-19 afetou a arte.

Para o público em geral, entretanto, o momento é agora, e não faltam playlists nas plataformas de streaming inspiradas pelo coronavírus. Algumas têm o objetivo de reunir músicas para ajudar o ouvinte a passar o tempo, outras querem listar músicas que teriam a ver com a pandemia; uma terceira categoria ainda mescla essas duas. A verdade é que muita gente tem se equivocado, e colocando nas playlists músicas que jamais tiveram qualquer tipo de influência em eventos pandêmicos ou o fim do mundo. Basta ter um “sobreviver”, um “vivo”, “hospital”, “doença”, “tóxico”, “fim do mundo”, e pronto: não falta “I will survive”, “Stayin’ alive”, “Fever”, “Every breathe you take” ou “U can’t touch this” quando se pesquisa as “coronavirus playlists”.

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Agora, se o leitor/ouvinte estiver mesmo a fim de ouvir músicas que tenham alguma coisa a ver com o momento atual, dá para montar uma playlist menos para se divertir, e mais para refletir sobre a fragilidade de nossa existência. A seguir, um rápido compêndio com canções sobre doença e morte – mas nada de ficar para baixo, por favor.

Dupla The Bird and The Bee gravou música para programa infantil ensinando para as crianças a importância da higiene (Foto: Divulgação)

Músicas virais

Algumas músicas sobre doenças são fáceis de lembrar, até porque já estão rodando por aí há alguns dias. “O pulso”, dos Titãs, é um exemplo, com sua lista de doenças como “peste bubônica, câncer, pneumonia (…), encefalite, faringite, gripe e leucemia”. Já os americanos do At the Drive-In mandaram o recado com peso e violência na mais que apropriada “Quarentined”; também dos Estados Unidos, o cantor-compositor-humorista “Weird Al” Yankovic, que criou “Germs” como uma paródia a partir de várias músicas do Nine Inch Nails, como “Mr. Self Destruct” e “Closer”.

Um dos integrantes do grunge, o Mudhoney ganhou fama com “touch me, I’m sick”, enquanto a banda de thrash metal Slayer dá sua visão apocalíptica com “Epidemic” (“A dor resulta em berros / Sangrando internamente / Anos se passarão / Até que ela possa ser curada”). No Brasil, a Legião Urbana tem na música “Perfeição” uma continuação direta de “Que país é este”, com Renato Russo decretando “Vamos celebrar epidemias / É a festa da torcida campeã”.

Mas mesmo quando o assunto é sério, ele pode ser tratado com leveza. É o que fez a dupla indie pop americana The Bird and The Bee em “Cover your mouth”, gravada para o programa infantil “Yo Gabba Gabba”, basicamente um “como fazer” quando se está doente: Se estou doente e preciso tossir / Eu sempre vou pegar meu braço e cobrir minha boca / É muito educado, e todo mundo ganha / Porque impede que os germes que tenho de chegar aos meus amigos.” Recado dado.

Uma das mais conhecidas canções do R.E.M., “It’s the end of the world…” é figurinha fácil quando o assunto é fim do mundo (Foto: Reprodução)

É o fim do mundo como conhecemos?

Se tem um tipo de música que é fácil de encontrar são aquelas que tratam do fim do mundo, situação que vem à cabeça quando se fala em pandemia e a ameaça de um vírus sem cura. Seja de forma bem humorada, cômica, irônica ou cheia de sangue e cadáveres em decomposição, com pessoas lutando pela sobrevivência em meios aos escombros da civilização, elas estão no nosso imaginário há décadas.

Desse grupo, tem uma que virou clichê, ainda que trate do assunto com leveza – como pode se perceber em seu videoclipe. É “It’s the end of the world as we know it (and I feel fine)”, do R.E.M., figurinha fácil em trilhas sonoras de filmes, seriados ou quando alguém pensa no fim do mundo. Por muitos anos, inclusive, era a música que encerrava os shows da banda.

Outras canções sobre o fim do mundo que seguem essa linha “ok, vai acabar mas está tudo bem” são “O último dia”, de Paulinho Moska, em que o cantor se mostra mais preocupado em saber o que o ouvinte faria se tivéssemos apenas mais um dia no planeta; em “Nostradamus”, de Eduardo Dusek, o personagem principal da música, mesmo com o apocalipse, ainda se preocupa em chegar para a cozinheira, já morta, e mandar um “Levanta e serve o café / Que o mundo acabou!”.

Ainda nessa linha “tá tudo bem”, Elvis Costello gravou “Waiting for the end of the world”, e Assis Valente compôs em 1938 “O mundo não se acabou” (“Pensei que o mundo ia se acabar / E fui tratando de me despedir / E sem demora fui tratando de aproveitar / Beijei na boca de quem não devia / Peguei na mão de quem não conhecia / Dancei um samba em traje de maiô / E o tal do mundo não se acabou”).

Quem também sonhou com o fim do mundo foi Prince, em “1999”, imaginando como seria a chegada do ano 2000 como o fim dos tempos: “Quando eu acordei esta manhã / Eu poderia jurar que era o dia do Juízo Final / O céu estava todo púrpura / Pessoas corriam por todos os lados / Tentando fugir da destruição / Sabe, eu nem liguei (…) Por isso vou festejar como se fosse 1999”.

Sim, é o fim

Já seguindo uma linha mais apocalíptica, Billy Corgan e seus Smashing Pumpkins gravaram “Doomsday clock” (“Estes dias solitários, um dia vão parar? / Este relógio do juízo final está pulsando em meu coração”), enquanto David Bowie alertava em “Five years”, do clássico álbum “The rise and fall of Ziggy Stardust and the spiders from Mars”, que cinco anos era o tempo que restava à humanidade: “O repórter enxugou as lágrimas quando falou / Que a terra estava mesmo morrendo / Chorou tanto que seu rosto estava molhado / Então eu soube que ele não estava mentindo”.

O fim dos tempos também foi lembrado por Johnny Cash, o Homem de Preto, em “The man comes around”, sobre um homem que anda anotando nomes e decidindo quem livrar e culpar, com todos sendo tratado igualmente. “É o reino do Alfa e do Ômega que está vindo”, alertava. Já o mesmo U2 que busca levar conforto às pessoas em 2020 gravou há 23 anos, para o álbum “Pop”, “Last night on Earth”. Na canção, a protagonista “não se preocupa se vale a pena / Ela está vivendo como se fosse a última noite na Terra / Ela não está esperando a chegada de um salvador (…) Ela não está esperando por ninguém”.

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Ainda que o fim esteja próximo, há quem veja luz no fim do túnel. É aí que entra uma música que tem marcado presença nas playlists do coronavírus. Composta por Nelson do Cavaquinho e Élcio Soares, “Juízo final” foi imortalizada na voz de Clara Nunes, lembrando que “O Sol há de brilhar mais uma vez / A luz há de chegar aos corações / Do mal será queimada a semente / O amor será eterno novamente / É o juízo final / A história do bem e do mal / Quero ter olhos pra ver / A maldade desaparecer.”

Galês Sweet Baboo não pensa no fim do mundo, mas em ser esquecido pela mulher amada (Foto: Reprodução)

Nem tudo é tragédia

No início da matéria, destacamos que tem muita playlist por aí trocando as bolas e colocando músicas nada a ver com o tema na trilha sonora do coronavírus. Se pensarmos bem, cada um é livre para ouvir o que quiser, ainda mais se for para se divertir, ficar bem, passar o tempo nesses tempos tão complicados.

Por isso, vamos dar três dicas para alimentar as playlists já existentes e as futuras. Uma delas é “If I died…”, deliciosa esquisitice pop do obscuro galês Sweet Baboo (“Oh, se eu morresse, você se lembraria que me deixou? (…) Eu quero passar a minha vida com você / E agora não sei o que fazer”). Também vale citar o grupo franco-australiano Le Villejuif Undreground, que lançou em 2019 – veja só – a música “Wuhan girl”.

E sempre teremos “Always look on the bright side of life”, do Monty Python, que aparece no final de “A vida de Brian”, quando o protagonista está sendo crucificado com alguns criminosos: “Algumas coisas na vida são ruins / Elas podem realmente deixá-lo louco (…) Quando estiver comendo o pão que o diabo amassou / Não resmungue, dê um assobio / E isto ajudará as coisas a mudarem para melhor / E…Sempre olhe pelo lado bom da vida.”

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