Concerto e exposição marcam o centenário da construção da Villa Cecy
Construção localizada na Rua Santo Antônio é a sede do Forum da Cultura desde os anos 70, mas também abrigou a Faculdade de Direito da UFJF e foi casa de algumas das mais ricas famílias de JF
Presente de casamento, lar de famílias numerosas, faculdade e espaço para a disseminação da arte e cultura. Talvez muitos dos que passem pelo número 1.112 da Rua Santo Antônio não saibam, mas a casa que abriga o Forum da Cultura da UFJF abriga uma história centenária e que começa a ser relembrada a partir desta sexta-feira (1º), quando o espaço recebe duas das atrações que vão marcar as comemorações da Villa Cecy (seu nome original) durante 2019, junto a outras atividades regulares do Forum da Cultura.
A programação tem início às 19h30, com a abertura da exposição “Homenagem para Cecy” – em lembrança a uma das primeiras moradoras da casa, Maria Cecília Schlobach Valle, a Cecy -, que mostra reproduções (algumas com até dois metros de altura) de fotografias com as famílias que ocuparam a casa de 1919 até a década de 1950, além de objetos de época que fazem parte do acervo da instituição e outros obtidos por empréstimo. Na ocasião, também será exibido um minidocumentário sobre a história da casa e alguns de seus moradores. Na sequência, uma homenagem póstuma com a presença de descendentes de Cecy e Roque Domingos de Araújo (segundo proprietário da casa), e também dos ex-reitores da UFJF Gilson Salomão e Michel Bechara, e do ex-diretor da Faculdade de Direito quando localizada na Santo Antônio, Benjamin Colucci.
Além da abertura da exposição e das homenagens, a noite terá o pianista Bernard Rodrigues executando “Pas de écharpes”, de autoria de Chaminade, que Maria Cecília interpretou em 1915 no Theatro Juiz de Fora em benefício das vítimas da seca. Por fim, a Orquestra Juiz de Fora executará um concerto em homenagem a Cecy, com clássicos de Vivaldi e Mozart, e “Stand by me”, de Ben E. King.
Festas e jantares
Diretor do Forum da Cultura desde abril de 2018, Flávio Lins conta que a ideia de se celebrar o centenário da Villa Cecy e seus moradores veio da curiosidade. Ao assumir o posto na instituição, ele diz que havia muitas histórias a respeito do passado do imóvel, das pessoas que nele viveram, mas nada muito concreto. A partir daí, iniciou um pesquisa com a ajuda da irmã, Fernanda, que culminou em descobertas a respeito da casa, as mudanças pelas quais passou e a história de seus moradores, e no contato com seus descendentes, que cederam as fotos para que elas fossem reproduzidas e utilizadas na exposição, que deve ocupar o espaço pelo menos até março.
“Essa é uma mostra afetiva, que busca homenagear os primeiros moradores, mostrar como eram suas vidas, o cotidiano, que incluía muitas festas, jantares, afinal o Clóvis Guimarães Mascarenhas (marido de Cecy e filho do empresário Bernardo Mascarenhas) chegou a ser presidente da Associação Comercial de Juiz de Fora, e por isso era normal algumas das figuras mais importantes da cidade à época marcarem presença”, diz Flávio.
Para a inauguração da mostra, Flávio espera que uma das três filhas de Cecy ainda vivas, Maria Zélia Mascarenhas (Zelinha), de 95 anos, venha do Rio para participar do evento. Além dela, ainda estão vivas Evangelina e Maria Ângela. Dentre as atividades que darão prosseguimento às comemorações, devem ser lançados em fevereiro dois editais: um para concertos em homenagem a Cecy, num total de cinco, que seriam realizados nas manhãs de domingo; e uma série de microdocumentários, de no máximo um minuto, sobre a história do imóvel, de seus moradores e das instituições que o ocuparam ou ainda ocupam.
História (parcialmente) recuperada
Sob muitos aspectos, pode-se dizer que a Villa Cecy só existe por conta de sua mais ilustre moradora. Nascida em 31 de janeiro de 1898, Maria Cecília Schlobach Valle era filha do fazendeiro Pedro Procópio Rodrigues Valle Filho e Etelvina de Carvalho Schlobach, que construíram o palacete localizado na esquina da Santo Antônio com a Fernando Lobo, que atualmente abriga a Escola Estadual Delfim Moreira e tem projeto do italiano Luiz Perry. Com o anúncio do casamento de Cecy com Clóvis Guimarães Mascarenhas, Pedro, que era dono de um vasto terreno no quarteirão, presenteou o casal com a construção do casarão que viria a ser batizado com o nome de Villa Cecy.
A princípio, o Cecy e Clóvis deveriam ocupar a casa logo após o casamento, cuja cerimônia completou 100 anos em 29 de janeiro, mas eles tiveram que ficar na casa dos pais de Cecy por alguns meses, não se sabe exatamente o motivo – talvez a morte de uma das irmãs da noiva, Eugênia (Geni), em algum momento do Natal de 1918 – pouco mais de um mês antes do casamento.
“Não se sabe exatamente o dia exato que ela morreu, mas é certo que foi no período do Natal e que isso deve ter abalado a família, em especial a Cecy. Por causa disso, apesar de ser uma das famílias mais abastadas, não existe registro fotográfico do casamento, que foi realizado de forma discreta. É possível que as obras tenham sido paralisadas por conta do luto”, especula Flávio Lins, salientando que o mais antigo registro do imóvel data de 1928, oficializando a venda para Roque Domingos de Araújo. “Pesquisamos a respeito em vários locais, procuramos todas as plantas de construções na Santo Antônio do final do século XIX até 1928, mas não existe registro algum da Villa Cecy. Talvez esteja com outro nome, mas não temos como saber”, explica Flávio. “É difícil, por isso, descobrir quem projetou a casa, apesar das especulações de que teria sido Luiz Perry.”
Passado em raros registros fotográficos
Através das fotos – doadas por descendentes de Roque e Evangelina e Geni, respectivamente filha e sobrinha de Cecy, sendo que no caso de Evangelina o álbum era o que pertenceu a sua mãe -, a exposição busca resgatar a história de uma casa que por cerca de três décadas recebeu muitos eventos sociais e era cheia de vida pela profusão de crianças que brincavam em seus quintais e cômodos – muito alterados com o passar das décadas. Flávio lembra que a Villa Cecy e a mansão de Pedro Procópio eram interligadas por uma escada.
Dessa forma, é possível conhecer um pouco do interior da casa e de seus primeiros ocupantes, numa época em que era possível admirar o Rio Paraibuna de sua varanda mais alta. A família Mascarenhas partiu para Petrópolis – e depois Rio de Janeiro – em 1927, por conta dos negócios de Clóvis. Na sequência, Pedro Procópio vendeu a Villa para o comerciante Roque Domingues de Araújo, de Cataguases, que para lá se mudou com sua numerosa família. Foi o sócio e primo de Roque, Homero Côrtes de Araújo, um dos financiadores do primeiro filme do cineasta Humberto Mauro, e sua morte foi muito lamentada na cidade, segundo Flávio. Nos anos 1950, a viúva de Roque fez uma permuta com a Faculdade de Direito, e o edifício abrigou o curso e o gabinete do reitor da UFJF. Com a mudança da faculdade para o campus, em 1971, a Villa Cecy passou a ter uma nova destinação com a instalação, no ano seguinte, do Forum da Cultura da UFJF, que permanece no local – tombado pelo município em 14 de setembro de 1995 – até hoje.
Mais eventos e melhorias
Atualmente, o Forum da Cultura tem como principais atividades as artes plásticas e o teatro. Por meio de editais, a Galeria de Arte e o Museu de Cultura Popular recebem exposições que permanecem em cartaz por 15 dias e um mês, respectivamente. Já o Grupo Divulgação, dirigido por José Luiz Ribeiro, utiliza o espaço para ensaiar e apresentar suas peças. Quem também utiliza o Forum da Cultura é o Coral da UFJF, com quatro ensaios semanais.
Mesmo com as dificuldades próprias de um espaço tombado, Flávio destaca dentre as melhorias recentes a mudança nos equipamentos de som e a instalação do sistema de ar-condicionado para o teatro, que devem ser concluídos em breve. Mais para frente, os vitrais devem ser restaurados. Além de manter a programação tradicional e as ações em comemoração ao centenário da Villa Cecy, o diretor do Forum adianta o desejo de ampliar as atividades do centro cultural, e a ideia é lançar o mais breve possível um terceiro edital para a realização de mais concertos. “Este é apenas um dos projetos que temos em mente”, adianta.
O ‘morador mais antigo’
Ainda que não seja residente de fato do imóvel em que se localiza o Forum da Cultura, provavelmente nenhuma pessoa “morou” por mais tempo no espaço que o diretor, dramaturgo e ator José Luiz Ribeiro. Afinal, o seu Grupo Divulgação é residente do Forum desde sua instalação e ali já encenou quase 250 textos, sendo 177 de sua autoria, seja com o grupo principal ou com o trabalho feito com os adolescentes e a terceira idade, cujo núcleo comemora 25 anos de atividades em 2019.
“É muito importante ter estado lá todo esse tempo, ter acompanhado as histórias, conhecer as lendas. Acredito que a atividade cultural deu alma à casa, que deixou de ser uma morada de família e realizou atividades muito relevantes com a Faculdade de Direito e depois com o Gilson Salomão transformando-a numa casa de cultura, que realizou tantas atividades. A pesquisa do Flávio coroa esse centenário por promover o encontro, no Forum, dessa memória da cultura”, diz José Luiz, animado em incorporar algumas das atividades do Divulgação em 2019 aos 100 anos da Villa Cecy.