JF Terra de empreendedores: Tairone Vale, ator, roteirista e diretor de cinema
“Eu tenho que falar uma coisa pra você, eu odeio escrever”, essa frase saiu da boca de um roteirista, com a franqueza que foi marca de nossa conversa. Enquanto escrevo escuto “Air”, banda francesa que ultimamente Tairone Vale tem colocado para tocar em casa, à noite, quando para seus projetos e toma um vinho com Ana Loureiro, sua parceira há dez anos. Essa é uma forma de eu ter a audácia de tentar descrevê-lo de dentro para fora, entrando no mundo de uma mente inquieta que a todo instante observa o cotidiano e tira dali sensações simples e extraordinárias. São as contradições incompreensíveis que tornam as pessoas indecifráveis e aí parece estar o que fascina Tairone, querer perceber essas peculiaridades singelas, mas inexplicavelmente sensacionais.
Aos olhos de quem conta histórias, sento eu. Ele está no ângulo inverso de ser observador para se tornar o personagem de alguém. Mas parece estar confortável cumprindo mais esse papel, dos muitos que tem se tornado a cada recente trabalho atuando. Começa a entrevista deitado em uma espreguiçadeira de trama vermelha na varanda de sua casa, às vezes senta de frente, depois vira de lado e apoia os pés nas tábuas de madeira. Toda casa é construída com materiais de demolição reaproveitados de antigas fazendas de engenho. Tocos de madeira, teto de sapê, uma sauna de vidro no meio do mato, literalmente. Três cachorros, duas gatas trans – diz ele, quarenta garrafas de vinhos já embriagados, uma piscina redonda com água suja, isso compõe a mise en scène da locação do filme diário de Tairone. E o resto é puro mergulho em um mar verde, já que tudo é cercado por uma reserva florestal, com trilhas e cobras, ou um delírio mental no céu azul e limpo que cobre aquele lugar que é a cara dele.
“Vou embora, não vou morar aqui, isso aqui não tem jeito, não sei o que eu tô fazendo aqui não” reclamava Tairone no dia da primeira visita ao local, junto com Ana que estava doida para mudarem logo para aquele paraíso da casa mais escondida ou “última casa de Juiz de Fora”, como descreve seu amigo Del. E mudaram. Felizmente sempre teve mulheres fortes ao seu lado que influenciavam em suas indecisões.
A transversalidade dos papéis
Jornalista bastante publicitário, marionete de políticos no início da profissão como repórter, roteirista de teatro e cinema, um creator, contador de histórias e ator – interpretando as próprias narrativas e adentrando no vazio, abismo solto sem apontar direção de quem vai se tornar em um próximo enredo. Tairone prefere deixar reverberar o personagem, atuando tudo no mínimo, pequenininho e mais sutil. Sua história com a atuação é por si só dramática. Por um tempo ele estava focado em sua agência de publicidade, que embora tenha sido pequena e fora das capitais, ganhou projeção e prêmios relevantes. Enquanto isso, o cinema permaneceu latente.
Durante a faculdade fez um ano de teatro no Grupo Divulgação, participou de peças e curtas, até ter uma experiência que deixou essa vontade de continuar atuando embaçada. De 2003 a 2009 se esquivou de qualquer contato com esse mundo, ir as peças, sem fazer parte do trabalho, fazia mal a ele. Da plateia ficava remoendo a vontade de estar nos bastidores. Até que o diretor Rodrigo Portella enxergou ali um John Proctor e o resgatou para ser protagonista em sua peça adaptada de As Bruxas de Salém.
A partir daí foi se descobrindo, mergulhando em personagens que não conhece, mas que irá se tornar em algum momento, sem detalhes predefinidos. Nunca estudou formalmente teatro, aprende sugando o que vê, vai se nutrindo até se esvair em atuação com fluidez nos palcos ou telas. A abstração colabora muito para esse afastamento e naturalidade, aliás, busca sempre abstrair, seja no trabalho ou em relacionamentos pessoais.
Duas palavras: é observador e curioso, digo, e ele confirma. São características que estão por trás das histórias críveis, corriqueiras, mas surpreendentes pela maneira como ele consegue roteirizá-las. Tem uma postura de antropólogo, e mais ainda uma percepção lúcida de psicanalista, que lhe garante sensatez e perspicácia para entender o próprio comportamento e o das pessoas diante das situações dessincronizadas da vida. Na faculdade de jornalismo teve aula com o psicanalista Potiguara Mendes da Silveira Jr. e isso mudou sua vida. A partir dessa aula, conseguiu entrar na cabeça do outro e isso o instiga até hoje. Adora vivenciar outras culturas, entender outras cabeças tentando descobrir como se dá a construção de pensamento de cada um.
Paradoxos da idade
Tairone quer quebrar a monotonia da trivialidade cheia de bobajada, gosta de colocar o outro na fogueira, contar o que não se deve, falar sem desculpas o que quer. “Sou doido para ficar velho e poder falar mais, procuro aos poucos ir me permitindo ter essa postura de velho”. Gosta de escrachar os fatos e se diverte com isso. Ao mesmo tempo em que teve sua primeira crise de meia-idade aos pequeninos 6 anos quando abriu a boca e começou a chorar no café da manhã com medo de crescer rápido, e a crise persiste até hoje.
Paralelos criacionais
“Se eu fosse depender de convite e não das iniciativas que eu criei, eu não estava fazendo nada”. Tairone pega e faz. Opta pelo risco e pela necessidade de que as coisas aconteçam e sempre foi um cara da prática, com uma certa preguiça dos viciados somente em teoria. Desde 2012, quando largou a agência e começou a se dedicar mais a suas áreas artísticas, tem percebido que está tendo mais rédeas da sua própria vida. Somente agora está com curtas em andamento com muita gente, alguns participando como ator, outros como roteirista e ainda um próximo, que será gravado em julho, em que desempenha um personagem escrito por ele mesmo e que na verdade é ele próprio. O filme terá essas quebras em looping e é pura metalinguagem da própria vida no audiovisual, de ter que correr atrás de leis de incentivo e captação financeira para fazer suas histórias ocuparem os festivais de cinemas e tablados de teatros.