Jovens mudam de cursos atrás de suas vocações
Especialista diz que desconhecimento tem levado estudantes a se equivocarem nas escolhas
Aos 18 anos de idade, o estudante Vítor de Assis Almeida conquistou uma vaga no curso de Medicina da UFJF pelo Pism. Hoje, aos 24, já não está mais no curso, que é um dos mais disputados nas universidades do país. Ao chegar no oitavo período da graduação, o jovem resolveu trancar a matrícula por entender que sua escolha tinha sido equivocada. Sem temer os julgamentos, Vítor seguiu o caminho pelo qual sua vontade o conduzia. O antes estudante de Medicina agora cursa o terceiro período de Educação Física. A decisão do aluno, apesar de parecer incomum, tem ocorrido cada vez com mais jovens que entram muito cedo nas instituições de ensino superior e se deparam com profissões com as quais não se identificam, precisando recomeçar a vida acadêmica em outra graduação.
Vítor explica que havia escolhido a Medicina por uma “dívida de gratidão”, já que os consultórios médicos eram rotina em sua infância devido a problemas respiratórios e a um braço cinco vezes fraturado. “Os médicos representavam um alívio para mim.” Para o estudante, escolher ser médico não era algo difícil, porém, a profissão exige muito estudo e, dependendo da especialidade, os plantões são exaustivos, o que nem sempre é lembrado na hora da escolha. “Acho que isso foi uma falha minha. Eu estava em um bom colégio, tinha condições de fazer uma boa prova, então não pesquisei muito, não foi algo que chegou a me incomodar. Mas isso, de certa forma, me prejudicou, porque, no início da faculdade, era legal, mas depois fui realmente percebendo as particularidades da profissão, do dia a dia de um médico.”
A psicopedagoga Eliani de Lima Villas Gomes observa que o caso de Vítor é mais comum do que se pensa. Para ela, o desconhecimento também faz parte do processo de escolhas equivocadas. “As informações que a maior parte das pessoas tem é de senso comum. O jovem cresce com pré-conceitos.” Ela diz que os estudantes podem se perder em meio a tantas informações que circulam, inclusive pela internet, e não conseguem saber, de fato, como atua aquele profissional em seu campo de trabalho.
‘É isso que eu quero fazer?’
A pergunta “é isso que eu quero fazer?” começou a rondar os pensamentos de Vítor quando ele iniciou os estágios de urgência e emergência no Samu. Lidar com situações de crise e ver de perto o sofrimento de vítimas e familiares o fez repensar sua escolha. Em um período de greve da faculdade, e, posteriormente, de congelamento da matrícula, Vítor teve tempo para refletir sobre a profissão. Ele se dedicou ainda mais aos estudos, para tentar encontrar alguma área que o interessasse mais, porém, quando voltou às aulas, constatou que a Medicina não era o que o fazia feliz. “Chegou certo momento que vi que eu não estava realizando aquilo de uma forma natural, estava fazendo com uma grande responsabilidade, com um peso nas costas e mais pelo medo de fazer algo errado, de cometer algum erro médico do que realmente estar gostando de estar ali. Eu não estava lidando bem também do ponto de vista psicológico com a questão do sofrimento humano, de estar diariamente vendo as situações de angústia dos pacientes, e as limitações de material, de equipamento…”
Antes da decisão, ele procurou orientação de professores, psicólogos e amigos. A reação dos familiares e amigos de Vítor foi quase unânime: “A maioria das pessoas falava que era para eu continuar. ‘Ah, termina o curso, depois você vê o que você faz’, alguns eram mais incisivos e diziam ‘Você vai se arrepender, essa é a pior decisão da sua vida’. Eram pouquíssimos aqueles que me incentivavam diante das conversas que tínhamos.”
Mesmo diante de pouco apoio, ele optou por aquilo que trazia tranquilidade à consciência. Trancou o curso de Medicina. Ele diz que é muito questionado de porquê não trabalhar no ramo de medicina esportiva, e a explicação é sucinta. “O foco é outro. Um professor me disse ‘Medicina é um curso da doença, não é um curso da saúde’, e de fato a gente está lá para pensar em um diagnóstico e tratamento. É lógico que temos noções de prevenção e promoção da saúde, mas o foco principal, o papel do médico, na maioria das suas atuações, é no processo saúde-doença, e na medicina esportiva não é diferente. O que eu de fato queria era trabalhar com promoção da saúde, com prevenção, com treinamento esportivo, não era o foco da Medicina.”
A entrada na Educação Física foi um processo natural para Vítor diante da paixão pelos esportes. E, apesar de se dizer feliz e tranquilo, faz críticas ao sistema de ensino das universidades. “Não é a faculdade que vai te fazer um bom profissional, é de fato aquilo que você busca, aquilo que fizer com dedicação para ser um profissional diferenciado. Mas estou ciente e sempre com o pensamento muito crítico de que o sistema de universidade e faculdade é algo que não funciona bem e que a gente acaba tendo que passar por situações que não contribuem para nossa formação.”
Quando um caminho leva ao outro
Caminhos cruzados também levaram a estudante Monique Bonfante, 28, a encontrar a carreira que ela sempre quis, a de engenheira civil. Há oito anos, iniciou o curso de Comunicação Social. Ela escolheu a área, pois sonhava ser cineasta: “Eu queria trabalhar com audiovisual, com filme, produção. E escolhi Comunicação, pois era um curso que tinha em Juiz de Fora e poderia me proporcionar seguir com este foco.” Ela diz que já tinha uma noção de como era o curso de Jornalismo, já que optou por esta habilitação. “Até gosto muito da profissão, sou apaixonada por ela.” No entanto, Monique passou a perceber que não se sentia mais satisfeita no curso quando constatou que “não havia um mercado sólido em Juiz de Fora” na área almejada e teria que se mudar da cidade para atuar no ramo, ou empreender. Ela diz que a desistência da habilitação, na qual permaneceu por dois anos, aconteceu de forma natural e também por motivos financeiros.
Após desistir do Jornalismo, a estudante ingressou no curso de Design de Interiores, com duração de quatro períodos, motivada por um tio bem-sucedido na área. Neste, ela se formou, e, foi por meio do curso, que conheceu a Engenharia Civil, ramo que já admirava. Apesar de ter sido aprovada no vestibular de Arquitetura da UFJF, ela resolveu que iniciaria o curso de Engenharia Civil em outra instituição, aos 23 anos. “Foi aí que eu descobri realmente a minha profissão, o meu sonho. Foi a melhor decisão que eu tomei na minha vida, não me arrependo em nenhum momento”, conta a quase engenheira, que faz estágio na área e que recebe o tão sonhado diploma em julho deste ano. Ela ainda acrescenta que está muito realizada, já que, em seu atual ramo, há diversos nichos de atuação. Ela garante que a Comunicação Social e o Design de Interiores foram etapas que a ajudaram, de alguma forma, em sua atual carreira.
A contramão
Fazendo o caminho oposto de Monique, Pedro Sarmento, 21, deixou a Engenharia Civil para iniciar Jornalismo. A vontade de sair da Engenharia surgiu há cerca de um ano e meio. “Quando cheguei nas matérias mais específicas, percebi que não me adaptava bem. Eu não estava me identificando com o curso da maneira que eu esperava.” Pedro recebeu o apoio dos pais para fazer a mudança, apesar de terem ficado surpresos em um primeiro momento. “Sem o apoio dos amigos e da família fica muito difícil a pessoa tomar um tipo de decisão dessa.” Ele diz que havia optado pela primeira graduação porque tinha um bom desempenho em exatas na escola. “Eu não posso fazer Engenharia por simplesmente gostar de matemática, do mesmo jeito que eu não posso fazer Direito e Letras por gostar de português. São parâmetros completamente diferentes na faculdade e no ensino médio, e eu só pude perceber isso lá dentro”. Pedro diz ter feito um teste vocacional no último ano do ensino médio, que não apontou para a Engenharia, mas devido às boas recomendações, resolveu ingressar no curso.
A escolha pelo Jornalismo se deu por causa da paixão antiga por esportes. Do início da nova caminhada e olhando para o futuro, Pedro espera passar pelo curso absorvendo tudo o que puder. “Quero colocar em prática da maneira que eu sempre sonhei, com esporte, trabalhando com isso. Espero aprender muito e estou muito ansioso”, diz, animado, o estudante que iniciou o primeiro período de Jornalismo neste semestre.
Fatores que levam à frustração com o curso escolhido
A psicopedagoga Eliani de Lima Villas Gomes pondera que diversos fatores podem frustrar as expectativas que os jovens nutrem com relação à carreira. A influência da família, que não permite que escolha aquilo que ele tem vontade é um destes fatores. A pouca experiência aliada às muitas opções de cursos também pode influenciar negativamente na decisão. Muitas vezes, o estudante não possui orientação e fica perdido com a variedade de opções possíveis.
Mas a psicopedagoga destaca dois fatores. O primeiro é o imediatismo. “O jovem quer logo ver a prática do curso, o que, no geral, vai acontecer mais para o final, quando se iniciam os estágios. Há um tempo para obter resultados do curso, não só para absorver conhecimento, mas para conseguir um lugar no mercado de trabalho.” E também o fator financeiro. “Ao adentrar em um curso pensando apenas no quanto vai ganhar, esse estudante esquece que a satisfação e o prazer por aquilo que se faz são essenciais para seu bem-estar. Você precisa ter um outro lado seu, além do financeiro, preenchido. Se você está desempenhando uma função que não te faz feliz, de que adianta o dinheiro que aquilo te traz?”.
Interação social
Para Eliani, a insatisfação com a carreira pode interferir diretamente nas relações sociais. “Vivemos em um mundo em que o que mais pesa são os relacionamentos em redes sociais. Um dos poucos lugares de interação social que o ser humano tem hoje é o trabalho e, se o seu trabalho não te preenche afetivamente, você vai para o seu ambiente com má vontade, com pessoas que, às vezes, você não se dá bem e não sabe se é por não gostar delas ou do trabalho.”
Famílias e escolas devem ser aliadas
O pedagogo Gil Oliveira, pai de um aluno que está no primeiro ano do ensino médio e que já começa a enfrentar o Pism este ano, acredita que as famílias têm muita dificuldade para orientar os filhos. “Pais e profissionais da educação têm dificuldades para orientar por ser muito complexa a decisão. Muitos pais vivem a realidade dos cursos deles e suas expectativas e não têm como apresentar outras possibilidades para seus filhos.” Ele lembra, porém, de programas oferecidos por universidades em que os jovens podem conhecer melhor os cursos oferecidos antes de fazer sua opção. Esta seria, em sua visão, uma maneira mais próxima da ideal.
Os jovens devem ser orientados desde cedo, pela família e pela escola, para que o processo de escolha da profissão seja mais claro e mais natural. Esta é a indicação da psicopedagoga Eliani Gomes. “A família, primeiramente, precisa observar as aptidões do filho ainda quando criança. Do que ele gosta de brincar? Essas manifestações aparecem quando eles ainda são pequenos. A criança gosta de montar e desmontar as coisas, ou gosta mais de ler… Depois precisam se informar mais sobre as opções de escolha para poder informar melhor o filho. Há de se avaliar também as condições financeiras, caso o filho precise estudar fora. Analisar qual é a realidade daquela família, pois, às vezes, o jovem passa em uma universidade fora de sua cidade, mas o custo para mantê-lo ultrapassa as condições financeiras da família.”
“Já as escolas, por sua vez, também devem tentar observar as aptidões do estudante. Por isso temos hoje as metodologias ativas, que permitem detectar as competências dos alunos, e as quais poucas escolas fazem uso. O papel das escolas é ajudar as famílias a orientarem os jovens. E a gente observa que, atualmente, as faculdades é que estão indo buscar e informar os alunos. Mas o ideal é que essas observações comecem o mais cedo possível, para que haja mais clareza nas escolhas.”