Pesquisa relaciona criminalidade com falta de infraestrutura
Duas professoras de direito da Faculdade Doctum, a mestre em ciências jurídico-comunitárias Ássima Casella e a advogada criminalista e mestre em ciências sociais Letícia Delgado, estão desenvolvendo um estudo para comprovar a relação entre a ausência de infraestrutura adequada, dentro de um programa habitacional, com a criminalidade crescente. O levantamento é feito a partir dos casos de violência que ocorrem dentro do condomínio Parque das Águas, do programa Minha Casa, Minha Vida. Lançada em julho de 2012, a área no Bairro Monte Castelo, Zona Norte, abriga 565 casas, cujas famílias, de baixa renda, foram selecionadas a partir de sorteio. Formada por homens e mulheres oriundos de diversos bairros da cidade, o Parque das Águas é palco de violência desde a entrega das chaves. Ocorrências policiais são registradas com frequência no condomínio, e, conforme o banco de dados da Tribuna, 14 homicídios já ocorreram no local, sendo que em cinco as vítimas eram menores de idade. Todos os casos estão relacionados a rixas entre grupos rivais e conflitos familiares.
O objetivo das pesquisadoras é dar voz aos moradores e compreender a percepção deles diante dos problemas enfrentados no condomínio, tanto pela ausência de infraestrutura adequada como pela criminalidade. “Esta relação não é uma característica exclusiva de Juiz de Fora. Durante nossa pesquisa, nos deparamos com uma urbanista, de São Paulo, que relata problemas semelhantes ao enfrentado em nossa cidade, guardadas as devidas proporções. Estas famílias recebem a moradia – que é o sonho delas -, mas os direitos sociais não vêm na mesma proporção. Uma das questões que chegamos a conclusão foi justamente esta, que a violência pode vir desta ausência”, disse Ássima.
Estudo teórico
Segundo Letícia, a relação entre ausência de infraestrutura adequada com violência foi identificada de forma teórica. O conceito, conforme ela, parte da ideia de que a cidade é o espaço de desenvolvimento da cidadania. “Você se apropria da cidade, através dos instrumentos que ela oferece, como educação, saúde e transporte. Mas quando a pessoa não se sente capaz de acessar esses bens, ela a faz por meio da violência, que pode ser uma forma de a comunidade se apropriar do espaço público”, disse a pesquisadora, reforçando que esta é uma hipótese a ser comprovada no trabalho de campo, que terá início este ano. “O Parque das Águas é apenas um exemplo, pois esta situação se repete na maioria dos empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida, construídos em áreas periféricas, com valor baixo da terra e sem infraestrutura.”
Violência silencia moradores de bem
Outro objetivo do estudo é jogar luzes a boas iniciativas que podem vir a existir dentro do condomínio, pois ambas as pesquisadoras partem do pressuposto que os crimes, embora sejam os relatos mais evidentes, sejam praticados por uma minoria que silencia os demais. A advogada criminalista e mestre em ciências sociais Letícia Delgado estima que muitos moradores, que não compactuam com o que acontece, tenham receio de se expor. “Muitos, inclusive, abandonam a moradia e vão morar em outro lugar. Estas são pessoas que, por muito tempo, tentaram conviver com a ausência do Poder Público em troca do sonho da casa própria, mas acabaram desistindo.” MPF Além da violência, há graves problemas estruturais. Nos últimos anos, a Tribuna relatou casos como destelhamentos, escorregamentos de talude e infiltrações nas moradias. Uma ação civil pública, de 2015, proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), investiga estes casos e tenta apontar as devidas responsabilidades. Esta situação foi, inclusive, uma das razões apontadas pelas estudiosas para iniciar o projeto. Letícia reforça que o objetivo não é denunciar o Parque das Águas e nem as políticas públicas habitacionais. “Nossa intenção é perceber como estas pessoas sentem este descaso.”