Professor de filosofia da UFJF lança livro sobre a história da liberdade religiosa

“História da liberdade religiosa: Da Reforma ao Iluminismo” é resultado de mais de uma década de pesquisas de Humberto Schubert Coelho


Por Júlio Black

01/02/2022 às 07h00

Professor de filosofia acredita que o debate sobre liberdade religiosa foi fundamental para cimentar nossas liberdades individuais (Foto: Divulgação)

O professor de filosofia da UFJF Humberto Schubert Coelho lançou, no início do mês, o livro “História da liberdade religiosa: Da Reforma ao Iluminismo”, em que defende que a liberdade moderna surge a partir das discussões filosóficas sobre religião, que teriam sido as responsáveis por fomentar uma nova percepção de liberdade individual – uma das bases da democracia -, ao contrário da percepção de que a discussão política teria sido a principal responsável por essa mudança de paradigma. A pesquisa, que durou mais de uma década, veio na sequência da tese de doutorado do filósofo, que se dedica às questões de pensamento crítico e liberdade, sobre temas como o livre-arbítrio.

“A pesquisa foi um período um pouco vago, pois tomei a decisão de escrever o livro há 12 anos, quando percebi que esse problema não tinha sido tratado na literatura brasileira, era uma história contada de forma simplificada, na ‘canetada’. Existe esse mito de que a liberdade surge da decisão do herói e de certos movimentos políticos, e procuramos mostrar que há centenas de atores envolvidos por centenas de anos, e que mudaram a percepção das pessoas até essa liberdade se consolidar”, argumenta o professor, que começou a fazer resenhas e guardar livros com o propósito de escrever o livro. “Mas as dificuldades no Brasil são muitas, pois não temos bibliotecas especializadas e, às vezes, as coisas são muito genéricas, ou a verba não sobra.”

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Apesar dos obstáculos, Humberto Schubert não desistiu de concretizar o projeto. “Fui coletando aos poucos essas fontes, e quando surgiu a possibilidade de fazer um pós-doutorado na Universidade de Oxford (na Inglaterra), onde há uma biblioteca com 40 milhões de livros e ainda podia pedir o que eles não tinham, pude coletar várias fontes e conversar com inúmeros especialistas. Quis contar que a liberdade precisou de quase quatro séculos para se transformar num direito, e que quando o sujeito teve a liberdade de escolher sua religião, professar suas crenças religiosas, é que se fundamentaram as liberdades democráticas.”

Liberdade religiosa na terra de Drácula

Um exemplo que Humberto Schubert apresenta no livro é o da Transilvânia, que hoje em dia é mais lembrada por ser um dos cenários do clássico “Drácula”, de Bram Stoker, mas que foi uma das primeiras regiões da Europa em que a liberdade religiosa encontrou espaço. “Todo mundo pensa que a Transilvânia é lugar de vampiro por causa do Vlad Tepes, que é identificado com o Drácula, e um dos motivos pelo qual a região provocava incômodo nas pessoas é que ela foi considerada herética e anticristã por várias igrejas tradicionais, pois foi um dos primeiros lugares em que a liberdade religiosa se disseminou”, explica.

“Isso aconteceu porque a Transilvânia era um Estado muito fraco no meio de superpotências muçulmanas, ortodoxas, católicas e protestantes”, prossegue. “Por medo, os duques e príncipes locais não queriam adotar um credo oficial para não incomodar os vizinhos, então a Transilvânia passou a não ter religião oficial. E surgiram cultos evangélicos que eram considerados heréticos, que seriam incentivados por Satanás, e a má fama da Transilvânia aumentou, pois se dizia que não seriam religiosos. Mas eles eram muito religiosos, porém liberais, e desenvolveram essa maneira nova de interpretar o cristianismo.”

Segundo o professor e filósofo, o trabalho traz cerca de uma dúzia de histórias do tipo, que ele acredita que precisam chegar ao conhecimento do público porque, junto às pessoas envolvidas nas discussões religiosas, elas ajudaram a cimentar o conceito de liberdade religiosa e dissociação da Igreja do Estado.

Publicação é resultado de mais de uma década de pesquisas (Foto: Reprodução)

Um debate que ainda não terminou

Se o livro de Humberto defende a posição de que a discussão religiosa foi fundamental para termos as liberdades individuais como conhecemos, ainda persiste uma visão da religião como se ainda estivéssemos na Idade Média, quando a Igreja Católica era marcada pelo preconceito, obscurantismo e perseguição. O professor destaca que esse é um dos pontos centrais de sua publicação, e ele acredita que essa percepção mudou um pouco. “Antigamente, todas as pessoas eram religiosas. Fossem ortodoxos, autoritários, dissidentes, eram todos super religiosos. Figuras como Galileu, Giordano Bruno, John Locke, Isaac Newton, eram muito religiosos, às vezes mais que os próprios líderes das igrejas, e usavam os argumentos religiosos para dizer que todos são iguais, que todos têm direito à escolha.”

Atualmente, temos religiões com posturas e visões sobre a sociedade moderna completamente opostas. Se algumas religiões pregam o amor, o respeito às diferenças, também existem aquelas que querem impor seus dogmas, que buscam o poder político, até mesmo a exploração financeira dos fiéis. Seria possível, nos dias atuais, ter na religião um local que ajude a reforçar as bases da nossa democracia, em particular?

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“Esse é o propósito fundamental do meu livro e dos textos que publiquei nos últimos anos: trazer a consciência, principalmente no âmbito do debate brasileiro, de que ainda estamos no meio do processo. Temos a tendência de olhar para o passado e dizer que esse processo terminou, sendo que, na verdade, continuamos tentando entender a relação das pessoas com a religião, que hoje é mais privada, dissociada do Estado”, defende. “Tentamos fomentar um olhar científico e racional a respeito do fenômeno religião e da relação dela com a política. É necessário que escritores, acadêmicos e jornalistas fomentem esse debate e também a reflexão, pois interpretações apressadas podem levar ao conflito.”

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