A nova geração de fãs de Arnaldo Baptista, que faz 70 anos
Estamos em busca de como as canções do ex-Mutantes, em pleno processo de rejuvenescimento artístico, não são afetadas pelo tempo.
São Paulo – Arnaldo Baptista compõe canções que rejuvenescem a medida que o tempo passa. Seu aniversário de 70 anos é em 6 de julho, mas, em relação volátil com o tempo, sua arte está sempre renascendo nas vitrolas e fones de ouvido dos jovens e nos olhos atônitos das crianças refletindo as projeções “exorrealistas” de seus shows. “Não sei se é devido a eu ter quase morrido e ter ficado aprendendo a falar. Talvez eu tenha a ver com a infância por causa disso, por eu ter tido uma segunda infância há 30 anos. Mas uma coisa interessante, a Lucinha, minha menina, uma vez foi na fila e perguntou a idade de cada um, muitos deles nem tinham nascido quando Os Mutantes estavam tocando”.
Conheci Os Mutantes no colégio, terminei o ensino médio em 2011, e nos últimos anos de escola, trocando bandas com amigos no pátio, o trio de rock tropicalista chegou até mim. Em maio deste ano, durante temporada do “Sarau o Benedito?” em São Paulo, fiquei na cola de Arnaldo Baptista por cinco dias, acompanhando as filas de manhã para retirada de ingressos, bem como à noite, enquanto ia colhendo depoimento de fãs com menos de 10, 20 e 30 anos, fora aqueles que hoje são adultos e iniciaram seus filhos no “Baptismo”.
“Os mais velhos se identificam da mesma forma que os mais jovens, porque Arnaldo Baptista expressa o sentimento em sua poesia. E sentimento é atemporal, igual para todos”, respondeu-me Guilherme Molinari, 17 anos, estudante do 3° ano do ensino médio, que estava na fila para o segundo dia de “Sarau”. “Quando você descobre o que realmente significa a música, é porque ela condiz com a sua vida, e isso é muito especial. Comecei a ouvir de 15 para 16, e esta é uma fase em que estamos mudando e sentindo muita coisa. Arnaldo diz tudo de maneira diferente, sem se limitar a um sentimento somente.”
Maria Luiza saiu de João Pessoa (PB) para São Paulo com a premissa de poder vê-lo pela primeira vez. A garota de 20 anos assistiu a dois dias do “Sarau” e, impactada em estar na primeira fileira, voltou gritando a “Balada do louco” pela rua, na persona da música. “Quando ele tocou ‘Ando meio desligado’, sabe quando você canta junto e arrepia até o último fio de cabelo? Só fiquei ali sem sentir meus pés no chão.” Sim, “Maria é muito louca e não vai se curar e já não é a única que encontrou a paz”.
E dizem que Tom é louco por pensar assim. Com 7 anos, toca violão e trocava correspondências com “Arnaldo”, como chama o amigo. Kátia Aguiar, sua mãe, passava muitas horas no trânsito e colocava discos para ouvir com os filhos, aproveitava para conversar sobre a história das músicas e de seus autores. Alguma identificação fez com que Tom, ainda com 3 anos, quisesse conhecê-lo. Ficava pedindo para ouvir suas músicas, enquanto em seu quarto compunha canções divertidas em sua mini guitarra. Queria até mesmo visitá-lo, mas mora em Curitiba, então sua ideia foi enviar um desenho ao ídolo. “Ele sempre se lembra do Arnaldo, principalmente quando alguém o chama de louco no colégio, aí ele canta o refrão da ‘Balada’: “Eu juro que é melhor…” e o colega se cala”, contou Kátia.
Não por acaso, ao comentar sobre o repertório, Arnaldo disse que uma das músicas que não podem faltar no “Sarau o Benedito?” é justamente a “Balada do louco”. “Eu combino com essa letra, em partes. Importante a gente sentir uma liberdade, mas saber para onde vai com isso. Se eu comandasse o Brasil, por exemplo, se eu fosse líder, eu mandaria estudar os discos voadores”. Sobre a emoção do palco, Arnaldo Baptista se entrega absolutamente ao imprevisível. “É uma coisa que varia do lugar para outro, em função do quanto eu consigo me comunicar com o público. A minha música é tão profunda que às vezes eu posso entrar em gravitons, em avião paulistinha, posso entrar em motocicleta, bicicleta ou velocípede”, demonstrando que ao pressionar o primeiro acorde no teclado, começa a decolagem sem itinerário em setlist.
Quando Adriano Stofateli tinha quase a mesma idade de sua filha hoje, ele foi introduzido à carreira solo de Arnaldo Baptista por Celso Pucci, que inclusive gravou na coletânea “Sanguinho novo – Arnaldo Baptista revisitado” (1989). “Ele me emprestou alguns discos do Arnaldo para eu gravar em fita K7. Eram discos raros, não existiam em CD”, conta Adriano, que o viu tocar pela primeira vez em 1992, em um show da Sônia Abreu e a Banda do Quarto Mundo. “Saí de lá maravilhado! Virei fã dos Mutantes, comprei toda a discografia da banda em CD.” Em 2011, quando Lara Fernandes Stofaleti tinha 8 anos, ela foi com o pai e a mãe, Débora, ao Sesc Belenzinho, em um show solo do Arnaldo Baptista. “Queria dar a ela a oportunidade de ver um ídolo do rock nacional tocando ao vivo, num show quase intimista. Tirar uma foto ao lado dele foi uma surpresa, acredito que inclusive para Arnaldo, quando viu uma menina de apenas 8 anos de idade em meio aos fãs”.
Além dos shows, pai e filha foram às exposições de pinturas e sempre tentam encontrá-lo, nem que seja no camarim, nas aterrissagens de Arnaldo em São Paulo. “Quando eu era menor, não ligava muito, mas gostava daquela música ‘Trem’, porque uma vez fui com meu pai ao seu trabalho, e enquanto o trem demorava, meu pai começou a cantarolar essa música, eu gostei, e nesse dia ela não saiu da minha cabeça”, revela Lara, hoje já com 15 anos, contando como foi voltar anos depois a assisti-lo: “Foi como reler um livro, prestei mais atenção aos detalhes, em como ele age. O seu jeito espontâneo é incrível. Sempre achei sua carreira solo um passo adiante do que foram os Mutantes. E olha que eles já estavam muito adiante de tudo.”
Transando artes
Estava na espreita do primeiro dia de distribuição de ingressos, quando faltava apenas o derradeiro. Certa vez, enquanto o músico Vander Bourbon, 39, ouvia “Corta Jaca”, ele avistou uma caixa de lápis de cor e fez sua leitura: um desenho de Arnaldo e Lucinha em uma charrete. Enviou para ela pelo Facebook, onde Lucinha tem uma interlocução direta e constante com os fãs. Aquela seria a noite para entregá-lo pessoalmente. Bourbon foi quem pegou o último ingresso. “Porque não um encontro em que eu pudesse assisti-lo e entregar este desenho como forma de agradecimento à inspiração? Me interessa a forma como ele pensa, até mesmo as pinturas dele, tudo é feito com uma proposta totalmente subjetiva e intimista.”
Paola Alfamor, 28, é artista “polimorfa”, e desde os 16, quando começou a ouvir Mutantes, ficou completamente transformada pela música e visual daquela reunião mística de personalidades. Era justamente o momento de união dos irmãos Sérgio Dias e Arnaldo, quando começou a enviar e-mails para todos os contatos que encontrava, até que um dia, após receber uma resposta de Sérgio, conseguiu conhecê-los no backstage. Foi uma saga de fã e admiração que a fez chegar para Arnaldo, em um show solo no Sesc Belenzinho, para entregar-lhe um presente. “Sempre que encontro um artista que eu admiro, procuro dar um pouco da minha arte para esta pessoa. Estou recebendo tanto com a arte de Arnaldo, posso escutar, ver, que eu gostaria que ele tivesse um pouco do que eu expresso com a minha arte também. Foi meu primeiro contato mais próximo, e vi minha aura encher de luz.”
Paola e Mahal Lee, 32 anos, fã desde os 12, puderam montar juntas o palco de Arnaldo Baptista no show do “Psicodália”, espalhando as flores que envolveram seu piano. “Uma honra. Guardo até hoje a bituca do cigarro que ele fumou no camarim deste show”, conta Mahal, que vive em Belo Horizonte, cidade onde Lucinha e Arnaldo costumam passar meses quando estão fora da casa de Juiz de Fora.
As origens do “Sarau o Benedito?”
Em junho de 2011, Arnaldo Baptista foi contratado para tocar em uma festa de 50 anos em um sítio na Serra da Cantareira. A ocasião, em show solo e contato próximo com o público, foi o lampejo que precisava para formatar seus saraus de música em piano e voz, em junção com as videoprojeções de suas artes plásticas. Mas os primórdios desta vocação começaram décadas antes, em Juiz de Fora, na casa da mãe de Aluísio Ribeiro, seu amigo há 30 anos e também luthier.
Estava no ônibus viajando para São Paulo, e folheava a biografia “A Divina Comédia dos Mutantes”, de Carlos Calado. Já na rodoviária ao amanhecer, fui parada por um cara que estava em um assento próximo, com um case de pratos de bateria, me perguntou se eu estava vindo para acompanhar o “Sarau o Benedito?”. Trocamos algumas palavras, e sem perguntar seu nome e anotar contato, nos achamos na fila de um dos shows dias depois. Aluísio conta que conheceu Arnaldo Baptista em fevereiro de 1988, quando Alex Xamba Cotta namorava sua irmã. Alex perseguiu Arnaldo pelas ruas de Juiz de Fora e descobriu que, na época, não tinha piano na casa do ex-Mutante. “Mas na casa da minha namorada tem”, disse Alex, fazendo o convite. Inclusive, o baixo SG Gibson, foi um presente de Alex para Arnaldo Baptista, que frequentemente vai visitá-lo em seu Café Flux, no centro da cidade.
Antes mesmo de se tornar fã, Aluísio conheceu Arnaldo Baptista dentro de sua casa, tocando o piano de sua mãe. “Tem uma gravação dessa época, de VHS que nós upamos no canal do Youtube do Arnaldo, que se chama “Origens do Sarau o Benedito?”. Isso foi em 1990. Ele deu o nome de ‘Sarau o Benedito?’ em 2011, mas ele já tinha uma ideia. Ele sentava ao piano, começava a tocar um Dave Brubeck, aí de repente tocava uma dos Beatles. E ele ia engatando aquelas músicas, como acontece hoje no Sarau”, contou Aluísio. Depois foram desenvolvendo uma amizade, e hoje quem reforma os instrumentos, faz manutenção nos pedais, e até mesmo quem trocou recentemente o captador da guitarra Gibson de Arnaldo foi Aluísio.
“Quando o Kurt Cobain (vocalista do Nirvana) escreveu um bilhete para Arnaldo, ele foi lá em casa, tirou do bolso e falou: ‘Olha só o que eu recebi!’. Me deu na minha mão, fui ler, era o bilhete do Kurt Cobain, e ele ainda era vivo na época que o Arnaldo mostrou o bilhete. Esse cara é o cara. Ele está na linha de frente do rock.” Na casa de Arnaldo Baptista, em Juiz de Fora, Aluísio conta que há uma sala para ouvir música, onde Arnaldo posiciona seu “trono” bem ao centro de duas caixas de som, valvuladas, Audio Research. Ouve tanto digital quanto vinil, embora já tenha dito anteriormente a Aluísio: “Não, eu não tenho aparelho de CD, estou esperando alguém me ‘CD’ um”. E como Arnaldo não tem amplificadores valvulados para instrumento, às vezes vai à casa de Aluísio tocar em seus amps de baixo e guitarra. “Eu e Lucinha estamos correndo atrás de conseguir comprar um para ele. Eu acho que ele quer um Macintosh, é muito caro, mas é muito bom. O Arnaldo sempre falou isso: ‘A distorção de um amplificador transistorizado é mais cerebral, e a distorção de um amplificador valvulado é mais ventre'”.