Primavera das redes
Se em outros tempos sutiãs foram queimados e seios foram expostos, hoje – apesar da atual, constante e necessária luta nas ruas – as mulheres estão utilizando mais um espaço como local de afirmação de seus direitos, sua integridade e contra o machismo e a violência. No Dia da Não Violência Contra a Mulher, celebrado nesta quarta-feira (25), centenas de milhares de postagens no Facebook e no Twitter denunciaram casos de machismo, misoginia e violência contra a mulher utilizando a hashtag #meuamigosecreto, em menção a homens de seu convívio que praticam tais atos no cotidiano. Para a psicóloga Sara Reis, 25 anos, que participou das postagens, a iniciativa é importante porque lança holofotes para o machismo, tido como socialmente aceito e “normal” em várias atitudes cotidianas. “Acho que faz com que tire a ‘naturalização’ do comportamento abusivo. É como se fosse um alerta de ‘olha, isso que você faz é comum, mas não é normal. Não está tudo bem’. Acho que funciona tanto para o homem que é abusivo e ‘não percebeu’, quanto para a mulher que talvez nunca tenha percebido o quanto se sente constrangida com algumas coisas”, opina.
A professora Daniele Barbosa, 33, também se engajou na campanha, denunciando : “#meuamigosecreto acha muito engraçado dizer que seu filho vai ‘namorar’ todas as filhas dos seus amigos. Adora falar que ele é ‘consumidor’ e, os pais de meninas, ‘fornecedores’.” Para ela, mãe da pequena Marina, de 3 meses e meio, a campanha é importante porque permite que as mulheres, que normalmente temem ou se sentem constrangidas em manifestar suas opiniões a respeito, possam se posicionar sobre os abusos sofridos no cotidiano. “Acho que isso pode ter um impacto muito positivo para futuras gerações. Tudo que falo e faço é pensando no mundo em que a Marina está chegando, por isso acho essencial essa mobilização, quero que ela saiba, quando crescer, sobre a importância de se manifestar, se posicionar.”
Para a pesquisadora Alice Bettencourt, 27, é importante destacar o “efeito cascata” que campanhas como esta possuem, de dar empoderamento às mulheres por meio do depoimento de outras, e assim por diante. “Ainda falamos muito pouco sobre isso. Durante séculos silenciadas, muitas mulheres têm dificuldade ainda de dizer para todo mundo coisas que as incomodam. Com uma campanha coletiva, o relato de uma encoraja a outra. E achei uma provocação interessante,que mostra que todos nós ainda temos muitos preconceitos para desconstruir.”
Carapuça que serve
Tanta adesão nas redes sociais não tem passado incólume. Segundo a empresária Maruscka Grassano, 29, as postagens mobilizaram parte de sua lista de amigos. “Na primeira, recebi mensagens inbox e no WhatsApp de pessoas diferentes pra saber se eu estava falando de fulano ou de ciclano, alguém em específico…até um amigo perguntou se era dele. Não era, mas falei que, se ele achou isso, é porque a carapuça serviu, e ele devia vestir”, conta. Em sua timeline, Alice Bettercourt observou diferentes reações aos amigos secretos. ” Tenho visto muitas mulheres e homens curtindo. Mas também vi homens postando que estão incomodados, ou que se sentiram ofendidos, e alguns dizendo que acham que é ‘coisa de mal amada’. Se está incomodando os homens, então a campanha está tendo o efeito desejado, é pra fazer as pessoas saírem da zona de conforto mesmo, refletirem. Acho que muitos não estão gostando porque estão se identificando nos relatos. Mas precisamos admitir que nossa cultura é machista e que reproduzimos isso”, opina a pesquisadora.
No Facebook de Sara Reis, a maioria das curtidas para as postagens da iniciativa é de pessoas que já possuem afinidade à causa, mas ela considera toda adesão uma conquista. “Fico feliz quando tem um cara hétero ou uma menina menos engajada que curte, acho que o trabalho de mobilização é de formiguinha mesmo, um de cada vez, passo a passo.”
Vozes que partem da sociedade
Para a publicitária Amanda Messias, 27, é importante que esta discussão seja fomentada nas redes sociais, principal espaço de informação e entretenimento da sociedade nos dias atuais. “Por isso é preciso discutir nesse ambiente temas como o machismo, o feminismo, a violência contra mulher. A informação é a maior arma de mudança, sim. As coisas que são ditas nas redes se tornam os assuntos dos ônibus, das filas, da hora do almoço. Não tem impacto maior que esse, é o que a televisão fazia antigamente.”
Segundo a chefe de gabinete da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência, Juliana Bueno, órgão que fomentou a campanha em suas publicações, iniciativas recentes nas redes como #meuamigosecreto, #meuprimeiroassédio e #agoraéquesãoelas são primordiais para a elaboração de políticas públicas alinhadas às demandas das mulheres. “São mobilizações que partem diretamente da sociedade, não vêm de ações educativas do Governo. São denúncias públicas de quão nocivos estes comportamentos são e empoderam as vítimas dessas revelações que sofrem cotidianamente com violência, machismo, assédio, em diversos ambientes. Por meio destas campanhas, aumenta-se o princípio da participação social. O que estas mulheres estão fazendo é escancarar a existência de diversos problemas e colocando estes assuntos em discussão, criando espaços, formais ou não, de educação para os direitos das mulheres e os direitos humanos em geral.”