Falsos crimes mobilizam polícias e trazem prejuízo para segurança pública

Dívidas, medo de agiota, de contar verdade a familiares entre outros problemas levam pessoas a fazerem falsa comunicação de crime; só esta semana, três pessoas foram detidas por este motivo


Por Michele Meireles

31/08/2017 às 06h00- Atualizada 31/08/2017 às 07h42

O aumento de uma modalidade criminosa vem chamando a atenção e preocupando as polícias Civil e Militar de Juiz de Fora: a falsa comunicação de crimes. Apenas entre o último sábado (26) e quarta-feira (30), três pessoas foram detidas em flagrante por comunicar ocorrências que não existiram. No último caso, um homem foi preso depois de tentar registrar um falso roubo. De acordo com informações da corporação, o suspeito, de 29 anos, foi até a sede da 70ª Companhia, no Bairu, Zona Leste, e afirmou que havia sido vítima de roubo 45 minutos antes na região Nordeste da cidade. Ele disse aos policiais que um bandido teria levado seu celular e R$ 300. Porém, quando os militares pediram detalhes da ação criminosa, ele entrou em contradição e acabou admitindo que inventou o crime por conta de uma dívida de aluguel. O homem afirmou que mostraria o boletim de ocorrência ao locatário do imóvel como desculpa para o atraso. Ele foi preso por falsa comunicação de crime e levado para a delegacia. A pena para o crime está prevista no artigo 340 do Código Penal, e quem comete está sujeito a uma pena de até seis meses de detenção e multa.

A Polícia Militar já descobriu 17 falsos registros neste ano. Foram dez ocorrências entre janeiro e junho e outras sete apenas entre julho e agosto. Em todo o ano passado foram 11 falsas comunicações de crime flagradas. Apesar de o número de casos ser pequeno, as corporações atentam para outros falsos registros não descobertos que acabam gerando ainda mais prejuízos. Quando não desmascarados pela PM, os episódios seguem para investigação da Polícia Civil, que abre inquérito e perde tempo apurando situações que não ocorreram. Se a Polícia Civil também não detecta a mentira, acaba enviando os procedimentos ao Ministério Público e Judiciário. A situação é tão grave, que, caso a mentira não seja detectada, um inocente pode até ser indiciado por um crime não cometido.

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Conforme a PM, as áreas com maior incidência da falsa comunicação de crime em Juiz de Fora neste ano são a Zona Norte, Zona Leste e o Centro. As últimas aconteceram na área da 70ª Companhia, responsável pelo policiamento na Zona Leste. Além do caso de quarta-feira (30), na última segunda-feira (28), um homem, 38 anos, foi até a sede da 70ª Companhia, para registrar uma ocorrência de roubo. Ele disse aos policiais que um criminoso havia levado um violão, R$ 100 em dinheiro e um celular. Quando os militares pediram detalhes do crime, o suspeito entrou em contradição e acabou confessando que o roubo não aconteceu. Ele afirmou que estava embriagado e não se lembrava como tinha perdido o instrumento. Como o violão não era dele e ele precisava dar satisfação ao dono, resolveu inventar o crime. Ele foi preso e levado para a delegacia.

Também este mês na área sob responsabilidade da 70ª Companhia, uma operadora de caixa de 34 anos foi detida no último dia 11 após confessar que havia feito uma comunicação falsa de crime. Ela compareceu à sede da unidade e relatou ter tido seu celular roubado quando transitava pela Rua Carlos Rocha, no Progresso. A suposta vítima contou ter sido abordada por um homem que apontou uma arma contra sua cabeça, enquanto outro assaltante roubava o telefone em sua bolsa, não subtraindo qualquer outro pertence. Várias viaturas foram empenhadas no rastreamento. A mulher acabou admitindo ter mentido, inventando a história por medo da reação do marido ao saber que ela na verdade perdeu o celular.

No dia 1º de agosto, um homem, que não teve a idade divulgada, também inventou um crime para explicar o sumiço de sua aliança e celular para a namorada. Ele alegou ter sido assaltado em uma ponte do Bairro Ladeira, também região Leste. O caso foi postado nas redes sociais e teve centenas de comentários e compartilhamentos. Porém, na verdade, ele tinha dado os objetos a um travesti como forma de pagamento de um programa.

Policiais e viaturas empenhados em registros inexistentes

Para o comandante da 70ª Companhia, responsável pelo policiamento na Zona Leste, capitão Carlos Vilaça, além de causarem uma falsa sensação de insegurança na população, estes falsos casos fazem com que policiais e viaturas sejam empenhados em registros que não existem, gastando tempo para fazer o boletim de ocorrência e as buscas pelos supostos suspeitos. “Estes policiais poderiam estar fazendo patrulhamento em outras áreas, ou mesmo realizando buscas por suspeitos de crimes que realmente ocorreram. Traz um prejuízo muito grande. Além disso, dependendo do que a falsa vítima diz, pode até levar um inocente à prisão. Por exemplo, se ela passa para os policiais as características de um suspeito do falso crime, com determinada roupa e características, e, durante as buscas, nos deparamos com um inocente assim, ele será abordado. Se o falso denunciante for longe demais e reconhecer esta pessoa, ela pode ser presa”, atentou.

De acordo com o comandante, muitas falsas vítimas procuram companhias distantes de seus bairros de origem para comunicar o crime, para assim tentar dificultar com que a mentira seja descoberta. “A PM está atenta a esta situação, e todos os militares recebem treinamento. Porém, algumas pessoas criam uma história mirabolante, que a ocorrência acaba passando como se fosse mesmo um crime e segue para investigação da Polícia Civil, mobilizando um aparato ainda maior. A questão é muito grave e traz sérios prejuízos.”

Desculpas para tentar justificar crime

No último sábado (26), uma mulher, 45 anos, foi presa depois de simular um roubo na saída de uma agência bancária, no Centro. Ela, na verdade, deu falta de celular e R$ 500 após passar a noite com um homem que conheceu em um bar no mesmo dia. Ela inventou o crime por medo de a família descobrir a verdade.

Em junho, um homem, de 40 anos, foi preso em flagrante por simular o roubo de um carro. A proprietária do automóvel, que é namorada do preso, acionou a Polícia Militar, alegando que seu veículo tinha sido roubado, quando estava em posse do namorado. O homem fez a denúncia à polícia, mas depois confessou ter deixado o carro, um Palio, como garantia de pagamento de dívida de drogas.

Em maio, um homem, 31, também tentou simular um roubo e acabou preso em flagrante. O suspeito acionou a PM no Distrito Industrial, Zona Norte, dizendo que dois criminosos armados em uma moto interceptaram seu Citroën, o fizeram refém e, após roubarem R$ 5 mil, teriam jogado a chave do veículo em uma área de mata próximo à Estrada do Caracol. No entanto, como os supostos assaltantes não levaram nenhum pertence da vítima, como carteira e celular, a PM desconfiou do caso. Militares seguiram até a agência bancária e foram informados pela gerente de que não havia registro de saque no valor e local informados. O homem acabou confessando que simulou o roubo, pois estava devendo R$ 4 mil a um agiota da cidade e, por isso, estaria sendo ameaçado.

Caso de jovem que comoveu a cidade era falso

Quando os casos falsos são passados para a investigação da Polícia Civil e viram inquéritos, eles se agravam e passam a ser denunciação caluniosa, cuja pena para a falsa vítima aumenta, podendo chegar a reclusão de dois a oito anos. Apenas entre maio e julho deste ano, a Polícia Civil de Juiz de Fora já chegou a três ocorrências que não aconteceram. Uma delas, no fim de abril, quando uma adolescente, de 14 anos, disse à Polícia Militar que havia sido sequestrada por uma gangue rival ao bairro onde mora, mantida em cárcere privado por cerca de 20 horas e ainda abusada sexualmente. O caso causou comoção, foi destaque na imprensa local e levou a Câmara Municipal de Juiz de Fora a criar uma CPI para apurar as brigas de gangue. Na época, a Tribuna conversou com a mãe da falsa vítima. A mulher também acreditou na história contada pela garota e chegou a falar que se mudaria do bairro.

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Após a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher dar início ao inquérito e gastar quase duas semanas com as apurações, acabou descobrindo que o crime não ocorreu. A adolescente inventou três versões para o caso e que poderiam ter levado inocentes a responderem por crimes graves, como estupro e cárcere privado. No final das investigações, a Polícia Civil descobriu que ela, na verdade, estava com o namorado. A garota, que debochou da investigação policial, irá responder por ato infracional análogo ao crime de denunciação caluniosa.

Os outros dois são de uma jovem, 21, que simulou ter sido mantida em cárcere privado e abusada sexualmente, no Bairro Grama, Zona Nordeste, quando, na verdade, esteve com o homem por vontade própria. Ela foi indiciada por denunciação caluniosa. Na época, a delegada Sheila Oliveira destacou que a Especializada recebe um número grande de denúncias falsas. “Infelizmente, algumas pessoas tentam usar a Delegacia de Mulheres para a resolução de conflitos pessoais, fazendo falsas acusações. O grande problema é que isso acaba banalizando o caso e colocando em descrédito às verdadeiras vítimas”, disse.

No outro caso, desvendado pela Polícia Civil em julho, um idoso disse ter sido vítima de bala perdida, também em Grama. Porém, a Delegacia Especializada de Homicídios descobriu que a companheira do homem havia furtado drogas de um traficante e que ele foi até o imóvel do casal acertar contas. Para proteger a mulher de um tiro, ele acabou baleado.

A delegada regional, Patrícia Ribeiro, destacou que a situação é “muito grave e preocupante”. Ela destacou que os falsos crimes movimentam vários órgãos, trazem gastos financeiros e de recurso pessoal e podem até levar inocentes à cadeia se a farsa não é descoberta durante as investigações. “Na maioria das vezes, acabamos descobrindo a mentira no curso do inquérito, mas tem casos onde as histórias são tão bem montadas, que acabam indo para o Ministério Público e Judiciário. É uma perda de tempo que nos impede de investigar crimes graves que realmente aconteceram.” A delegada ainda destacou: “Acredito que muitas pessoas que cometem este crime não imaginam o quanto são graves e que podem ser presas por isto. É preciso que haja essa consciência.”

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