JF Terra de empreendedores: Daniela Arbex, jornalista e escritora
“Minha filha, deixa eu te falar uma coisa”, anunciou o pai José. “Tudo bem que você já se formou, mas ser jornalista não vai te dar futuro. Faça um concurso público”, continuou ele. A jovem filha, aos 22 anos, ouviu tudo atentamente, mas não em silêncio. “Pai, me dá uma chance. Amo essa profissão e preciso tentar”, disse. O episódio é resgatado da memória passados quase 22 anos de sua formatura, quando Daniela Arbex tornou-se um dos maiores e melhores orgulhos do pai. “Formei em agosto e depois de um mês já estava nervosa por não ter emprego”, recorda-se ela, que no último ano da graduação aceitou o trabalho numa corretora de imóveis para ter o próprio dinheiro. “A imobiliária em que eu trabalhava fazia anúncio na Tribuna. Então fui lá, na moça dos anúncios, que se chamava Zenira, e pedi: ‘Ô Zenira, você não me apresenta lá para o jornal, não?!’. Ela falou que me levava. Fui eu, com meu currículo de uma página, e ela me levou até a porta do chefe de redação e me deixou ali. Fiquei olhando para a cara dele, que me perguntou se eu sabia trabalhar no programa Word. Eu disse que sim. Mas saí da faculdade quando estavam implantando os computadores. Ele ficou de me ligar para fazer um teste quando alguém entrasse de férias. Passou um mês, e o telefone tocou. Cheguei e não sabia nada de nada. Mandei imprimir uma matéria 15 vezes. Na minha primeira pauta, como não sabia que podia pedir carro, fui a pé”, conta, aos risos, a repórter que no mês seguinte de sua contratação escreveu a matéria que lhe renderia o prêmio de melhor reportagem publicada em 1996 pelo jornal no qual permanece há 21 anos.
O livro nunca publicado
Estava numa mesa de restaurante quando se deu conta de que viveria para encontrar respostas para suas muitas perguntas. “Na primeira vez que tive certeza do que queria estava com 14 anos. Lembro do momento: eu tinha uma amiga que a irmã dela morava no Rio de Janeiro e fomos passar férias na casa dela. Um dia, fomos a um restaurante e chegou uma pessoa superviajada, cheia de histórias de vida. Eu, uma moleca, comecei a conversar com o mais velho da mesa, querendo saber tudo da história dele. Fiz uma entrevista e quando terminou eu estava certa: queria ser jornalista”, conta Daniela, que seis anos antes do episódio chegou a escrever um livro nunca publicado e nunca mais visto.
“Escrevi meu primeiro livro aos 8. Eu ilustrei ele todo. Era uma história sobre um menino que construiu um balão para conhecer o mundo. Fui na biblioteca e pedi informação sobre como eu publicava um livro, mas a bibliotecária ignorou”, lembra, aos risos, a filha de Sônia e José, ambos comerciantes, e irmã de Alessandro, dois anos mais velho, e Samir, nove anos mais novo.
“Brinco que nasci em berço de ouro porque a gente tinha uma situação financeira muito boa, mas não esbanjava. Até eu me casar, só tomava refrigerante aos domingos. Sempre respeitei isso. Almoçar fora era um acontecimento. Nunca tive roupas de marca. Minha mãe nunca me criou com esses valores”, aponta a menina que nasceu em Juiz de Fora, viveu a infância na Rua Halfeld, a adolescência na Rua Santo Antônio, e a juventude, finalmente, numa casa, no Bosque dos Pinheiros.
A destemida das palavras
“No meu primeiro dia de jornal estava chovendo muito e eu não tinha dinheiro para pegar um táxi. Bati no vidro de um carro que estava saindo do estacionamento. Quando a janela abriu, eu pedi: ‘Desculpa incomodar o senhor, mas o senhor vai para o Centro? Eu estou precisando de uma carona!’. Ele falou para eu entrar. Sentei do lado dele, e ele me perguntou o que eu estava fazendo lá. ‘O senhor não acredita! Sou jornalista! Estou no meu primeiro dia de trabalho!’ Ele me perguntou: ‘Está gostando?’. ‘Estou amando, o senhor não tem ideia do que é poder escrever e no final do mês ainda receber por isso.’ Agradeci e desci. No dia seguinte, quando estava trabalhando, entra o Dr. Juraci Neves, e eu apontei: ‘Ali o moço que me deu carona ontem!'”, recorda-se, entre gargalhadas, do episódio no qual conheceu o diretor-presidente do jornal onde publicou emocionantes e premiados trabalhos, como a série “Holocausto brasileiro”, menção honrosa no Prêmio IPYS de Melhor Investigação Jornalística da América Latina e Caribe e que lhe rendeu seu primeiro livro-reportagem (também publicou “Cova 312” e escreve o terceiro), atualmente em sua 18ª edição, com quase 300 mil exemplares vendidos e transformado em documentário homônimo da HBO.
A humanista da Casa
Do Balão Vermelho para a Academia de Comércio e, na sequência, para a UFJF, Daniela representava a aluna dedicada. Nem a melhor, muito menos a pior. “Nunca fui inteligente. Sempre precisei me esforçar. Lembro de fazer as perguntas para que minha mãe me perguntasse. No meu caderno eu anotava todos os comentários dos professores. E todo mundo disputava meu caderno. Na faculdade não era uma aluna de destaque. Ia da casa para a faculdade e dali para a Casa do Caminho”, recorda-se ela, apresentada pela cunhada Lívia à instituição espírita que lhe deu a base humanista com a qual reveste suas certezas. “Cresci vendo o trabalho social e humano da dona Isabel e isso me ensinou muito”, emociona-se.
Foi no trabalho na casa espírita que, segundo Daniela, nasceu a jornalista de olhar generoso e fraternal, a repetir Carlos Drummond de Andrade em sua célebre frase “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”. “Recordo-me que no último ano da faculdade, trabalhando na imobiliária, fui avaliar um imóvel. O dono era um médico. Quando cheguei no lugar, havia uma porta de ferro, então, fiquei louca. Pensei: esse cara é um aborteiro”, conta, retomando a indignação do momento.
“Quando o médico apareceu, eu falei: ‘Bom saber que o senhor é médico, porque estou precisando de um!’ Ele olhou para mim e perguntou: ‘De quantos meses você está?!’. Inventei: ‘Três!’ Ele disse que eu deixei passar muito. Cheguei em casa e liguei para um professor, dizendo que precisávamos denunciar no jornal-laboratório. Ele me ouviu por meia hora. Ao final me deu os parabéns, disse que eu seria uma ótima jornalista, mas que todo mundo já sabia.” A capacidade de inquietar-se também foi o que moveu Daniela a denunciar, no mesmo veículo universitário, os abusos de um professor da Faculdade de Direito, que fazia bullying contra seus alunos.