Mata do Krambeck pode ser aberta com criação de parque
Proposta é do IEF, que pretende finalizar desapropriação de duas áreas privadas
Do outro lado da Avenida Brasil, às margens do Rio Paraibuna, está uma área de Juiz de Fora, equivalente a 269 campos de futebol, desconhecida de praticamente toda a população. Esta realidade pode mudar em breve, porque a Mata do Krambeck, uma das maiores reservas de Mata Atlântica em área urbana no país, poderá se transformar em parque. Esta é a proposta do Instituto Estadual de Florestas (IEF) que, na semana passada, iniciou uma consulta pública para efetivar a mudança. Atualmente, a mata é uma Área de Proteção Ambiental (APA), instituída por meio de lei estadual de 1992. Na prática, esta categoria garante a preservação do ambiente, mas impede o acesso público, por se tratar de um espaço privado.
A APA Mata do Krambeck é formada por duas fazendas, Retiro Velho e Retiro Novo, totalizando 291 hectares. A primeira constitui cerca de 75% do espaço e pertencia à família Surerus, que, após a constituição da APA, entrou na Justiça solicitando indenização por entender que a legislação resultou em uma desapropriação indireta da fazenda. A defesa da então proprietária informou à reportagem que o processo, em tramitação desde 1995, está concluído, aguardando apenas o pagamento da indenização. Já a área do Retiro Novo ainda é ocupada pela família Krambeck, mas a Tribuna não conseguiu contato com a atual proprietária. No caso da transformação da APA em parque, caberá ao Estado concluir os processos de desapropriação dos espaços.
“Os recursos que serão utilizados para a criação do parque vão chegar por compensação ambiental. Mas para acessar estes recursos, o espaço não pode ser uma APA, e sim um grupo de proteção integral, como é o parque. A lei da APA autoriza o Executivo a criar o parque, mas só agora este discurso ganhou força”, disse o coordenador da APA Mata do Krambeck, Arthur Sério Mouço Valente, que também é autor da nota técnica que sugere o parque. Segundo ele, a ação judicial que obriga o Estado a desapropriar 75% da APA fez o projeto ganhar força. “Sugerimos o parque para resolver essa questão fundiária e destravar a questão, com ótimas perspectivas futuras de abrir para uso público.”
291 hectares ou 269 campos de futebol
A Mata do Krambeck, porém, é maior do que isso. Para se ter ideia, apenas a APA é formada por cerca de 291 hectares, o que representa os cerca de 269 campos de futebol. Na área limítrofe a ela, porém, ainda tem o Sítio Malícia, de 82 hectares, adquirido pela UFJF para a construção do Jardim Botânico, previsto para ser inaugurado ainda este ano, cujas obras já estão em reta final de execução. Soma ao espaço a Mata da Remonta, que pertence ao Exército Brasileiro, mas já com características distintas às encontradas nas fazendas e no Jardim Botânico, por ter fragmentos descobertos de vegetação.
Juntas, as três “partes” do Krambeck alcançam mais de 512 hectares, ou 474 campos de futebol. Mas o parque seria limitado aos 291 hectares das fazendas Retiro Velho e Retiro Novo, sem qualquer prejuízo ou interferência no Jardim Botânico. A nota técnica considera, porém, importante instituir, através de ações do Executivo e Legislativo Municipal, “mecanismos de gestão participativa para ordenamento territorial, tanto de áreas públicas de variados fins quanto de propriedades particulares, incluindo sítios, fazendas, empresas e loteamentos urbanos”. A consulta pública do IEF, disponível no site ief.mg.gov.br, segue até o dia 29 de junho.
Interação com a comunidade
O doutor em sociologia e direito Leonardo Alejandro Gomide, presidente do Programa de Educação Ambiental (Prea) acompanha a situação jurídica da APA Krambeck. Na sua avaliação, se faz necessário disponibilizar acesso público ao espaço, e a melhor maneira para isso é através de um parque. “A categoria APA é inadequada do ponto de vista técnico. Esta discussão existe faz mais de uma década e, felizmente, o Arthur tomou à frente e está materializando esta demanda.” Para ele, o Parque da Mata do Krambeck permitirá a interação da comunidade, além de garantir os estudos científicos necessários. “Ao que parece, todo processo caminha de forma consensual, sem gerar conflitos. Infelizmente temos um histórico de parques no Brasil que é catastrófico, mas vejo na nossa experiência uma possibilidade positiva, através de uma abertura democrática.”
Mata do Krambeck é inexplorada
O já nomeado Jardim Botânico da UFJF, prestes a ser inaugurado, é o pouco do que se conhece sobre a fauna e a flora no Krambeck. Para se ter ideia, estudos acadêmicos recentes identificaram que a flora apenas do jardim é composta por mais de 12 mil árvores catalogadas, sendo 400 espécies nativas. Sem contar orquídeas, bromélias e um conjunto significativo de espécies ameaçadas de extinção, muitas delas inéditas na região. Esta realidade desperta o interesse dos pesquisadores para a abertura de toda a floresta, para conhecer a importância do espaço e garantir a preservação para as gerações futuras.
O professor do Departamento de Botânica da UFJF, Fabrício Alvim Carvalho, doutor em ecologia e pesquisador na área de biodiversidade e biologia da conservação, já orientou, apenas do seu grupo de estudos, seis dissertações de mestrado, duas de doutorado e várias monografias no terreno que pertence ao Jardim Botânico, que é um fragmento de toda a mata. “Não temos autorização para acessar as outras áreas. Sou totalmente favorável a esta transformação da APA em uma área de proteção integral, que é o parque. Isso porque a APA permite manejo e ação humana, enquanto o parque garante a preservação permanente.” Segundo ele, aprender sobre toda a Mata do Krambeck é conhecer mais sobre a própria cidade. “Aquela floresta, inexplorada, oferece todo um serviço ecossistêmico para o município, contribuindo para a regulação da qualidade do ar, ciclo da água e serviços de regulação climática.”
Biodiversidade a ser desvendada
Outra entusiasta desta possibilidade é a também doutora em Ciências Biológicas Fátima Salimena. Em 2007, ela participou de um seminário na UFJF sobre os rumos da APA Krambeck e já acompanhou inúmeras pesquisas sobre a fauna na área do Jardim Botânico. “O IEF, ao dar este passo, está ciente do desafio em conservar uma área que, até o momento, não tem sua biodiversidade conhecida e conciliar este compromisso com a abertura ao público.”
Para ela, o pouco que se conhece da floresta já mostra a riqueza de todo o espaço. “Observamos que existe um compartilhamento de espécies entre a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira, e o Krambeck, em Juiz de Fora, funciona como um corredor ecológico entre estas duas áreas, através de correntes climáticas e outros fatores.”
Mas compreender este ecossistema depende de estudos, que só serão possíveis com a abertura do parque, na sua avaliação. “A APA do Krambeck é uma floresta que assiste a cidade crescer ao seu redor, e ela guarda em seu interior respostas que são cruciais para entendermos esta relação entre o homem e a natureza. Se a gente abre a floresta ao público, de forma ordenada, nós envolvemos a sociedade na conscientização, cidadania e educação ambiental.”
UFJF quer abrir Jardim Botânico este ano
A pró-reitora de Extensão da UFJF, Ana Lívia de Souza Coimbra, disse que a universidade não foi comunicada, oficialmente, da proposta do IEF em abrir um parque limítrofe ao Jardim Botânico. Mesmo assim, ela avalia a possibilidade como positiva, assim como é a relação com o instituto. “O IEF é um parceiro e, inclusive, ocupa cadeiras nos conselhos do Jardim Botânico. O interesse é comum, que é preservar a área do Krambeck, portanto manteremos, como sempre foi, uma relação colaborativa e saudável.”
Ela também adiantou que o Jardim Botânico será inaugurado ainda este ano, pois as obras estruturais no complexo estão na reta final. Entre as intervenções ainda em andamento, estão execuções da infraestrutura básica. “Lá não tinha rede de luz, água e esgotamento, que estão sendo implantados. Além disso, terminamos agora um projeto pedagógico de educação ambiental, que vai orientar as visitas. Estamos trabalhando muito para chegar à inauguração.”
Quem confirma a informação é o vice-diretor do Jardim Botânico, Breno Motta. Ele reforça a necessidade de um compartilhamento de interesses entre o espaço e a APA Krambeck. “Cada área tem o seu limite territorial, mas se pensarmos na biodiversidade de espécies, elas não respeitam estes limites, portanto o compartilhamento de fauna e flora ocorre a todo o momento. É interessante para o Jardim Botânico fazer ações conjuntas, e, de certa forma, estamos realizando uma gestão que converse e interaja com o IEF. Isso é importante, mas de forma alguma o Jardim Botânico irá se enquadrar ao parque.” Ana Lívia e Breno também afirmam que, por enquanto, a UFJF não irá participar da consulta pública do IEF.