Psicóloga vacinada em 2000 contraiu febre amarela este ano

Nathalia Vidigal Furtado teria sido infectada em Brumadinho, para onde viajou de férias. Ela ficou três dias internada no CTI. Sobrevivente, agora luta contra as sequelas da doença


Por Daniela Arbex (colaborou Rafaela Carvalho)

27/02/2018 às 07h00- Atualizada 28/02/2018 às 14h13

Nascida em Rio Pomba, Nathalia foi vacinada contra a febre amarela em 2000, conforme indica seu cartão de vacinas

A morte de Wanderson Tassi de Paula traz à tona novos questionamentos em relação à febre amarela. Morador de uma região considerada urbana, mas com características rurais, o médico não estava vacinado. No entanto, o adoecimento de pessoas imunizadas contra a febre amarela já é uma realidade em Minas Gerais e no país. Um dos casos é o da mineira Nathalia Vidigal Furtado, 37 anos. Nascida em Rio Pomba, ela foi vacinada contra a febre amarela em 2000, conforme indica seu cartão de vacinas. Apesar disso, a mestre em psicologia clínica foi infectada com o vírus no início do ano. Ela teria sido infectada em Brumadinho (MG), para onde viajou de férias com o filho de 6 anos. Internada no Albert Sabin, em Juiz de Fora, Nathalia precisou ser levada para o CTI. Sobrevivente, ela luta agora contra as sequelas deixadas pela doença em seu organismo.

A psicóloga lembra que, quando chegou a Inhotim, em janeiro deste ano, havia distribuição de repelente na entrada do maior museu a céu aberto do mundo. Naquele momento, já havia sido registrado um caso de morte por febre amarela naquela região, o que ela ainda não sabia. Mas como o centro de arte contemporânea continuava com a programação mantida, a visitante não imaginou que houvesse risco. Não foi o que aconteceu. Mesmo vacinada contra febre amarela, há 18 anos, Nathalia foi surpreendida pelos sintomas da doença três dias depois de chegar da viagem. Em Rio Pomba, ela teve febre alta e dor de cabeça. Procurou ajuda médica, mas viu seu estado de saúde piorar, indo parar na emergência do Hospital Albert Sabin de Juiz de Fora no dia 22 de janeiro.

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Na unidade, foram detectadas alterações nas enzimas hepáticas. Nathalia precisou ser internada passando três longos dias no CTI. Os indicadores de inflamação do fígado indicavam que a taxa dela estava mais de 140 vezes maior do que o normal. Com exame positivo para febre amarela, ela percebeu que seu caso estava mobilizando o hospital. “Eu não tinha muita consciência dos riscos que estava correndo e nem da taxa de letalidade da febre amarela, mas sabia que a minha situação não era boa. Hoje, após ter deixado o hospital, ainda me sinto muito assustada. Os meus exames continuam alterados e estou muito debilitada. Eu já tinha uma dose da vacina e passei por isso. E se eu não tivesse?”, questiona.

Segundo o Ministério da Saúde, o adoecimento de pessoas vacinadas como Nathalia são casos considerados raros de indivíduos que, mesmo imunizados, não desenvolvem anticorpos suficientes para se proteger da doença. “Dados científicos mostram que cerca de 2% a 10% de indivíduos saudáveis não conseguem atingir níveis de anticorpos para vacinas de rotina, incluindo-se a vacina de febre amarela. Portanto, não existe nenhuma vacina que seja 100% eficaz, podendo, dessa forma, acontecer falhas vacinais. Cabe esclarecer que falhas vacinais podem acontecer com qualquer vacina e não só com a de febre amarela. Falha vacinal é a ocorrência de uma doença imunoprevenível em uma pessoa com vacinação comprovada.

Cartão comprova que psicóloga foi imunizada há 18 anos
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Cartão comprova que psicóloga foi imunizada há 18 anos

Existem dois fatores principais responsáveis pela ocorrência de falhas de imunização. O primeiro é relacionado à vacina, como falhas na atenuação da vacina, esquema de vacinação incompletos ou inadequados, forma inadequada de administração, ou, ainda, relacionado às condições de armazenamento que podem interferir na potência da vacina. O outro é relacionado a questões inerentes ao indivíduo que recebe a dose. A genética deste, o estado imunológico, a idade, a saúde ou o estado nutricional podem interferir na proteção, podendo ocasionar falhas de vacinas primárias ou secundárias. O primeiro descreve a incapacidade de responder a vacinação primária, o último é caracterizado por uma perda de proteção após a eficácia inicial.”

Sorologista defende revacinação

O coordenador do Laboratório de Referência Nacional de Dengue, Febre Amarela, Chikungunya, West Nile e outras arboviroses, o médico pesquisador Pedro Vasconcelos, que dirige o Instituto Evandro Chagas, em Belém (PA), afirma que estudos recentes mostram que uma única dose da vacina protege contra a reinfecção da febre amarela por longo tempo em pelo menos 80% da população. Mas sobra um resíduo de 20%.

“Escrevi um artigo recente recomendando duas doses, justamente com base em casos bem recomendados de pessoas que tiveram febre amarela, mas que eram vacinadas há mais de dez anos. Existem estudos do qual eu participei, conduzidos pela Fundação Oswaldo Cruz e Biomanguinhos, mostrando que, após seis, oito anos de vacinação, principalmente em crianças, decai muito o nível de anticorpos protetores, o que sugere uma necessidade de revacinação a partir de cinco, seis anos depois da primovacinação. Ora, se as crianças que foram vacinadas com uma dose não ficam 100% protegidas, então nada mais justo que fazer pelo menos um reforço em toda pessoa que foi vacinada, e é isso que a gente recomenda”, orienta.

A recomendação vai contra a nova orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que uma única dose é capaz de proteger o indivíduo por toda a vida. “A dose fracionada é útil e funciona, sim, mas não se sabe por quanto tempo. Os estudos a longo prazo vão demonstrar qual é a longevidade dessa proteção, se são cinco, dez ou mais anos de proteção”, insiste Vasconcelos. É importante lembrar que as doses aplicadas em Minas Gerais não são fracionadas.

Eficácia

Apesar de admitir a existência de casos de infectados entre vacinados, o Ministério da Saúde é enfático ao recomendar a vacina como a forma mais eficaz de combate a doença. “Cabe ressaltar que, independentemente da ocorrência destes casos, que são raríssimos, se comparados com milhões de pessoas que são vacinadas anualmente e desenvolvem a proteção da doença, a vacina tem se mostrado segura, com elevada eficácia não só no Brasil como no mundo. Destacamos que a recomendação de dose única é adotada não só no Brasil, mas em todos os países do mundo, a partir da recomendação da OMS. A vacina de febre amarela é segura e eficaz e proporciona imunidade de 90% a 98%”, apontou o Ministério da Saúde.

O assessor científico sênior de Bio-Manguinhos/Fiocruz, Akira Homma, admite que há uma faixa de pessoas que ficam desprotegidas mesmo tendo sido imunizadas, mas defende a vacina como o melhor método de prevenção da doença. “Aqueles que tomaram a vacina e contraem a doença não a desenvolvem de forma grave como aqueles que contraem a doença sem terem sido vacinados. A melhor forma de evitar novos casos de febre amarela é vacinar 100% da população. É preciso desenvolver novas estratégias para convencer aquela população que ainda recusa a vacina a se vacinar, pois a imunização é o melhor método de prevenção.”

 

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Inhotim diz garanjtir medidas preventivas para combater a doença

Em relação ao caso da psicóloga que teria sido infectada com febre amarela em Brumadinho, a assessoria de comunicação do Instituto Inhotim encaminhou nota à Tribuna, com o seguinte esclarecimento:

O Inhotim comunica que não foi identificado nenhum caso de febre amarela no Instituto e que está tomando todas as medidas preventivas necessárias para combater a doença. Em parceria com a Secretaria de Saúde e Vigilância Sanitária de Brumadinho, o Instituto realizou uma campanha de vacinação e divulgação de informações para funcionários. Além disso, o Instituto tem uma equipe que faz o monitoramento rigoroso diário de animais. Até o momento, não foi identificado nenhum caso de contaminação. Também não foi identificado no Museu nenhum mosquito transmissor pela equipe de zoonose de Brumadinho.

Como medida preventiva, o Instituto está disponibilizando repelentes e exigindo a apresentação do cartão de vacinação dos visitantes, a fim de comprovar que se imunizaram contra a febre amarela há no mínimo dez dias. A medida foi adotada em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, para conscientizar os visitantes sobre a importância de se vacinar contra a doença.

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