Conforto onde não há cura


Por KELLY DINIZ

24/05/2015 às 06h00

Juliana Albuquerque (enfermeira), Francisco de Assis (médico) e Thathyana Rocha (psicóloga) integram equipe paliativista da Unime (LEONARDO COSTA/24-02-15)

Juliana Albuquerque (enfermeira), Francisco de Assis (médico) e Thathyana Rocha (psicóloga) integram equipe paliativista da Unime (LEONARDO COSTA/24-02-15)

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Bruno Reis, médico

Bruno Reis, médico

Você trouxe o remédio para curar a minha mãe?” A frase dita por uma criança, cuja mãe estava em fase terminal, para a psicóloga Thathyana Rocha exemplifica o desconhecimento da sociedade sobre um segmento relativamente novo da medicina: o cuidado paliativo. A especialidade engloba uma equipe multidisciplinar formada por médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e assistentes sociais cujo objetivo é proporcionar qualidade de vida ao paciente terminal, amenizando sua dor e sofrimento. Em Juiz de Fora, pouquíssimas equipes e profissionais levam a filosofia paliativa para dentro dos consultórios e hospitais. Nenhum hospital na cidade conta com uma equipe focada nesse tipo de cuidado. Nem mesmo na rede privada. Entre os planos de saúde, a Unimed oferece o serviço dentro da atenção domiciliar. Segundo a gestora do Centro de Promoção à Saúde da Unimed, Juliana Albuquerque, são cerca de 900 pacientes atendidos pela atenção domiciliar, na qual são realizados os cuidados paliativos.

Entretanto, temas delicados como o fim dos recursos curativos disponíveis e, principalmente, a morte, envolvem a especialidade, somente reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina em 2011, em grande resistência. “A formação convencional não leva em consideração a terminalidade. É voltada para o salvar, o curar e não para a qualidade de vida e o respeito pela vontade”, explica o geriatra Francisco de Assis Pereira, pós-graduado em cuidados paliativos. “Minha motivação foi ao ver meus pacientes em condições terminais e não saber o que fazer por eles”, completa o geriatra. Para Thathyana, psicóloga especializada em cuidados paliativos, a sociedade tem receio em lidar com a morte e, em consequência, possui um pensamento “curativo”. “Muitas famílias acreditam que levar para o hospital é a melhor solução. O que muitas vezes não é.”

Para o médico paliativista Bruno Reis, essa resistência é fruto da falta de conhecimento sobre o cuidado. “Ele promove o controle de sinais, dores e sintomas que, muitas vezes, o paciente tem, só que como o foco está sendo o controle da doença, eles passam despercebidos. O cuidado paliativo não olha a doença, olha o conforto da pessoa.” Outro mito desmentido por Bruno é a crença de que cuidado paliativo excluiria o tratamento. “A maioria das pessoas acredita que o cuidado significa que a pessoa não irá poder se tratar. Mas é totalmente equivocado. Se a pessoa tiver condições físicas, ela pode fazer uma quimioterapia concomitante com o cuidado paliativo.” A especialidade trata, ainda, de questões sobre a morte. “Tentamos definir como o paciente quer morrer, quais pessoas ele quer que estejam presentes. Se a morte será no hospital ou no próprio domicílio. São as diretivas antecipadas da vontade. Ele pode bloquear uma respiração artificial, por exemplo, ou uma ida à UTI (unidade de tratamento intensivo). Mas, é claro que nem todos os pacientes vão ter condições emocionais de discutir isso”, diz Bruno.

Encaminhamento tardio

Outro problema enfrentado pelos especialistas da área é o encaminhamento tardio dos pacientes. “Muitos chegam com dias de vida. Para melhorarmos a qualidade de vida deles, precisamos de mais tempo.” Bruno explica que o momento ideal para o encaminhamento ao cuidado paliativo é a partir do diagnóstico de uma doença avançada. “No caso do diagnóstico do câncer, o momento ideal é quando a pessoa teve metástase e a cura não é mais possível. Já para os casos fora do câncer, há maior dificuldade em conectar esse momento. Mas é quando o paciente está acamado, não consegue se alimentar e precisa de cuidados o tempo todo.”

Tratamento e calor da família

Juliana conta que, para o cuidado paliativo, não existe a famosa frase médica: “não temos mais nada a fazer por você.” O geriatra Francisco de Assis Pereira, pós-graduado em cuidados paliativos e que atua na equipe da Unimed conta um caso em que uma idosa com mais de 80 anos surpreendeu a equipe. “Ela tinha um tumor ósseo avançado. Chegou para a gente muito emagrecida, com dor, acamada, com depressão e ansiedade. Fomos tratando a dor, conseguimos dar qualidade de vida para a paciente. A nossa fonoaudióloga tirou a sonda da paciente e ela voltou a se alimentar do que gosta, a sentir prazer em comer. Ela conseguiu estender a expectativa de vida que tínhamos para ela e com qualidade.”

Bruno explica que a morte em uma UTI é muito ruim. “A UTI é para pacientes agudamente enfermos, mas que tem possibilidade de resolução do problema. Agora, um paciente com câncer avançado, que vem piorando ao longo das semanas, não deve ir para a UTI, pois a doença irá continuar e será gerado sofrimento. Se o paciente morre na UTI, ele morre sozinho, sem os familiares presentes. É um prolongamento artificial da vida, sem qualidade. O cuidado paliativo é a morte no tempo correto, o que chamamos de ortotanásia. O paciente vai embora no tempo em que ele tem que ir. Você não estende e nem encurta esse caminho.”

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No SUS

Para o médico paliativista Bruno Reis, a melhor forma de chegar ao público-alvo do cuidado paliativo por meio do SUS seria na implantação do serviço na atenção primária à saúde. “Porque na atenção primária surge de tudo e a medicina da família engloba essa questão da visita domiciliar. É preciso criar políticas para inserir esse cuidado no sistema público de saúde.”

No SUS, o que se aproxima de um cuidado paliativo é o serviço de Internação domiciliar. “Nós fazemos alguns cuidados paliativos em pacientes crônicos e terminais. Disponibilizamos equipamentos para que o paciente tenha mais conforto como cama hospitalar”, afirma a chefe do Departamento de Internação Domiciliar, Verônica Mendonça Lima. No entanto, esse não é o foco do serviço. “O objetivo é desospitalizar, liberar leito e propiciar o convívio do paciente junto a família. Acompanhamos o paciente em domicílio, estabilizamos e o passamos para a atenção primária”, explica Verônica. No cuidado paliativo, o paciente é acompanhado até o final. “Após a morte do paciente, ainda há o acompanhamento dos familiares no processo de luto”, conta Bruno.

Simpósio

No próximo mês, especialistas da área irão discutir a temática no I Simpósio de Cuidados Paliativos da Zona da Mata. O evento acontece nos dias 19 e 20 de junho, no Auditório do Centro de Ciências da Saúde da UFJF (atrás da Faculdade de Odontologia). Serão debatidas questões sobre a finitude humana, controle de sintomas no processo de morte, uso de opioides, e aspectos éticos e jurídicos sobre a terminalidade da vida. As informações sobre inscrições, programação e palestrantes estão disponíveis no site www.cuidadopaliativojf.com ou pelos telefones (32) 3311-4000 e (32) 84002-2762.

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