Escassez de fármacos atinge JF e há possibilidade de agravamento

Secretaria estadual admite estoque zerado de 24 medicamentos dedicados a pacientes com doenças raras; hospital juiz-forano trata possibilidade de adaptar atendimentos


Por Gabriel Silva

24/07/2022 às 07h00

O desabastecimento de determinados medicamentos que ocorre a nível nacional já atinge Juiz de Fora e causa preocupação pelo risco de gerar problemas na assistência médica da cidade. A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) e a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) admitem a escassez de fármacos no atendimento público, que seria provocada pela dificuldade para importar os insumos necessários para a fabricação dos produtos. Em ao menos um hospital da cidade é aventada a possibilidade de redução de atendimentos caso a situação não se normalize.

A ausência de medicamentos é tema de notas técnicas do Ministério da Saúde desde janeiro e, em junho, um documento alertou para 20 fármacos considerados imprescindíveis sob risco de desabastecimento apontado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Na lista, há produtos utilizados no tratamento de câncer, de infecções graves e de hemorragia. Também há falta de fármacos como a dipirona injetável, de importante utilização hospitalar para conter dores.

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Em nível estadual, a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) se responsabiliza pelo fornecimento de medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), que são destinados a doenças raras, de baixa prevalência ou de uso prolongado e possuem alto custo unitário. Já os medicamentos fornecidos pelas farmácias das unidades públicas de saúde locais são de responsabilidade das administrações municipais.

Entre os 248 produtos de responsabilidade do CEAF, 51 estão com estoques classificados como “irregulares” pela SES-MG. O abastecimento está fora do ideal, de acordo com a classificação da secretaria estadual, quando a quantidade disponível atende a menos de 80% da demanda. Em lista fornecida pela pasta com atualização na última terça-feira (19), 39 medicamentos estavam completamente em falta, 24 deles sem previsão de novas remessas. Nessa condição, há produtos indicados para o tratamento de crise aguda de asma, hipertensão arterial pulmonar e artrite reumatoide grave, por exemplo.

“A Secretaria tem se empenhado na regularização do estoque de medicamentos que são de sua responsabilidade, inclusive mantendo ações de distribuição complementar. Os desabastecimentos têm ocorrido pela demora da entrega pelo Ministério da Saúde e pelos fornecedores, bem como pela dificuldade de aquisição de alguns fármacos”, informa a SES-MG, em nota.

Em nível municipal, a PJF admite que o quadro de desabastecimento afeta as redes pública e privada de saúde, lembrando posicionamento do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). “Apesar desse cenário, na rede municipal de saúde, o acesso à grande maioria dos medicamentos segue garantido. A escassez de alguns fármacos é pontual”, afirma a PJF, em nota, sem detalhar quais fármacos estariam em falta. A Tribuna questionou o Município sobre quais produtos estão em falta na rede municipal e as implicações da escassez nos atendimentos, mas não obteve resposta.

Sindicato não vislumbra normalização do abastecimento

A possibilidade de solução do problema de abastecimento tampouco está no horizonte do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado de Minas Gerais (Sincofarma-MG). Segundo o vice-presidente da entidade, Rony Anderson Rezende, a escassez ocorre por conta de dificuldades na importação dos insumos necessários para a fabricação dos fármacos, sobretudo para compras na Ásia. “A guerra traz transtornos e temos problemas (para importações) na China também.”

De acordo com Rezende, as intercorrências no cenário internacional surgiram justamente em um momento de aumento na demanda pelos fármacos. Ao longo dos dois primeiros anos da pandemia de Covid-19, a procura por produtos como xaropes e antibióticos sofreu queda, mas, com o arrefecimento do cenário pandêmico, a demanda retomou. “As crianças não estavam indo à escola e, quando saíam, o uso de máscara inibia muito o contágio de doenças respiratórias, não apenas da Covid. Agora, voltou o mercado que havia antes e a indústria e o varejo não estavam preparados”, analisa o vice-presidente.

Segundo o dirigente sindical, entre os fármacos em falta estão antibióticos como amoxicilina e azitromicina. “O que tem faltado, desde o início do ano, são os produtos ‘líquidos’, mais destinados a crianças e adolescentes. Os comprimidos não estão faltando”, garante. Outros medicamentos podem substituir aqueles que estão em falta, mas têm custos maiores. “Não há expectativa de normalização do abastecimento”, alerta.

Anestésicos de uso corriqueiro em hospitais, como a lidocaína, enfrentam escassez no país (Foto: Pixabay)

Falta de contrastes pode gerar problemas no atendimento hospitalar

Entre os insumos em falta no mercado, está o contraste iodado, material usado em exames como tomografias, angiografias e cateterismo. O promotor de Saúde Rodrigo Barros afirma que o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) recebeu registros formais de problemas no abastecimento do insumo de hospitais de Muriaé e Barbacena, além de uma consulta informal de uma unidade hospitalar de Juiz de Fora. “Nós recebemos alguns contatos de hospitais da região relatando essa dificuldade, principalmente na questão do contraste. Estamos levando isso para um trabalho unificado do Ministério Público, juntamente com o Estado, em uma tentativa de equalizar esse problema”, diz Barros.

De acordo com o promotor, o problema é semelhante ao que foi passado pelos hospitais públicos do estado quanto ao kit de intubação da Covid-19. Para solucionar, ele defende que seja realizado um movimento conjunto do Poder Público, capitaneado pelo Governo federal. “Deve haver uma movimentação em nível nacional do Ministério da Saúde e do Estado para que isso seja equalizado, operacionalizando eventuais compras emergenciais para suprir a demanda.”

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A Tribuna entrou em contato com o Ministério da Saúde e solicitou posicionamento sobre a questão, mas não houve retorno. Já a SES-MG informou que “acompanha as tratativas para tentar mitigar os efeitos do desabastecimento”.
Em Juiz de Fora, o problema impacta o Hospital Unimed que, em nota, afirmou direcionar o estoque “para os exames contratados (aqueles com guias já autorizadas) e para os atendimentos de urgências e a pacientes internados”. Caso não haja normalização no fornecimento de contraste nos próximos dias, o hospital afirma que “poderá restringir a marcação de alguns exames que demandam um volume maior de contrastes”.

Por outro lado, o Hospital Albert Sabin garante que tem medicamentos para suprir as demandas dos próximos meses. “Os medicamentos que estão indisponíveis nacionalmente foram substituídos na ocasião e neste momento não sofremos nenhuma falta, incluindo contrastes.”

‘Situação extremamente preocupante’, diz médico

O secretário-geral do Sindicato dos Médicos de Juiz de Fora e Zona da Mata, Geraldo Sette, classifica o desabastecimento de medicamentos como “extremamente preocupante”, citando a escassez generalizada de dipirona injetável e contraste. “O impacto está começando a ser sentido, mas não atingimos o ponto mais grave, que seria ter que suspender procedimentos médicos ou usar tratamentos com medicamentos que não sejam de primeira indicação”, alerta.

De acordo com Sette, algumas unidades de saúde estão precisando substituir medicamentos por conta da escassez. Entretanto, alguns produtos como contrastes e soros não possuem alternativa. “A falta de perspectiva de haver uma correção nos deixa preocupado de que poderá constituir em problema muito sério de redução no número de exames e, até mesmo, de casos de desassistência.”

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