Hospitais são afetados por baixa distribuição de leite humano

Realocação de funcionários na unidade que prestava o serviço de pasteurização em Juiz de Fora iniciou imbróglio que diminuiu oferta do produto em instituições de saúde da cidade e da região


Por Leticya Bernadete

27/02/2019 às 06h45- Atualizada 27/02/2019 às 07h25

Foto: Marcelo Ribeiro

Instituições de saúde da região que mantinham parceria com o Banco de Leite Humano de Juiz de Fora têm sido afetadas por problemas no fornecimento de leite. O serviço, já tido como referência nacional, não está mais pasteurizando o produto na cidade desde novembro de 2018, por conta de imbróglio entre Associação Municipal de Apoio Comunitário (Amac) e a Secretaria de Saúde, o que levou os funcionários que atuavam no órgão a serem remanejados. Desde então, o leite coletado pelo Banco de Leite em Juiz de Fora tem sido enviado para processamento em Betim.

A mudança causou queda significativa na distribuição na região, já que metade do leite encaminhado fica em Betim. De um pico de 66,2 litros distribuídos em agosto do ano passado, o Banco chegou a entregar apenas sete litros em dezembro. No mesmo mês, com a paralisação do processamento, as análises feitas em Juiz de Fora zeraram, sendo que, também em agosto, chegaram a somar um total de 854. Por conta da situação, hospitais têm buscado alternativas para o problema no fornecimento para mães que não podem amamentar, como utilização de fórmulas artificiais, que tentam reproduzir o leite materno, mas não possuem os mesmos benefícios para os bebês.

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O Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus (HMTJ) é uma das instituições afetadas. A unidade funciona como posto de coleta e atuava em colaboração com o Banco de Leite Humano, único autorizado a pasteurizar o líquido na região. No entanto, com as mudanças no serviço, a instituição, que antes costumava solicitar de três a cinco litros de leite por semana, está desabastecida. Na falta do leite humano, a solução encontrada foi a utilização de fórmulas artificiais para nutrição dos bebês cujas mães não possuem condições de amamentar. “Nós tentamos estimular cada mãe a retirar para o próprio filho. Quando isso não é possível – a mãe não consegue ou não tem volume suficiente – nós colocamos a fórmula artificial”, explica Gyane Groppo Pereira, coordenadora da UTI Neonatal e Pediátrica do hospital. “São fórmulas artificiais que tentam imitar o leite materno, mas estão longe. Não têm todo benefício que o leite materno tem, mas é a saída para o bebê não ficar com fome.”

De acordo com Gyane, a Maternidade parou de pedir o produto já que, nas últimas vezes em que solicitou leite humano para o Banco de Leite, os funcionários teriam sido informados de que, como o hospital “não estava doando, então eles [Banco de Leite] não teriam como nos mandar o produto”. A partir de então, a instituição continuou com o posto de coleta, mas para o próprio uso: ou seja, da mãe para o bebê. Segundo a coordenadora, quando conseguem doação de alguma mãe, encaminham ao Banco de Leite para pasteurização. No entanto, ultimamente, tem havido baixa também na doação.

Em Juiz de Fora, a Santa Casa de Misericórdia e o Hospital Regional João Penido também possuem posto de coleta de leite humano, encaminhando as doações ao Banco de Leite para pasteurização. Em nota, a assessoria do Hospital Regional informou que o setor lactário continua recebendo o leite humano processado e que “não houve impacto que possa ser atribuído a esta questão específica.” Também por nota, a Santa Casa explicou que “apesar da quantidade de leite humano pasteurizado enviada ao hospital ter diminuído, o serviço não foi prejudicado.”

Falta de análises em JF afeta diversas cidades

Em cidades da região em que os hospitais dependiam da atuação do Banco de Leite Humano, a falta de análises para a pasteurização do leite resulta em impactos mais perceptíveis. A unidade também realizava análises de coletas de postos de Barbacena, Barroso, São João del-Rei, São João Nepomuceno e Leopoldina.

No caso da UTI Neonatal da Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei, a parceria com o Banco de Leite funcionava em uma via de mão dupla, conforme Maria Jacinta de Jesus Pereira, enfermeira do setor. Os postos coletam e encaminham o líquido para ser analisado em Juiz de Fora, e parte do leite ficava no município, enquanto outra parte era encaminhada de volta a São João del-Rei. No entanto, o posto da Santa Casa, que antes ficava com metade do leite encaminhado, agora está recebendo um terço. “O leite antes era dividido em dois: uma parte ficava em Juiz de Fora, e a outra para nós. Agora, o leite é dividido em três.”

Em São João Nepomuceno, o posto de coleta não funciona desde novembro, conforme relatou Ilva Pereira Souza do Amaral, técnica de enfermagem que atua na repartição no município. Segundo Ilva, a equipe havia recebido um comunicado informando sobre paralisação no Banco de Leite de Juiz de Fora e o remanejamento dos funcionários para outros setores. “Desde então, não tivemos nenhuma outra notícia, então está parado.”

Sem pasteurização, doações podem ser perdidas

O Banco de Leite Humano de Juiz de Fora recebeu, em 2014, o “Certificado de Excelência” do Programa Iberoamericano de Bancos de Leite Humano por seu desempenho. Na ocasião, o serviço foi contemplado com o certificado na categoria de maior destaque, “Ouro”, pelo segundo ano consecutivo. Além disso, pela parceria com outras cidades para pasteurização das doações, o banco local é tido como referência especialmente na região. Assim, a falta de análises afeta o serviço prestado. “A ausência da pasteurização na cidade dos leites doados pelas mães vem com um impacto muito negativo em toda Juiz de Fora e cidades vizinhas, porque, realmente, aqui é referência. É o local onde temos como pasteurizar e distribuir para os hospitais da região. Sem essa pasteurização, não é possível ofertar o leite doado para os bebês e esse leite pode até ser perdido”, explica a pediatra Mariângela Duarte.

De acordo com a médica, o processamento do leite pode acontecer de 24 a 48 horas, o que agiliza, de certa forma, a distribuição às UTIs Neonatais que, muitas vezes, passam por superlotação por conta da alta demanda.

“Precisamos de um Banco de Leite, porque muitas crianças podem precisar de um suporte de leite materno. Se tem mães doadoras com leite disponível para doação, mas não tem como pasteurizar esse leite, as crianças realmente não tem outra chance se não receberem a fórmula artificial, que vai garantir a nutrição, porém sem os benefícios do leite materno, que são superiores.”

A fórmula citada pela pediatra, adotada pela Maternidade Therezinha de Jesus, foi criada para medidas emergenciais e procura se aproximar o máximo possível das proporções do leite materno, segundo Mariângela. No entanto, estudos realizados comparando crianças amamentadas e as que não receberam leite materno apontam o melhor desenvolvimento imunológico das que recebem o leite humano. “Se a criança ficar internada, se está recebendo o leite da mãe – mesmo que não esteja no peito, se ela recebe via sonda ou seringa – o período de internação é reduzido, comparado com outra criança que está na fórmula”, explica. “Ela ainda tem menos incidência de displasia broncopulmonar – doença pulmonar crônica – e menos doenças nos olhos do prematuro, como retinopatia da prematuridade, uma doença oftalmológica.”

Mesmo que a tecnologia permita comparar o leite materno a fim de produzir uma fórmula infantil próxima, esta última não é a ideal, de acordo com a pediatra. As proporções de lactose, proteínas e gorduras ainda se diferenciam do leite humano. “Hoje, nós sabemos que as proteínas do leite materno têm menor peso molecular, então menor é o risco de causar obesidade, hipertensão e doenças renais crônicas. Tem ainda uma quantidade superior a qualquer outro alimento de imunoglobulina, um tipo de imunização que já vem da mãe para beneficiar o próprio bebê, tanto que a criança fica protegida por essas imunoglobulinas nos primeiros três meses de vida”, aponta.

Imbróglio teria começado com chamamento público

O problema na distribuição de leite humano começou em novembro de 2018, quando a Associação Municipal de Apoio Comunitário (Amac) precisou remanejar os funcionários que atuavam no Banco de Leite de Juiz de Fora para outras unidades gerenciadas pela instituição, por conta de um imbróglio com a Secretaria de Saúde (SS) da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). De acordo com Alexandre Oliveira Andrade, superintendente da Amac, o pagamento destes trabalhadores era custeado por meio de um convênio mantido com a Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS). Em novo chamamento público realizado pela pasta, o Banco de Leite não estava incluído, já que o mesmo era de incumbência da SS, o que teria iniciado o imbróglio.

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Volume de leite humano distribuído, por exemplo, que manteve uma média de 41 litros por mês de janeiro a outubro de 2018, caiu para 11,9 litros em novembro e 7 litros em dezembro (Foto: Olavo Prazeres/Arquivo TM)

Segundo Andrade, a Amac teria tentado negociar uma parceria com a Saúde, a fim de viabilizar a manutenção dos funcionários da associação no Banco de Leite, porém, não houve êxito. “Nós mantivemos os funcionários no Banco de Leite até outubro do ano passado, sem um amparo tanto da SDS quanto da SS. Desta forma, sem existência de recursos, não tínhamos outra maneira senão retirar os funcionários do Banco de Leite. Realmente não foi possível manter a parceria.”

Desde então, conforme dados da Rede Global de Bancos de Leite Humano, o banco de Juiz de Fora sentiu alterações em seus serviços prestados (ver arte). O volume de leite humano distribuído, por exemplo, que manteve uma média de 41 litros por mês de janeiro a outubro de 2018, caiu para 11,9 litros em novembro e 7 litros em dezembro.

A assessoria da Secretaria de Saúde informou, em nota, que o Banco de Leite foi incorporado à pasta porque seu fim tem viés de saúde pública, enquanto o estatuto da Amac tem como viés principal a assistência social. Também por nota, a secretaria explicou que a pasteurização do leite deve voltar a ser realizada na cidade ainda no mês de fevereiro. Desta forma, o Banco contará com mais leite para distribuição entre as instituições conveniadas, já que, atualmente, metade do produto enviado para processamento fica em Betim.

Em relação à Maternidade Therezinha de Jesus, a pasta informou que não é solicitado leite ao banco desde novembro de 2018. “Para o Banco de Leite disponibilizar o produto, é necessário que a instituição envie um relatório do receptor. E, como afirmado, a Maternidade não enviou nenhum relatório de receptor desde novembro.” Já sobre o posto de coleta em São João del-Rei, a pasta afirmou que o atendimento deve voltar ao normal até o final de fevereiro com o retorno da pasteurização em Juiz de Fora. Ainda conforme o texto, os atuais responsáveis pelo Banco de Leite não possuem conhecimento sobre comunicado encaminhado ao posto de São João Nepomuceno.

Tópicos: saúde

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