Superlotado, Ceresp enfrenta até falta d’água


Por Michele Meireles

27/01/2017 às 07h00- Atualizada 01/02/2017 às 14h46

(Foto: Leonardo Costa)
Comissão de Segurança da Câmara fez visita minuciosa no Ceresp e vai encaminhar relatório com todos os problemas encontrados e reclamações para autoridades do Município e do Estado (Foto: Leonardo Costa)

Um quadro preocupante foi encontrado ontem no Ceresp pela Comissão de Segurança da Câmara Municipal, que visitou a unidade. A Tribuna acompanhou a visita, que durou mais de duas horas, nas quais todos os pontos da cadeia foram percorridos. Os principais problemas encontrados são de infraestrutura, que afeta diretamente o trabalho dos agentes penitenciários e deixa os presos em situação quase subumana. Para se ter ideia da situação, celas projetadas para abrigarem seis internos estão com 20. Falta água para os detentos e materiais de trabalho para os servidores – eles não dispõem nem mesmo de rádio-comunicadores. Para o vereador Charlles Evangelista (PP), integrante da Comissão, o quadro torna o Ceresp “uma bomba-relógio”.

Os vereadores estiveram na prisão acompanhados da Comissão de Direitos Humanos da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) e por representantes da Associação do Sistema Socioeducativo e Prisional de Juiz de Fora. A visita acontece dez dias após um tumulto que deixou sete presos feridos no local e foi acompanhada por representantes da unidade. O foco principal foi checar as condições de trabalho dos agentes penitenciários. Um relatório de tudo que foi constatado, não só no Ceresp, mas em todas as outras prisões que foram visitadas, será encaminhado a autoridades municipais e estaduais, a fim de buscar melhorias.

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Superlotação

Foram verificados todos os espaços da unidade prisional, desde a guarita de entrada até as torres, passando pelo canil, oficinas de trabalho dos presos, galerias e pátio, refeitório dos agentes, sala de inspeção – onde passam todos os detentos que entram e saem da unidade, área de saúde e parte administrativa. “A situação chega a ser assustadora. É uma estrutura construída para abrigar cerca de 350 presos e hoje são quase mil. Os agentes trabalham de forma precária, com alojamento depredados, a situação é muito ruim. Isto parece uma bomba-relógio: os agentes tem que ficar o tempo todo vigiando para a situação não sair de controle”, disse Charlles Evangelista.

Nas galerias onde ficam as celas dos detentos, a situação é crítica: há algumas onde o número de presos passa de 20, em um espaço de cerca de 12 metros quadrados. Nas celas, ainda há o espaço de uma fossa e de três beliches de alvenaria. Sobra um pequeno espaço para eles se moverem.

Durante a visita, os detentos reclamaram com os integrantes da Comissão e com a Tribuna sobre a falta de água. Para estocar o líquido que é utilizado durante o dia, os presos colocam a bebida em garrafas pet e as deixam nos espaços entre as barras de ferro das grades. O problema ocorre porque a caixa dágua é compatível com a lotação de pouco mais de 300 internos. “O que mais preocupa é a situação da água. No caso de falta, pode causar algum tumulto que vai gerar todo um problema dentro do Ceresp. Além da situação física que dificulta o trabalho dos agentes, verificamos um déficit grande destes profissionais, o que se agravou com as demissões dos contratados no final do ano passado”, disse o presidente da Comissão de Segurança da Câmara, sargento Mello Casal (PTB), destacando que, mesmo com as dificuldades encontradas, os diretores e agentes conseguem fazer funcionar com segurança o espaço.

Condições precárias levam servidores a atuar no limite

De acordo com a Associação do Sistema Socioeducativo e Prisional de Juiz de Fora, há déficit de agentes nas unidade prisionais de Juiz de Fora. Além de trabalharem no limite, os servidores estão precisando de materiais básicos para o desempenho de suas funções, o que consequentemente impacta na segurança dentro da cadeia. Conforme o presidente da entidade, Wanderson Pires, são necessários mais coletes balísticos, armamentos e munições. Segundo ele, cerca de 70% dos rádio-comunicadores usados pelos agentes para a comunicação interna são comprados com o dinheiro deles, já que o Estado não estaria fornecendo o material.

Apesar de a direção da unidade estar fazendo obras para melhorar a estrutura do Ceresp, a Comissão de Segurança da Câmara constatou que há apenas dois chuveiros para 195 guardas que trabalham na unidade. Alguns deles, fazem plantões de 24 horas. Nas torres, não há banheiros adequados. Os agentes usam um vaso sanitário que tem apenas um muro baixo em volta, e que fica ao lado do local em que eles se alimentam. As escadas que dão acesso ao ponto mais alto do presídio são de ferro, alguns degraus estão danificados e podem causar acidentes. Além disso, os alojamentos usados pelos servidores são precários. “Este é o nosso dia a dia, convivemos com esta precariedade o tempo todo. Sem dúvidas isso reflete dentro das celas. Como vamos ajudar a ressocializar se nós estamos sem o psicológico adequado. É muito importante que o Estado olhe para nós. Neste quadro tenso que vivemos, ainda tivemos demissões dos agentes contratados, exatamente em um momento em que deveria haver mais profissionais. Os concursados deveriam ter vindo para somar com os que já estavam aqui. Estamos reivindicando exatamente como forma preventiva, para não ocorrer aqui em Juiz de Fora o que está acontecendo no restante do país,” destacou Pires.

Melhoria para agentes é essencial

Um dos membros da Comissão de Segurança e Direitos Humanos da OAB, o advogado Henrique Soares de Siqueira, disse que a situação crítica das cadeias já era de conhecimento da entidade. “Conhecemos bem o sistema prisional de Juiz de Fora. Para nós, hoje, o mais grave é a situação dos agentes, a carência que têm de pessoal e de material para trabalho. Hoje nos abstemos de entrar nas galerias e focamos na situação dos agentes. Acreditamos que melhorando as condições dos servidores, melhora também a condição dos presos, já que diminui a tensão entre eles. Quando falta estrutura para os agentes, o detento sabe que ele não está nas condições de manter a ordem”, disse.

Ainda ontem, a Comissão de Segurança da Câmara esteve na sede da escolta dos agentes, na Penitenciária Ariosvaldo Campos Pires, na Penitenciária José Edson Cavalieri e no Hospital de Toxicômanos Padre Wilson Vale da Costa. “Nestes locais, a situação dos agentes também é crítica. O pior local é a Penitenciária José Edson Cavalieri, o alojamento dos agentes é um porão, não tem segurança nenhuma para trabalharem. A situação é de abandono e de total descaso com os agentes”, comentou, destacando que as visitas continuam na próxima semana. Eles irão no Centro Socioeducativo, no Bairro Santa Lúcia, e no Albergue, no Centro.

Secretaria diz que água atende demanda

Por meio de nota, a Secretaria de Administração Prisional (Seap) informa que a direção do Ceresp foi comunicada previamente e acompanhou a visita ontem. Quanto à água, a pasta afirma que “a distribuição na unidade, embora racionada como forma de evitar o desperdício, atende às necessidades da unidade prisional. É importante salientar que a água potável, própria para beber, fica armazenada nas celas”. Já com relação ao efetivo de agentes, a informação da Seap é de que “foram nomeados e estão tomando posse os agentes de segurança penitenciários (ASP) aprovados em concurso público. Do total de 6.436 candidatos aprovados na seleção, o Governo do Estado já nomeou 1.632, que estão assumindo os cargos nas unidades prisionais do estado. Os agentes contratados, atualmente na ativa, que não prestaram concurso ou não foram aprovados no exame, terão os contratos rescindidos por questões legais.” Quanto à falta de material para os agentes, a informação é de que a secretaria “está providenciando uma vistoria no local a fim de aferir a procedência das informações, para subsidiar as ações necessárias”.

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O órgão afirmou ainda que não pode confirmar o total de presos no Ceresp: “a Seap não confirma lotação de regiões específicas por razões de segurança. A superlotação é uma realidade em todo país. Em Minas Gerais, a Seap está realizando esforços no sentido de minimizar a realidade por meio de ações como a disponibilização de novas vagas em 2017. O Governo de Minas, por meio da Seap, vai inaugurar quatro unidades prisionais, o que resultará na criação de 1.120 vagas.”

Impressões sobre uma visita

Depois de quase seis anos fazendo reportagens na área policial e vivendo de perto a rotina da Polícia Civil e da Polícia Militar, cobrindo casos de mortes, roubos, acidentes, entre outros, entrei pela primeira vez em uma unidade prisional. Minha apreensão maior era ver de perto as celas e as condições dos presos, além da rotina no cadeião. Para entrar no Ceresp, precisei vestir uma camiseta masculina emprestada por um dos agentes, já que a blusa que eu usava era considerada “inadequada” para a visita.

Durante todo o tempo, desde que me deparei com o primeiro detento, o que mais me chamou a atenção foram seus olhares. Muitos dos que estavam executando os serviços de manutenção da cadeia ou trabalhando nas oficinas – estes são escolhidos para tais funções obedecendo vários critérios – tinham os olhos baixos, envergonhados. Já nas celas, eles nos olhavam nos olhos, fixamente. Alguns pareciam pedir socorro por estarem naquelas condições, outros, pareciam que queriam demonstrar algum poder e causar temor.

Quando olhei para dentro da primeira cela que vi, pela primeira vez na vida, pensei a que ponto pode chegar a degradação humana. Pareciam bichos jogados à própria sorte. Todos sentados com as mãos abraçando os joelhos e de costas para a grade, um local totalmente insalubre, escuro e com um cheiro que nunca mais vou me esquecer. Vou dormir por muitos dias pensando em como 20 homens descansam em um espaço de 12 metros quadrados, em como sobrevivem ali sem o mínimo. Desde então, não sai da minha cabeça uma pergunta: como tantos retornam à criminalidade após passarem por ali? Como correm o risco de voltar para um inferno como aquele?

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