Juiz de Fora tem o menor número de homicídios em dez anos

Com 51 mortes violentas em 2021, cidade chega a 8,8 óbitos para cada cem mil habitantes e deixa a faixa considerada epidêmica pela OMS


Por Sandra Zanella

30/12/2021 às 07h53

Juiz de Fora termina o ano com o menor número de mortes violentas da última década e, pela primeira vez nesse período, deixa a faixa considerada epidêmica pela Organização Mundial de Saúde (OMS), acima de dez homicídios para cada cem mil pessoas. Segundo levantamento da Tribuna, 51 pessoas perderam a vida em decorrência de ações criminosas em 2021, incluindo duas vítimas de dois duplos assassinatos. O resultado é uma taxa de 8,8 óbitos violentos para cada cem mil habitantes, com base na última estimativa populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 577.532 pessoas.

Ainda conforme a estatística do jornal, que também leva em conta os casos de latrocínio (roubo seguido de morte) e os óbitos ocasionados posteriormente nos hospitais em consequência de crimes, o município fecha o ano com queda de 22,7% nas mortes violentas em comparação com 2020, quando foram contabilizados 66 casos. No ano passado, a taxa para cada cem mil habitantes havia ficado em 11,5, para população estimada em 573.285. Ou seja, os homicídios ainda eram considerados uma epidemia pela OMS.

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Das 51 pessoas assassinadas em 2021, apenas três eram mulheres, e duas delas foram vítimas de feminicídios praticados por companheiros que também tiraram a própria vida logo depois. Os casos fatais de violência doméstica, infelizmente, abriram e fecharam o ano. No dia 10 de janeiro, um coronel da reserva do Corpo de Bombeiros, de 56 anos, e a esposa dele, da mesma idade, foram encontrados sem vida e com ferimentos causados por disparos de arma de fogo, dentro do apartamento onde moravam, no Morro da Glória, região Central. Segundo a Polícia Militar, um revólver de propriedade do bombeiro estava ao lado dos corpos. Laudos periciais e as necropsias dos corpos levaram a Polícia Civil a concluir o crime como feminicídio seguido de suicídio.

Já em 16 de dezembro, um comerciante de 51 anos, e a esposa, de 50, foram encontrados mortos a tiros dentro de casa, no Bairro Filgueiras, Zona Nordeste. Um revólver calibre 38, com seis cartuchos deflagrados, estava sob a perna esquerda do homem, que apresentava sangramentos no abdômen e na região do ouvido direito. Já a mulher tinha ferimentos na região peitoral e nas costas. “Tivemos esses dois casos tristes de feminicídio, com quatro vidas perdidas e famílias destruídas diante dessa violência desnecessária. Estão entre os casos mais emblemáticos de 2021”, aponta o delegado Rodrigo Rolli, titular da Especializada de Homicídios.

Armas de fogo

A faixa etária predominante, de 59% dos mortos em ações violentas neste ano, é entre 26 e 65 anos, mas os homicídios entre os jovens continuam chamando a atenção: 39% das vítimas tinham até 25 anos. As armas de fogo permanecem como o meio preferido dos assassinos para a execução das vítimas, sendo utilizadas em 80% dos registros. Faca ou outros instrumentos cortantes foram usados em 15% das ocorrências, enquanto agressões representaram 3,9%, levando duas pessoas a óbito. Uma delas é José Maria de Souza Silva, 56 anos, conhecido como Firma, que esteve à frente do Candeias Blues Bar, ou Bar do Firma, situado por mais de 20 anos na pequena vila de Conceição do Ibitipoca, distrito de Lima Duarte, a cerca de 90 quilômetros de Juiz de Fora. O acusado de desferir as pauladas que causaram o óbito do comerciante no dia 6 de março deste ano, dentro de sua própria casa, no Distrito de Valadares, Zona Rural, foi pronunciado no dia 29 de novembro, pelo juiz Paulo Tristão, para ir a júri popular por homicídio qualificado por motivo fútil e mediante dissimulação.

Zonas Norte e Leste lideram com 60% dos casos

A Zona Norte, considerada a mais extensa e com mais habitantes, segue sendo a mais violenta, com 18 mortes em consequência de crimes neste ano, seguida pela região Leste, com 13. Juntas, as duas áreas somam 60% dos casos e lideram a triste estatística. Em seguida aparecem as zonas Sudeste (6), Cidade Alta (4), Sul (3) e Nordeste (3), enquanto a região Central e a Zona Rural registraram duas ocorrências cada.

O Linhares, na Zona Leste, onde estão localizados os complexos penitenciários, despontou como o bairro que mais concentrou homicídios em 2021, com cinco vidas perdidas para o crime. O delegado Rodrigo Rolli destaca que uma das investigações que mais chamaram a atenção foi sobre a morte de um homem de 32 anos durante uma troca de tiros com policiais penais, que teriam percebido uma movimentação suspeita nas imediações da Penitenciária José Edson Cavalieri (Pjec), no dia 29 de maio. Um policial penal de 42 anos foi indiciado pela Polícia Civil pelo homicídio doloso.

“Foi o caso mais diferenciado deste ano. Ele morreu com um tiro na cabeça, e os agentes penitenciários falaram que só haviam feito disparos de borracha, efetuando tiros não letais. Mas a vítima tinha um projétil calibre 380 na cabeça. A investigação foi complicada, com auxílio muito grande da polícia técnico-científica. Conseguimos fazer a apreensão das armas de fogo utilizadas pelos agentes prisionais naquela noite, e foi feita microcomparação balística com o projétil retirado do crânio do homem, sendo possível determinar que o disparo que ceifou a vida dele havia sido feito pela pistola de um dos agentes do sistema prisional”, detalha o delegado.

O Bairro Parque das Torres, na Zona Norte, segue logo depois do Linhares, com quatro mortes, resultantes de dois duplos homicídios. O primeiro deles aconteceu no dia 31 de maio, quando Ocimar Raimundo da Mota, 46 anos, e Luiz Carlos Mendonça, 21, foram alvejados por tiros em uma oficina na Rua Ridel Pereira da Silva. O primeiro homem, baleado no tórax, teve óbito confirmado no local. Já o jovem foi socorrido até a UPA Norte com um tiro no rosto, mas não resistiu, falecendo posteriormente. Segundo Rolli, o mecânico Ocimar não seria o alvo da ação criminosa, mas morreu “de forma equivocada”, ao ser atingido em sua oficina. Conforme a polícia, o atirador pretendia alvejar a outra vítima.

Já no dia 19 de setembro, José Valter Ribeiro Júnior, 22, e Victor Bruno Maia de Oliveira, 20, foram assassinados a tiros na mesma via do Parque das Torres. Os vários disparos ainda atingiram residências próximas. Os atiradores fugiram em um carro.

Fica Vivo!

Na contramão das regiões Norte e Leste, a Zona Sudeste apresentou seis homicídios neste ano, dois deles no Bairro Jardim do Sol, e os demais no Retiro, Santo Antônio, Furtado de Menezes e Bairro de Lourdes. A Vila Olavo Costa, que esteve na triste liderança de mortes violentas nos últimos anos, não registrou nenhum caso em 2021. Entre as possíveis causas do declínio da violência estão os trabalhos conjuntos realizados pelas forças de segurança e pelo Estado, que implantou a primeira e única unidade do programa Fica Vivo! em Juiz de Fora exatamente no bairro. O projeto de combate a homicídios entre jovens, voltado para a faixa etária de 12 a 24 anos, funciona desde abril de 2018, na Unidade de Prevenção à Criminalidade (UPC) Olavo Costa, e oferece diversas atividades sociais e esportivas. Também há atendimentos do Programa Mediação de Conflitos.

“Essa região da Olavo Costa já foi considerada a mais violenta, principalmente em relação aos crimes contra a vida. Há sete anos, aconteciam dois ou três homicídios ou tentativas por semana ali”, comenta Rolli.

Tentativas de assassinato também caem

A Delegacia Especializada de Homicídios apresentou nesta quarta-feira (29) um balanço dos crimes investigados em 2021, quando foram instaurados 49 inquéritos de casos consumados, incluindo os dois duplos homicídios. Já as tentativas de assassinato fecharam o ano com 59 ocorrências, 10% a menos dos que as 65 registradas em 2020. Entre os crimes que não terminaram em mortes, 66% foram praticados com armas de fogo e 30% com armas brancas, sendo o restante por meio de agressões.

Em relação aos crimes fatais, o delegado Rodrigo Rolli assegura mais de 90% de apuração, ressaltando se tratar de latrocínio a morte do comerciante Fábio Douglas Marques, 43 anos, ocorrida no dia 13 de dezembro no Bairro Jardim Gaúcho, Zona Sul. Ele foi executado a tiros em sua mercearia. Por não se tratar de crime contra vida, mas contra o patrimônio, o caso segue sendo investigado pela Polícia Civil como tentativa de roubo seguida de morte.

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Além desse, apenas três casos ainda não estão apurados, como o de Marcos Paulo Gerônimo Barbosa, 30, atingido por vários disparos no dia 19 de fevereiro, no Bairro Jóquei Clube, Zona Norte. O homicídio teria sido praticado por dois homens durante uma discussão. A vítima tentou fugir correndo, mas foi perseguida e alvejada.

Outro assassinato ainda não solucionado é o de Adauto Marcos Arcanjo, 43, morto a tiros em 9 de agosto no Bairro Linhares, logo após ter recebido cerca de R$ 12 mil referentes à negociação de um açougue. O crime ocorreu em plena luz do dia na Rua Diva Garcia, a principal via do bairro. A polícia também investiga a recente morte de Igor Alberto Ezequiel, 23, assassinado com tiro durante uma festa, no início da madrugada do dia 26 de dezembro, no Bairro Sagrado Coração, Zona Sul. De acordo com a Polícia Militar, o evento tinha grande aglomeração de pessoas e foi realizado em uma granja na Rua Marciano Pinto. Também houve denúncias de uso de drogas e de exibição de armas de fogo por parte dos frequentadores.

Os dados da Especializada ainda indicam a conclusão de 94 inquéritos, com o indiciamento de cem pessoas, 70 pedidos de prisão à Justiça e 19 de acautelamento de adolescentes à Vara da Infância e Juventude. “As regiões que mais se destacam de forma negativa são a Norte e a Leste”, avalia Rolli, diante dos 32 e 33 crimes contra a vida, tentados e consumados, registrados respectivamente nessas áreas em 2021.

‘Trabalho contínuo’

O delegado Rodrigo Rolli lembra que quando ele e sua equipe assumiram a Especializada de Homicídios, em outubro de 2014, os crimes fatais contra a vida atingiam seu ápice, totalizando 141 casos ao final daquele ano. “Há um declínio dos homicídios em Juiz de Fora que salta aos olhos. Viemos de um quadro completamente epidêmico para um índice aceitável. É claro que gostaríamos que não tivesse nenhum homicídio na cidade. Ficamos tristes diante de cada vida perdida. Mas temos que observar que os casos, tanto os consumados, quanto os tentados, diminuíram de forma exacerbada, com queda de mais de 60%. Cada vida significa muito.”

Na avaliação do delegado, esses números demonstram que os homicídios em Juiz de Fora têm resposta. “Vivemos uma situação no país que seria muito mais incentivadora à criminalidade do que à diminuição, com desigualdade social, falta de educação, desemprego. São vários fatores sociais, políticos e econômicos que direcionariam para a criminalidade. Mas, em Juiz de Fora, voltamos quase ao patamar do ano de 2008, isso é muito relevante.”

Rolli destaca a importância do trabalho realizado também pela Promotoria e pelo Tribunal do Júri. “É claro que gostaríamos de apresentar ao Ministério Público muito mais qualidade nos nossos inquéritos. Mas, apesar de toda falta de estrutura humana, logística e estrutural, apresentamos o melhor possível, com um delegado, um escrivão e três investigadores, para uma cidade com quase 600 mil habitantes.” Segundo o delegado, as altas condenações de criminosos, alguns deles contumazes, e as prisões realizadas no decorrer das investigações, têm reverberado de forma positiva no meio criminoso.

Para ele, sem dúvidas, “o divisor de águas”, de 2017 para 2018, quando os homicídios entraram de fato em declínio, foi o uso de testemunhas veladas nos inquéritos. O delegado reforça a importância da população para esse desfecho. “As pessoas começaram a acreditar no nosso trabalho e a bater na nossa porta, com participações que se transformavam em testemunhas veladas e informações que auxiliam, de forma primordial, a elucidação dos homicídios em Juiz de Fora.”

Para continuar obtendo bons resultados, já de olho em 2022, o delegado Rodrigo Rolli aponta para a necessidade de aprimoramento do cientificismo na investigação, com técnicas como a microcomparação balística e o rastreamento de armas de fogo. “Apesar de todo o déficit funcional, tentamos melhorar nosso trabalho nesse sentido. É uma busca incessante.”

 

 

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