Juiz de Fora tem o ano mais seco desde 1970
Estiagem prolongada passou despercebida em Juiz de Fora, mas Cesama se prepara para cenário difícil no próximo período. Não há riscos de falta d’água, mas abastecimento pode ficar mais caro
O ano de 2017 vai terminar como o mais seco de Juiz de Fora dos últimos 47 anos. O levantamento exclusivo da Tribuna, a partir de dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), mostra que o comportamento das chuvas em 2017 é semelhante ao que foi observado em 2014, quando toda a região Sudeste do país sofreu com uma crise hídrica histórica (ver quadro). Desta vez, no entanto, o resultado é considerado pontual, de acordo com meteorologistas ouvidos pela reportagem, já que em outras cidades e estados do Sudeste as chuvas foram até acima do esperado. Para se ter ideia, de janeiro a dezembro, o município contabilizou 936 milímetros de chuvas (até o dia 29), quando a média do Inmet prevê 1.651 milímetros. Se considerar o mesmo ponto de observação do tempo em Juiz de Fora, o resultado de 2017 é o pior de toda a série histórica, iniciada em 1972, quando o Inmet instalou sua estação no campus da UFJF. Pior do que este quadro somente em 1970, quando o pluviômetro do Inmet estava instalado no Bairro Mariano Procópio. Desde esta data, o município nunca teve, também, um dezembro tão seco como este, com apenas 26% das precipitações previstas. E o impacto desta escassez já liga um sinal de alerta na Cesama. Embora a companhia afirme estar operacionalmente pronta, mesmo com nível da Represa João Penido muito aquém do esperado, um plano de ação alternativo já foi enviado para aprovação da agência reguladora. Nele se prevê um gasto maior de produção para garantir o abastecimento, com impactos na tarifa.
Não há razões claras que justifiquem o comportamento das chuvas em Juiz de Fora neste ano. De consenso, meteorologistas apontam a presença constante de massas de ar seco em parte da Zona da Mata. Este fenômeno climatológico faz com que a região atingida fique como uma estufa, afastada das áreas de instabilidade. Este bloqueio atmosférico, como também a massa pode ser chamada, impede a formação das nuvens, e deixa o tempo seco – com baixa umidade relativa do ar – e quente, até mesmo no inverno. Trata-se de um fenômeno comum, mas que, em 2017, fez com que o ciclo de precipitações tivesse seu início retardado. Habitualmente, os juiz-foranos observam pancadas já na segunda quinzena de setembro, mas desta vez elas só chegaram com força nos últimos dez dias de novembro.
“Até mesmo na Zona da Mata teve cidades com muita chuva, como foi o caso de Rio Casca, onde as tempestades devastaram povoados e deixaram várias famílias desalojadas. Mas de um modo geral, a massa que predominou na região criou este bloqueio que acabou agindo por muito mais tempo que o habitual”, explicou o meteorologista Claudemir Azevedo, do 5º Distrito do Inmet. Ainda segundo ele, o resultado não chega a surpreender, pois anos atípicos podem ocorrer dentro de uma série histórica.
Prognóstico
Os bloqueios atmosféricos também prejudicaram as previsões do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em outubro, o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (Cptec), do Inpe, divulgou o seu prognóstico para o próximo trimestre. Para parte da região Sudeste, o resultado foi inconclusivo, isso é, poderia ter chuvas abaixo, dentro ou acima da média. A mesma perspectiva foi renovada para até março de 2018. Conforme Claudemir, no caso do Inmet espera-se janeiro com acumulado acima da média para Juiz de Fora, mas fevereiro e março novamente secos.
Cesama ainda vai avaliar se haverá necessidade de rodízio
A Cesama não consegue garantir, hoje, que 2018 será superado sem qualquer racionamento no abastecimento de água. Na avaliação do diretor-presidente da companhia, André Borges, será necessário aguardar a segunda quinzena de março, no fim do período de instabilidade, para traçar um cenário mais preciso. Segundo ele, a situação da Represa João Penido preocupa pela sua importância no sistema de abastecimento da cidade, embora ele garanta que, operacionalmente, Juiz de Fora nunca esteve tão pronta como agora.
Ainda assim, a Cesama se prepara para um ano atípico e difícil e, inclusive, já comunicou à sua agência reguladora, a Arsae-MG, um plano que poderá ser colocado em prática a qualquer momento. Neste planejamento, João Penido seria extremamente preservado, com uso maior das águas de Chapéu D’Uvas e do Ribeirão Espírito Santo, que é um manancial de passagem. O problema é que a captação da água deste ribeirão encarece o tratamento, por causa da qualidade da água inferior e o uso de bombas para vencer uma área de aclive. Isso vai significar um aumento no custo de produção e impacto na tarifa. “Depois dos gastos com pessoal, a energia elétrica é a que mais onera as contas da Cesama. Então ativar este plano vai significar um custo maior para o tratamento, e a Arsae já está ciente desta possibilidade”, disse o diretor técnico-operacional da companhia, Márcio Augusto Pessoa.
Booster
Para que isso seja feito, ainda será necessária mais uma obra. Isso porque o braço da adutora de Chapéu D’Uvas, inaugurado este ano com objetivo de levar a água também para a Estação de Tratamento de Água (ETA) Marechal Castelo Branco, que fica em João Penido, não consegue transportar grande vazão por gravidade. Por isso, foi construído um equipamento chamado de booster, na altura do Bairro Barreira do Triunfo, para acelerar a velocidade de vazão. No entanto, para ser ligado, o equipamento precisa de uma obra estrutural de energia elétrica, que deveria ser feita pela Cemig. “É um aumento de carga na subestação, mas a Cemig tem prazo de 360 dias para fazer esta obra, e não podemos esperar. Por isso, vamos lançar uma licitação, em 4 de janeiro, na modalidade de ‘obra part’ para contratar uma empresa que presta serviço à companhia elétrica. O projeto está aprovado. A Cesama vai pagar a obra e depois a Cemig vai nos repor este gasto”, explicou o diretor-presidente da Cesama, André Borges.
‘Ano difícil’
Com esta última intervenção feita, o plano pode ser colocado em prática a qualquer momento, com intuito de reduzir em dois terços a captação feita atualmente em João Penido (ver ilustração). Mas a obra não significa que será colocada água na João Penido, e sim na estação de tratamento anexa a ela. Por esta razão, André reforça que a represa vai continuar perdendo acumulação no período de estiagem, mas com possibilidade de redução mais lenta.
Para Márcio, não está certo quando e se a ideia será executada. “Ainda trabalhamos normalmente porque já chegamos até aos 18% em João Penido, e hoje ela está com cerca de 35%, com uma qualidade da água muito boa. Nossa ideia inicial era que ela terminasse o período de chuvas com cerca de 90%, o que dificilmente vai acontecer, então precisamos avaliar com calma”, disse Márcio. André completou, afirmando que será um ano difícil. “Estamos preparados para administrar e suportar 2018, mas será necessário, em determinado momento, pensar também no próximo ano.”
Represa João Penido não reage
Não se fabrica água. Na crise hídrica de 2014, a falta de chuvas regulares teve impacto forte na vida das pessoas e na economia. São Paulo, a maior cidade do país, foi o retrato desta escassez com seu sistema Cantareira completamente seco, deixando a população desabastecida por vários dias da semana. Juiz de Fora não fugiu à regra, e João Penido, com seus 18%, o menor volume da história, obrigou a Cesama a manter um rodízio de abastecimento prolongado por 15 meses. De três anos para agora, o município ganhou um reforço no abastecimento, que é o manancial Chapéu D`Uvas, 11 vezes maior que João Penido e o responsável para a estiagem agir sem alardes para a população.
Mesmo assim, a situação local exige cuidados. É a primeira vez, desde 2013, quando a Tribuna começou a acompanhar o nível de acumulação de João Penido a cada mês, que a represa perde volume de água nesta época do ano, quando deveria estar em franca recuperação. Para se ter ideia, em outubro do ano passado, a represa estava 52% preenchida, chegando a 81% no fim de dezembro. Este ano, ela declinou, em igual período, de 39,7% para 35,7%, sendo que chegou a ter quase 45% no início deste mês. O resultado de momento só não é pior que o de novembro de 2015, quando chegou a 28%. A diferença é que, naquele ano, um mês depois, ela já estava a 47% e, em janeiro, 86%, quase o dobro.
No manancial, o aspecto é o de estiagem, apesar de o município estar no meio do período de instabilidade atmosférica. As extremidades do lago, normalmente ocupadas por água nesta época, estão secas, possibilitando até caminhar. O nível de Chapéu D`Uvas tem uma explicação: entre outubro e dezembro, a cidade deveria receber aproximadamente 630 milímetros de precipitações, mas caiu 386. Deste total, 198,9 foi registrado em novembro, mas sem impactos em João Penido. De acordo com o diretor técnico-operacional da Cesama, Márcio Augusto Pessoa, as precipitações na própria cidade estão se comportando de forma irregular. “Os pluviômetros mostram que choveu muito no Sul e no Sudoeste da cidade, de São Pedro até Graminha, mas muito pouco em Filgueiras, dentro da bacia da represa. Foi menos que 25% das precipitações registradas nesta outra região.”
Alerta
No último semestre, a Tribuna divulgou, em mais de uma ocasião, a atipicidade do regime de chuvas em 2017. Em todas as ocasiões, a Cesama foi provocada sobre como trabalhava esta conscientização com os moradores, o que voltou a ser feito na entrevista concedida na última quinta-feira (28). Para o diretor-presidente, André Borges, o consumo de água na cidade, atualmente, é o equivalente ao ano de 2013, antes da crise hídrica. “E a cidade cresceu neste período, então houve uma conscientização com os problemas enfrentados em 2014 e 2015, caso contrário, certamente este consumo estaria 10% maior atualmente. Mas nós não estamos falando para as pessoas gastarem água, e sim que a Cesama está preparada para o período difícil.”