Mais motos, mais risco nas ruas


Por Eduardo Valente

28/12/2016 às 07h00- Atualizada 28/12/2016 às 16h00

Avenida Rio Branco, horário de pico. No corredor de tráfego destinado aos carros, as retenções se estendem por quilômetros. Nenhum veículo se movimenta, a não ser as motos. Entre os automóveis, o deslocamento em duas rodas é ágil, mas também perigoso. Se o próprio condutor corre riscos de sofrer acidentes, por sua própria falha, pior para os pedestres. Foi desta forma que uma idosa, 70 anos, foi atropelada em 15 de setembro, sobre a faixa de travessia, na esquina da Rio Branco com a Rua Antônio Carlos. Com escoriações leves, ela foi levada ao hospital, onde passou por exames e posteriormente foi liberada. À PM, contou que atravessava quando foi surpreendida pela moto, que não conseguiu frear a tempo.

Situações como esta são recorrentes nas ruas e nas avenidas de Juiz de Fora, a qualquer momento. Com o tráfego cada vez mais conturbado, e uma frota de motos que amplia a cada ano, a disputa por espaço no trânsito se torna ainda mais acirrada, colocando o pedestre em risco. Em números, trata-se de um crescimento de 163% em dez anos, indo de 12.551 motos emplacadas, em outubro de 2006, para 33.015, em outubro deste ano, conforme os dados mais recentes do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).

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Nas últimas semanas, a Tribuna esteve nas ruas observando o comportamento dos motociclistas. Avanços de semáforos são recorrentes, assim como aqueles que iniciam o deslocamento quando os pedestres ainda não terminaram de concluir a travessia, embora tal postura possa ser punida, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro. O artigo 214 considera tal atitude como infração gravíssima, passível de multa de R$ R$ 293,47.

PREFERÊNCIA

A preferência para quem está a pé também é rara sobre as faixas de travessia não semaforizadas, diferente do comportamento, cada vez mais comum, dos condutores de carros. “Se eu paro para o pedestre passar, quem garante que o carro atrás vai fazer o mesmo? Infelizmente é preferível ser ‘mal educado’ no trânsito a ser vítima da própria educação”, disse o motociclista Álvaro Caetano, 33 anos, ouvido pela reportagem no anel viário da UFJF.

Por outro lado, os pedestres se dizem surpreendidos a cada instante. “Quase fui atropelada há algumas semanas na Avenida dos Andradas. O trânsito estava bem lento, e os veículos pararam antes da faixa de pedestres para eu atravessar. No meio do caminho, me deparei com um motofretista, em alta velocidade. Por muito pouco não houve a batida”, disse a auxiliar de administração Renata Mendonça, 30.

 

Conflito entre a moto e o ambiente urbano

O especialista em educação e segurança no trânsito Eduardo Biavati avalia que, em grandes centros, as ocorrências envolvendo motos estão em declínio, embora, em sua avaliação, talvez não seja uma realidade de cidades de médio porte, como Juiz de Fora. “Trata-se da situação de conflito entre a moto e o ambiente urbano, que é um problema difícil de controlar. Os órgãos de trânsito fizeram pouco para resolver a questão, que acabou se resolvendo por si só nas grandes capitais. O problema é que é difícil fiscalizar motocicleta”, afirma, dizendo que, em Fortaleza e São Paulo, há relatos de agentes de trânsito que evitam multar motociclistas com receio de agressão.

Agressão física não é uma realidade em Juiz de Fora, embora já tenha acontecido pontualmente, de acordo com o chefe do Departamento de Fiscalização da Settra, Paulo Peron. As verbais são mais recorrentes, embora não coíbam as ações dos agentes. Segundo ele, o setor está atento ao crescimento da frota de motos.

Os avanços de semáforos estão entre as cinco principais autuações mais recorrentes nas ruas da cidade, índice atribuído, também, ao grande número de abusos dos motociclistas, sobretudo aqueles que iniciam deslocamento quando os pedestres ainda estão em travessia. Já nas faixas não semaforizadas, ele concorda que, em alguns casos, não dar a preferência é justificado pelo risco da moto. “O que não justifica a infração de trânsito. Cada situação é analisada dentro de um contexto.”

Biavati, que já foi assessor técnico da Companhia Engenharia de Tráfego de São Paulo, onde integrou o grupo de segurança de motociclistas, e membro da Câmara Temática de Educação e Cidadania do Contran, desmistifica, porém, o fato de o motociclista estar mais propício aos abusos. Segundo ele, conscientizá-lo não é difícil, ocorre é que muitos não percebem os próprios riscos. “Eles precisam ter esta percepção que estão em uma posição no trânsito que é muito vulnerável. Penso que é necessário promover campanhas educativas, principalmente com crianças. Se elas aprenderem hoje a respeitar o tráfego e a usarem o capacete ao andar de bicicleta, serão motociclistas mais conscientes quando se tornarem adultos. Na avaliação de Perón, o trabalho de conscientização é feito por meio das fiscalizações e das campanhas educativas, voltadas aos próprios condutores e aos jovens. “Se a gente incutir isso na formação dos futuros condutores, eles serão motoristas e motociclistas preocupados com a necessidade de respeitar os demais.”

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Motociclistas ocupam área de segurança

Os motociclistas que se arriscam em meio aos carros em avenidas de grande circulação estão sujeitos a risco constante. Segundo Biavati, trata-se de uma prática não permitida, mas pouco fiscalizada e de difícil aplicação. “A nossa legislação faz silêncio com relação a isso, embora a conduta possa ser enquadrada em outras práticas abusivas. Não é proibido fazer corredor, mas quando há ocupação, o motociclista deixa de manter a distância mínima de segurança entre veículos. Ele se coloca em risco e deixa outros condutores na mesma condição. Aquele não é um espaço vago, ele tem dono. É a área de segurança no trânsito.”

O chefe do Departamento de Fiscalização da Settra, Paulo Peron, explicou que, quando da criação do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), foi vetado o artigo 56, que proibia o tráfego de motocicletas em corredores viários. “E as razões foram justamente a questão da mobilidade. Não existe hoje uma regulamentação desta prática, mas tem o artigo 192 que fala sobre transitar não respeitando distância mínima, lateral ou traseira. Mas os carros na Rio Branco hoje estão todos próximos um do outro. O código não cita qual é esta distância de segurança”, explicou. Nem por isso, conforme Perón, as infrações deixam de ser aplicadas. “Fiscalizamos de outras formas, como a mudança de faixa sem a devida sinalização e sem segurança, além de trançar, frenar bruscamente ou acionar a buzina de forma excessiva, prolongada e sem pretexto”, explicou.

O ideal, segundo Biavati, seria que a moto ocupasse o espaço de um veículo, embora ele não acredite em mudanças de hábito a curto prazo. “Em São Paulo, os motociclistas comuns, que não são motofretistas, tendem cada vez mais a evitar o corredor. Aos poucos, o comportamento vai mudando, mas ainda vai levar tempo.”

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