Juiz-forana relata momentos de tensão em meio a pandemia na África

Casal mineiro que viaja pelo mundo há mais de três anos chegou a ter passaportes confiscados na Costa do Marfim


Por Sandra Zanella

26/03/2020 às 18h23

Sabrina e Henrique estão viajando há mais de três anos e meio (Foto: Arquivo pessoal)

A jornalista juiz-forana Sabrina Chinelato, 27 anos, não poderia imaginar que uma pandemia fosse atrapalhar seus planos de percorrer os extremos do mundo de carro. Ela e o companheiro, o economista Henrique Fonseca, natural de Caratinga (MG), estão viajando há mais de três anos e meio. Depois de explorarem as Américas e a Europa, foram para a África, onde estão há quatro meses. No entanto, desfrutar as belas paisagens e conhecer a cultura de muitos países invisibilizados transformou-se em medo nos últimos dias. Com o avanço do novo coronavírus (Covid-19) em continente africano, os estrangeiros passaram a ser vistos como uma espécie de ameaça. Em entrevista à Tribuna nesta quinta-feira (26), Sabrina contou como estão sendo os momentos de apreensão na Costa do Marfim e falou das expectativas de retorno ao Brasil, mesmo diante de fronteiras, estradas e aeroportos fechados no país africano, que também decretou toque de recolher.

Enquanto conversava com a reportagem, a jornalista foi surpreendida por uma nova visita policial no acampamento particular onde estão 17 pessoas, de várias nacionalidades, incluindo mais três brasileiros. Desta vez, no entanto, não tiveram seus passaportes confiscados e nem foram ameaçados de uma internação compulsória em hospital para quarentena, como ocorreu na quarta. Para alívio, foram informados que seriam encaminhados sob escolta para outra cidade, onde receberiam apoio da Embaixada brasileira. A boa notícia veio depois de um forte apelo nas redes sociais, sobretudo no Instagram, onde o casal posta as viagens no perfil “terraadentro”. “Era o mesmo grupo (policial) de ontem. O embaixador aqui da Costa do Marfim está nos dando suporte e, junto com as outras embaixadas (representantes dos países de origem) do grupo que estamos, da Espanha, França, Alemanha, Holanda e Reino Unido, está trabalhando para conseguir um salvo conduto para a gente chegar até a capital. Vão nos receber até conseguirmos um voo de repatriação”, informou ela por volta das 15h, horário de Brasília. “Essa é a situação no momento, depois de muita discussão o dia inteiro. As autoridades daqui ficam mudando de ideia. Estamos ainda no acampamento, aguardando para conseguirmos chegar em segurança até a capital.”

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Questionada pela Tribuna sobre a situação do casal mineiro, a assessoria do Itamaraty informou estar tomando as medidas necessárias para manter os brasileiros em segurança, mas não divulgou quando será possível o retorno de Sabrina e Henrique ao Brasil. “Temos conhecimento do caso específico. A Embaixada está tomando providências para o translado dos brasileiros até Abidjã e reserva de hospedagem naquela cidade.”

O Itamaraty acrescentou que, com o apoio da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e do Ministério do Turismo, já atuou para possibilitar o retorno, até o último dia 25, de mais de 6.700 brasileiros ao redor do mundo. “Estamos buscando alternativas para viabilizar o retorno de todos os brasileiros retidos no exterior.”

Acampamento montado na Costa do Marfim (Foto: Arquivo pessoal)

‘Pior de tudo está sendo a hostilidade’

Também atuando com fotografia documental, o casal estava em Guiné-Bissau, na costa atlântica ocidental da África, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia do novo coronavírus, no último dia 11. “Mesmo assim a gente não tinha nenhuma previsão de fechamento de fronteiras, de aeroportos, de ‘lockdown’. Não imaginávamos que iriam acontecer todas essas medidas. Seguimos viagem para Guiné-Conacri, que é um país vizinho bem politicamente instável, e ficamos só quatro dias. Antes de cruzarmos para a Costa do Marfim, a situação foi se tornando cada dia mais crítica, aparecendo casos (de coronavírus) em outros países africanos”, conta Sabrina.

Com as ameaças de fechamento de fronteiras e toques de recolher, Sabrina e Henrique já começaram a pensar na real possibilidade de ficarem presos num local sem estrutura, como Guiné-Conacri, e decidiram ir para a Costa do Marfim. “Entramos em um momento em que estava permitida a chegada de qualquer turista que viesse de país com menos de cem casos de Covid-19. Então fomos autorizados e nos dirigimos a um terreno em frente à praia, na região de Sassandra, de propriedade de uma alemã, que participa de grupos de viajantes e ofereceu o local para quem quisesse ficar até tudo passar.”

No trajeto, o casal mineiro também foi se unindo a outros estrangeiros. “Tem 17 pessoas aqui no acampamento. Somos cinco brasileiros.” Com o passar dos dias, no entanto, a tensão foi aumentando. “A situação na Costa do Marfim foi ficando mais rígida desde que chegamos. As fronteiras e os aeroportos fecharam logo em seguida, e não tivemos tempo para ir embora. Agora as estradas também fecharam, e o Governo decretou o toque de recolher. Estamos presos neste acampamento”, lamentou, antes da nova possibilidade vislumbrada com apoio da Embaixada brasileira.

Água a 1km
Para Sabrina, a parte mais difícil não está sendo a ameaça do vírus e nem a precariedade para conseguir alimentos e se hidratar. “Não tem eletricidade e precisamos andar quase um quilômetro para buscar água na vila. Também é difícil comprar comida, porque a gente não pode sair. Está sendo um desafio, mas o pior de tudo é a hostilidade das próprias autoridades e também da população em relação a nós.”

O preconceito ficou evidenciado quando o casal conseguiu sair para fazer compras na semana passada. “Ouvimos muitas pessoas falando ‘corona’ contra nós, estrangeiros. Talvez, na cabeça delas, estaríamos transmitindo o vírus.” O incômodo passou a se transformar em temor quando o grupo teve passaportes confiscados. “Chegaram quase 30 pessoas, autoridades do Exército, Polícia, Prefeitura e Saúde. Alguns estavam nervosos. Disseram que iriam nos colocar em um hospital de quarentena. E sem o menor sentido, porque todos nós viemos de países com pouquíssimos casos. Estamos na mesma situação de qualquer local e também em isolamento. De qualquer forma, fizeram essas ameaças e pegaram nossos passaportes sem nosso consentimento. Ficaram o dia inteiro com eles. Só à noite que o marido da alemã, que é local, conseguiu recuperar nossos documentos.”

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Com a expectativa sinalizada pela Embaixada brasileira de serem repatriados, Sabrina já pensa em deixar na África o carro usado na viagem, uma Land Rover Defender 110, batizada de Mochileiro “até que toda essa situação passe e o mundo volte ao normal e tudo se regularize para a gente continuar a viagem”, disse a jornalista, na esperança de que a Covid-19 não seja o ponto final na aventura iniciada em 9 de outubro de 2016 . Os detalhes da viagem podem ser conferidos no https://www.terraadentro.com.

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