35 anos de carreira: Marcus Amaral celebra com movimento por união na classe

Com cerca de 60 produções teatrais, Marcus Amaral criou o Mare, Movimento Artístico Evolucional, para a criação de produtos artísticos no pós-pandemia, impedindo um vácuo na cena local e estimulando o audiovisual


Por Mauro Morais

01/07/2020 às 06h56

Marcus Amaral: “Comecei a fazer teatro nessa vontade de gritar, de falar e não ser censurado” (Foto: Fernando Priamo)

Seu nome era Pedro Pirlimpimpim. Era um caçador, filho de um lenhador de nome Pedro Porlompompom. Arrumando seus guardados este ano, Marcus Amaral encontrou um folder com a data de estreia de “Chapeuzinho Vermelho”, texto de Maria Clara Machado e direção de Sérgio Lessa, do Teatro de Comédia do Sesc. Era 22 de junho de 1985: a data de nascimento do ator Marcus Amaral. “Era o ano da abertura política do Brasil. Lembro dos censores, da dona Ivone, que tinha que assistir a peça antes para aprovar. Embora já tivesse iniciado a abertura, ainda havia esses resquícios da ditadura. Tinha que mandar o texto para aprovação. Lembro disso perfeitamente e lembro do Sérgio muito contestador nas obras que ele montava, tanto que montou (Gianfrancesco) Guarnieri, Flávio Márcio, Millôr (Fernandes) e vários outros textos políticos. Comecei a fazer teatro nessa vontade de gritar, de falar e não ser censurado”, recorda-se ele, comemorando 35 anos de uma trajetória iniciada em palco improvisado.

O Sesc, conta, ainda não tinha seu teatro. O espetáculo era apresentado num palco precário e com a plateia sentada em cadeiras de aço com a marca de uma cervejaria estampada. “Todo grupo de teatro é uma escola, e meu primeiro trabalho foi colar cartaz, distribuir filipetas aos sábados no Calçadão, que era o point da cidade. Também fiz muita bilheteria, som nas produções adultas”, lembra sobre o caminho que percorreu antes de ser lançado na peça infantil que tinha na trilha “When you wish upon a star”, cantada por Gene Simmons, vocalista do Kiss, em gravação de 1978. Quando a temporada acabou, Marcus chorou convulsivamente. Não queria nunca mais parar de fazer aquilo. E não parou. Ao longo dos anos contabiliza cerca de 60 produções teatrais, entre musicais e outros gêneros, mais de dez curtas-metragens e incontáveis comerciais.

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“Ao escolher essa vida, renunciamos a muita coisa, de festas, família, eventos, viagens e descanso. O segredo de nunca parar é porque sempre achei que poderia me desafiar mais”, diz Marcus Amaral. (Foto: Fernando Priamo)

Em 35 anos, Marcus nunca deixou de se apresentar por um ano, seja como cantor, palhaço, apresentador, ator de teatro ou de curta. Todo ano foi de trabalho. “Essa continuidade é sinal de que houve muita dedicação. Ao escolher essa vida, renunciamos a muita coisa, de festas, família, eventos, viagens e descanso. O segredo de nunca parar é porque sempre achei que poderia me desafiar mais, empreender mais. Sempre tive a angústia de que um dia poderia me faltar a oportunidade como ator”, observa o artista, que nem mesmo pandemia conseguiu parar.
“Em março, quando começou o isolamento social, tive muita angústia por não poder atuar este ano. Tive muita resistência de participar de lives, vivendo um luto pelo mundo teatral que paralisou com a pandemia, sem o contato com o público. Não existe teatro sem ator, personagem e público. Sem essa tríade, a arte não existe. Mas tive que ressignificar isso em minha vida. Hoje dando aula de teatro (leciona na Corpus Núcleo de Dança, de teatro musical) através de plataforma on-line isso tem me surpreendido. É possível incentivar, transmitir, estimular elementos e técnicas artísticas”, sugere ele.

Em nome da própria estrada e pelos caminhos alheios, Marcus criou o Mare, Movimento Artístico Evolucional. “Este movimento foi criado a partir de uma reunião virtual com a Funalfa. Foi proposta por muitos artistas a criação de uma organização artística da cidade, um coletivo que se posicione politicamente em defesa de nossos direitos. O objetivo é criar uma representatividade dos artistas de Juiz de Fora”, conta sobre o movimento que estimula a criação de produtos artísticos para depois da pandemia, impedindo, assim, um vácuo na cena local. “Ele está conectado à evolução que teremos pela frente.” Ainda, o Mare visa a fomentar criações audiovisuais neste momento no qual o isolamento social impera.

Marcus Amaral: “Não existe teatro sem ator, personagem e público” (Foto: Fernando Priamo)

‘Em essência, sou um ator’

A tentativa de diálogo na classe, segundo Marcus Amaral, retoma decisão antiga em sua vida. “O que mais me marcou nesses anos foi ter decidido ser um ator peregrino, que caminha entre vários grupos. Desde 2002, decidi ser um ator autônomo, para poder trabalhar com vários diretores e grupos. Até os anos 2000, os grupos eram um imperativo para que você existisse. Não havia muito diálogo entre os grupos, então, os artistas, salvo exceções, não trocavam experiências. E essa mescla é que sempre me desafiou, porque quando saio de um trabalho para o outro não tenho zona de conforto. Considero essa a minha formação”, diz o ator, autodidata com diferentes cursos livres no currículo. “Sou um dos poucos privilegiados por ter o teatro como uma fonte de renda nesse país, não tendo formação acadêmica”, pontua ele, que já deu aulas, fez teatro empresarial, além dos negócios em outras áreas, como tarólogo e empresário. É preciso ser persistente e resiliente, destaca.

Entre seus projetos atuais estão uma peça em fase de estudo e a participação no elenco fixo do canal do YouTube Parafuso Solto. “Estou me convencendo a fazer produções audiovisuais possíveis”, brinca. “Mesmo com a pandemia estou conseguindo exercer minha essência de ator”, pontua ele, que continua atuando também como empresário na pandemia, porque seu comércio é considerado essencial. “Um dos meus objetivos foi justamente abrir uma empresa na qual eu fosse sócio e trabalhador, mas que me desse a liberdade para transitar em minhas outras identidades. Não tenho nada que impeça a participar de festival, fazer uma temporada fora ou ficar dias em gravação. O equilíbrio está em saber sair de uma identidade para outra. Quando fecho a loja e vou para um ensaio, deixo o empresário na loja e assumo minha essência como ator. Em essência sou um ator”, declara.

E é ator desde muito pequeno. “Meu primeiro trabalho artístico foi me apresentar para as visitas que vinham à minha casa. Eu deveria ter uns 5 ou 6 anos. Eu dançava, imitando o Ney Matogrosso, cantando ‘O vira’, dos Secos e Molhados”, recorda-se, revirando a memória e encontrando mais registros. “Também me lembro de ter feito o príncipe de ‘A linda rosa juvenil’, no pré-primário, ainda em Barbacena. Lembro de ter sido a tartaruga, em ‘A bruxinha que era boa’. Fiz muito teatro no colégio”, aponta sobre uma carreira que se funde à própria vida e que, baseada na efemeridade do teatro, perde-se com o passar do tempo nas brechas da memória. “A nossa arte não fica. Posso falar para você sobre Sarah Bernhardt (atriz europeia do século XIX), ler a críticas dos jornais da época sobre sua atuação e você vai pensar que ela pode ter sido boa, mas não vai ter a noção do que foi assisti-la. Mas se ver a ‘Guernica’, de Picasso, isso vai te impactar. Se ver um quadro de Michelangelo, vai se impactar. Se ler um livro de Machado de Assis, também. A arte do ator de teatro, como diz Shakespeare, vira pó. Não deixa registro. Quem não assistiu, não tem noção do trabalho.”

Marcus Amaral: “Quando fecho a loja e vou para um ensaio, deixo o empresário na loja e assumo minha essência como ator. Em essência sou um ator” (Foto: Fernando Priamo)

‘A pandemia é um grande professor’

Dono de uma voz grave e de um estilo muito particular, que o singulariza na cena local, Marcus é ator que não passa desapercebido. Seu trabalho é tão marcante quanto apaixonado. E seu comportamento no setor é uma vez mais peculiar, já que transita com desenvoltura por diferentes turmas. Não é um ator só. Mas gosta de ser encarado como ator, só. “Não precisam outras definições. Ator já é muito digno”, afirma ele, certo de que não anda sozinho e é a soma de todos os seus personagens e parceiros. Daí a coerência em criar um movimento artístico e daí desdobrar seu discurso em muitas outras ações no mundo. “Todos somos um, e é necessário garantir a sobrevivência e a existência de todos”, defende. “Temos que ser porta-vozes e defensores dos direitos dos cidadãos, universais e humanos. Eles têm que ser garantidos e não podem ser vilipendiados. Há uma necessidade de pensar no coletivo e no todo.” No cosmos? Também, garante ele, há anos estudando astrologia.

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“O movimento planetário nos exige consciência. Houve uma conjunção astrológica no dia 20 de março, quando começou o ano novo astrológico, que desencadearia mudanças nas estruturas mundiais. Isso já estava sendo anunciado pelos estudiosos da astrologia há muitos anos antes de 2020”, diz. “Nunca achei que fosse uma mudança tão rigorosa. A pandemia é um grande professor. Rigorosíssimo. Através desse rigor, nos estimula o pensamento, a reinvenção e a ressignificação. O segredo está em não se apegar a nenhuma identidade. A identidade de um empresário que hoje não pode abrir sua loja está em pânico, mas essa identidade não é ele por inteiro. Cada um tem uma essência que pode se transformar”, ensina o ator, homem de múltiplas identidades ao longo de seus 35 anos de palco.

“Temos que ser porta-vozes e defensores dos direitos dos cidadãos, universais e humanos. Eles têm que ser garantidos e não podem ser vilipendiados. Há uma necessidade de pensar no coletivo e no todo”, defende o ator. (Foto: Fernando Priamo)

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