UFJF aposta em aproximação com a comunidade para melhorar segurança
Além de implementar investimento em monitoramento de câmeras, instituição busca ressignificar seu espaço, levando comunidades próximas para dentro da universidade
Além de implementar ações pontuais, como investimento em monitoramento de câmeras e criação de um Fórum Permanente de Segurança, a UFJF busca, por meio de projetos de extensão, ressignificar seu espaço, trazendo a comunidade para dentro, como forma de transformar o campus num local de respeito à diversidade e de solidariedade. A expectativa é diminuir os casos de criminalidade. Este ano, de janeiro a setembro, pelo menos 27 casos de roubos e furtos foram registrados na universidade e nas proximidades de acesso ao campus, conforme dados do sistema de Registro de Eventos de Defesa Social (Reds). Neste último fim de semana, porém, o número de casos subiu para 33, com mais seis assaltos com dez vítimas registrados no campus. As ocorrências aconteceram entre a noite de sábado (28) e o início da madrugada de domingo (29). Esses crimes vêm sendo praticados em horários variados, mostrando que não existe um período de maior incidência, sendo registrados durante a manhã, tarde, noite e no período da madrugada. A maioria das ocorrências aconteceu nas imediações da Praça Cívica, dos pórticos e dos pontos de ônibus no anel viário.
Na visão de muitos leitores da Tribuna, que encaminharam mensagens para o jornal, o problema da insegurança no campus estaria relacionado à sua vizinhança e também por ser usado como rota de passagem para os bairros da Cidade Alta. Comuns nos comentários que chegam à redação são os questionamentos: “Por que essas comunidades não são beneficiadas por projetos sociais de uma universidade pública?”, “Por que não há uma ação concreta de atendimento (acolhimento) a esses bairros por parte da UFJF?” “Ações sociais realizadas pela universidade poderiam melhorar a segurança no campus?”. A pró-reitora de Extensão, Ana Lívia Coimbra, afirma que essas ações existem e que as pessoas precisam entender o espaço do campus de outra maneira. “A universidade não é apartada do município, e ela reproduz todas as relações sociais que existem na cidade. A violência, a criminalidade, o desrespeito e o preconceito são vivenciados na cidade de forma geral e também se manifestam dentro da instituição. A diferença é que a universidade é um território de práticas acadêmicas educativas. Então, nós temos, por meio das disciplinas, do ensino, da pesquisa e da extensão, que construir novas relações que possam diminuir esses índices na cidade e que são maiores do que os que acontecem aqui dentro”, considera.
“A solução para a questão social que se materializa na violência, na exclusão, no preconceito, no racismo, não é individual. Não é a universidade como instituição de ensino que vai resolver os problemas sociais, nem do seu próprio entorno, nem do que acontece dentro dela.
Ana Lívia Coimbra, pró-reitora de Extensão
A pró-reitora lembra que a UFJF é uma instituição de ensino e não é Poder Público, a Prefeitura ou o Estado, os quais têm que produzir políticas públicas. “A solução para a questão social que se materializa na violência, na exclusão, no preconceito, no racismo, não é individual. Não é a universidade como instituição de ensino que vai resolver os problemas sociais, nem do seu próprio entorno, nem do que acontece dentro dela. A que se ter uma relação com o Poder Público, que é, em primeira medida, responsável por essas questões no município onde a universidade faz parte.”
Diagnóstico das necessidades
Roubos com o uso de arma de fogo, cometidos em grupo e com uso de violência, reacendem, mais uma vez, a preocupação sobre a segurança no campus, onde transitam cerca de 35 mil pessoas por dia. Com a finalidade de também reverter esse cenário, o programa Boa Vizinhança, desenvolvido pela Pró-Reitoria de Extensão (Proex), tem a intenção de estreitar os laços com as comunidades adjacentes à UFJF, abrangendo cerca de 40 bairros da região da cidade universitária e alcançando cerca de dez mil pessoas mensalmente.
Para a criação do programa foi realizado levantamento com instituições, associações de moradores, escolas, entidades beneficentes e culturais, grupos religiosos e lideranças dessas comunidades, com o objetivo de identificar as necessidades nas áreas de direito, pedagogia, nutrição, arquitetura e medicina, entre outras. Com o diagnóstico pronto, foi aberto um edital que possibilitou a abertura de diversos projetos, que vêm sendo implementados para estimular ações que contribuam para a melhoria das condições de vida da população nas cercanias do campus e para a formação crítica e qualificada dos estudantes. De acordo com a pró-reitora de Extensão, Ana Lívia Coimbra, são 363 programas e projetos de extensão, 750 alunos bolsistas e 427 estudantes voluntários que desempenham as ações previstas. A iniciativa conta com o envolvimento de diversos setores, como as faculdades de Educação Física, Letras, Comunicação, Educação, Direito, Odontologia, Medicina e Instituto de Ciências Biológicas, entre outros.
“No projeto Domingo no Campus, por exemplo, abrimos o campus para o lazer e a cultura para a comunidade ter acesso. O Moradia Legal, ligado à Faculdade de Direito, oferece informações sobre regularização jurídica de imóveis. Então, são ações voltadas para a população como forma de estender, imediatamente, nosso trabalho aos nossos vizinhos. Não são projetos assistencialistas, são projetos acadêmicos de docentes, técnicos e discentes, que produzem conhecimento para ser articulado com o conhecimento popular”, ressalta Ana Lívia. Ela explica que essas iniciativas não foram criadas com intuito de combater a criminalidade. Contudo, elas têm potencial para impactar de forma positiva a segurança em todo o campus. “Temos que desmistificar que a ameaça é sempre o outro e que esse outro mora no entorno da UFJF. A questão da segurança tem que ser olhada com todos os sujeitos que compõem a cidade e que passam pela UFJF, se não fica simples apenas indicar aquele que nos ameaça. E quem constituímos como ameaça numa sociedade excludente é sempre aquela parcela da população mais empobrecida. Mas não acreditamos nisso e queremos ressignificar a relação social entre as pessoas e destas com esse espaço”, defende a pró-reitora.
Queremos realizar pesquisas, para entendermos o que a comunidade enxerga como segurança na UFJF. Marcos Tanure, presidente do Fórum Permanente de Segurança Pública da UFJF e pró-reitor de Infraestrutura e Gestão
O programa Boa Vizinhança não se restringe a Juiz de Fora, pois, em Governador Valadares, onde existe um campus avançado da UFJF, foi criado o Boa Vizinhança/Rio Doce, com ações extensionistas voltadas para a população daquela região que foi atingida pelo rompimento da barragem do município de Mariana.
“A UFJF é um bem da comunidade”
A prática de caminhada é uma das atividades mais frequentes no anel viário. Diariamente, dezenas de pessoas utilizam o campus para o esporte. A técnica em enfermagem Luísa de Albuquerque, 27 anos, costuma fazer sua caminhada três vezes por semana na UFJF. Ela confessa que já passou por situações nas quais teve medo enquanto andava, mas concorda que o campus deve ser aberto a todos. “Quanto mais as pessoas puderem usufruir desse espaço de diversas maneiras, mais será compreendido que aqui é um lugar de convivência e que não cabem atitudes de exclusão. Creio que esse tipo de pensamento e, claro, investimento em equipamentos de segurança, podem trazer mais tranquilidade para os usuários.” O comerciante Flávio Marques, 35, também adepto da caminhada considera: “A UFJF é nossa. É um bem da comunidade não só do seu entorno, mas de toda a cidade. Ter isso em mente é importante para que as pessoas vejam o campus como espaço a ser compartilhado. Isso muda o clima e deixa o lugar mais seguro.”
Estreitando relações com o Boa Vizinhança
Foi com brilho no olhar e sorriso largo que crianças e adolescentes do Instituto Dom Orione receberam a equipe da Tribuna. Eles participam dos projetos que a instituição desenvolve em parceria com a UFJF dentro do programa Boa Vizinhança. A pergunta: “Tio, eu vou aparecer na televisão?”, foi a mais comum em meio à algazarra patrocinada pelas crianças. Muitas delas queriam ser vistas e ouvidas, talvez numa tentativa de quebrar a invisibilidade que lhes nega a existência aos olhares alheios. Moradores dos bairros São Pedro, Dom Bosco, Santos Dumont e Nossa Senhora de Fátima, esses meninos e meninas não têm muitas oportunidades de aparecer, mas quando decidiram entrar para os projetos realizados no Dom Orione, cuja a adesão é espontânea, deram um passo a mais em busca de suas identidades.
O instituto promove sete ações contempladas pelo programa Boa Vizinhança, atendendo a 60 integrantes na faixa etária entre 7 e 16 anos. São iniciativas que envolvem futebol, oficina de arbitragem, leitura e produção de textos, orientações sobre vida saudável, desenvolvimento de talentos e aprendizagem de línguas, além do projeto Campus Tour, que leva os participantes para conhecerem setores da universidade, como museus e o observatório do Centro de Ciências. Elas são desenvolvidas pelas faculdades de Educação Física, Educação, Medicina, Letras e por técnicos administrativos da UFJF.
“Nosso objetivo e também da UFJF é estreitar o relacionamento com a nossa vizinhança. Tudo que fazemos é para a motivação desses meninos para o acesso ao conhecimento. A importância desse trabalho, como todo trabalho de educação, vai acontecer ao longo do tempo, pois acreditamos que todos esses projetos vão fazer diferença na vida deles”, ressalta o educador social do Instituto Dom Orione, José Rafael Monteiro. A instituição é regulada pelo Sistema Único de Assistência Social (Suas), mas, antes disso e da parceria com a universidade, oferecia oficina apenas de futebol. Com a regulação e com o apoio da UFJF, ampliou seu horizonte para ter mais oportunidades. “Isso é muito importante. Lá no Dom Bosco, por exemplo, existem muitas ruas sem saída, mas esses meninos conseguiram sair e alçar voo. Muitos já disputaram campeonatos estaduais. Aqui, temos vários campeões de futebol. Agora, com novos projetos, esperamos ter campeões de estudo, nas engenharias, nos cursos de humanas. Esse é nosso maior projeto.”
O garoto Renan dos Santos, de 10 anos, diz que ama fazer parte. “Eu faço futebol, mas, além do esporte, aqui eu aprendi a ler livros de aventura”, afirma com orgulho. Já Rafael, 14, aprendeu valores que antes não conhecia. “Aprendi a gostar de coisas novas e de interagir com meus amigos.” Flávio Luiz, 10, o mais sapeca de todos, acha que tudo é muito divertido. “Tem atividades muito boas e fiz novas amizades.”
Investimento em capacitação e inteligência
Criado em agosto, o Fórum Permanente de Segurança Pública da UFJF tem como meta traçar estratégias para deixar o campus mais seguro para seus usuários. Depois que foi implementado, duas reuniões já foram realizadas. Segundo o pró-reitor de Infraestrutura e Gestão e também presidente do Fórum, Marcos Tanure, um ponto primordial para o órgão é o entendimento do que é a segurança para a universidade. Como ele pontua, existem várias ramificações, nas quais a segurança pode ser encarada como individual, patrimonial, no trânsito, na relação com os órgãos de segurança, como as polícias, e no próprio respeito à diversidade que existe no campus. “Temos ainda preocupação e já estamos fazendo a capacitação do nosso quadro de vigilância armada e estudos sobre suas formas de abordagem. Também queremos realizar pesquisas, para entendermos o que a comunidade enxerga como segurança na UFJF. Hoje temos o modelo que é o da segurança ostensiva, no qual vemos o vigilante andando pelo campus. Não dá para dizer que temos vigilantes em todos os pontos, mas, no modo como atuam, se fazem vistos. Há os carrinhos, por exemplo, que voltaram a funcionar e contribuem para esse monitoramento”, afirma Tanure, acrescentando que a ideia é focar na questão da inteligência, com o aprimoramento das câmeras de segurança.
Na visão dele, será um ganho para a segurança na UFJF o somatório da atuação ostensiva com o uso das imagens. Por motivo de segurança, o pró-reitor de Infraestrutura e Gestão não revelou o número de câmeras instaladas na UFJF, mas ele garantiu que é grande e que cerca de 60% delas já estão em funcionamento, gravando pelo período de 24 horas. Em dezembro de 2016, a UFJF tinha informado que a atual administração havia encontrado o projeto de instalação de monitoramento paralisado por mais de um ano. Foram investidos mais de R$ 20 milhões no sistema, que conta com aproximadamente 450 câmeras de monitoramento. As imagens são gravadas em servidores de responsabilidade da empresa de monitoramento. Tanure ainda explicou que a universidade tem segurança 24 horas e, quando um há um evento, no qual existe um processo de concentração de pessoas, é disponibilizado um reforço de segurança no local, mas sem retirar a vigilância dos outros pontos. O pró-reitor concorda que as ações de extensão contribuem com a questão da segurança. “Não podemos tratar a segurança de forma isolada, porque é uma questão que envolve a sociedade como um todo”. Ele e a pró-reitora Ana Lívia Coimbra compartilham da ideia de que a universidade não é apartada do município e, por esta razão, reproduz todas as relações sociais que existem na cidade. “A violência, a criminalidade, o desrespeito e o preconceito são vivenciados na cidade de forma geral e também se manifestam dentro da universidade”, concordam os dois pró-reitores.
Assaltos do fim de semana
Dez pessoas foram vítimas de assalto dentro da UFJF, neste fim de semana, entre a noite de sábado (28) e o início da madrugada de domingo (29). As ocorrências foram registradas por pessoas que participavam do evento Som Aberto, realizado pela instituição, na Praça Cívica do campus. As ocorrências chamaram a atenção, pois os ladrões agiram em grupos e com violência. No último episódio que chegou ao conhecimento da polícia, por volta de 2h, dois jovens, ambos de 18 anos, foram rendidos por oito indivíduos quando saíam da universidade. Uma das vítimas foi agredida a pauladas e socos. Os dois rapazes procuraram o posto da Polícia Militar do Bairro São Pedro para registrar o episódio. Eles relataram que foram abordados, quando saíam do campus pelo Pórtico Norte. Os ladrões se aproximaram pelas costas das vítimas, um deles segurou um dos garotos pela camisa, enquanto um comparsa ficou de frente para o rapaz e exigiu seus pertences. Simultaneamente, o colega do jovem também foi rendido por outro criminoso do grupo. Como o rapaz se negou a entregar o que lhe era exigido, os assaltantes começaram a agredir a vítima com pauladas e socos na cabeça. O bando fugiu em seguida.
Outro jovem, 21, procurou a polícia logo após os dois garotos. Ele disse que estava no campus quando foi rendido por dois ladrões. Eles exigiram o celular do rapaz, mas como ele não estava com o aparelho, a dupla roubou R$ 20. Mesmo após pegar o dinheiro, os assaltantes deram tapas na cabeça da vítima. Eles fugiram e não foram pegos. Uma moça, 22, e um rapaz, 21, também foram agredidos durante um roubo dentro da universidade, ocorrido por volta de 23h45. Conforme informações do documento policial, eles foram abordados por cerca de cinco indivíduos, que lhes agrediram com chutes, inclusive na cabeça. Os ladrões levaram o celular dele e a bolsa dela, onde estavam documentos pessoais e R$ 6. O grupo fugiu logo em seguida. Outra ocorrência de assalto na UFJF aconteceu por volta de 0h30, Dois jovens, ambos de 20 anos, foram abordadas por cerca de quatro homens, dois deles armados com revólver. Um dos ladrões colocou a arma na barriga de uma das vítimas, roubando dois celulares e R$ 50, fugindo em seguida. Às 23h, uma adolescente, 14, e um rapaz, 17, tiveram seus celulares levados por um ladrão que portava uma faca. O suspeito fugiu e também não foi pego.
Já durante a manhã de domingo (29), um rapaz, 19, procurou a polícia para informar que também havia sido assaltado na universidade. Ele contou aos policiais que foi rendido por quatro pessoas quando se dirigia a seu veículo. Eles roubaram um celular, cartão de crédito e um boné. A vítima disse que os criminosos diziam estar armados e que um amigo que estava com ele viu uma arma de fogo. O grupo também fugiu e não foi encontrado.
A assessoria de comunicação da UFJF informou que, em função dos acontecimentos, fará avaliação do evento, com possível antecipação do horário de término das atividades. A instituição esclareceu que mais de 50 seguranças, do quadro da UFJF e de fora, atuam no evento. “Infelizmente, os atos de violência que ocorreram são reproduções do que estamos presenciando em todo o país, onde a crise social se agrava”, diz a nota. A UFJF pontuou ainda que o Som Aberto é um projeto que tem como finalidade oferecer à população da cidade um momento de lazer e cultura e que oferece a oportunidade para dezenas de artistas da cidade.