Juracy Neves: ‘Considero minha família uma vitória’

Em entrevistas e nas lembranças de familiares, Juracy construiu sua vida profissional pela família que tinha e para a que construiu


Por Mauro Morais

22/12/2020 às 22h29

Dona Acidália e seu José Antunes, pais de Juracy, que figura nesta foto ao lado do irmão, José Neves, e das irmãs, Terezinha e Aparecida (Foto: Arquivo Pessoal)

Tinha 11 anos quando de filho tornou-se pai. Segundo filho do casal José Antunes e Acidália, Juracy Neves viu-se órfão de pai ainda muito novo, quando, pela personalidade paternal, assumiu a liderança da família e tomou para si o cuidado e a proteção dos três irmãos e da mãe. “Ele morreu cedo, aos 37 anos. Ele me estimulou muito, pena ter ido embora tão cedo”, contou o próprio, em entrevista à Tribuna em junho de 2019, na ocasião do lançamento de sua biografia, “O homem da planície _ Vida, obra e ideias de Juracy Neves”, escrita pelo editor geral da Tribuna, Paulo Cesar Magella.

Pouco mais de um ano depois da despedida do pai, Juracy viu a mãe, Acidália, casar-se com Benedito, o Dito. Era 1945, e os dois filhos mais velhos já viviam em Juiz de Fora, para onde a família se mudou mais tarde e cresceu com a chegada de outras três crianças. “Juracy fazia doces e chuleava na facção que funcionava na própria casa, mas já naquele tempo era ele quem desempenhava o papel de pai. Cuidava das irmãs, dava bronca em José, era amigo do padrasto e ainda conciliava a relação quando este se desentendia com Acidália. Exercia o mesmo papel com os irmãos do segundo casamento”, narra Magella.

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Enquanto a resiliência inicial da vida endereçava-se à mãe, ao padrasto e aos irmãos, a construção de toda a vida adulta e madura se destinou aos filhos. Em entrevista ao projeto Diálogos Abertos, do Museu de Arte Murilo Mendes, em 14 de abril de 2009, Juracy Neves revisou o motivo que o levou a diversificar sua atuação. “Como nenhum de meus 4 filhos (André, Marcos, Márcia e Suzana) quis estudar medicina, comecei a deixar de lado a parte hospitalar. Pensei que, se não houvesse, por parte de meus filhos, um interesse pela medicina, não haveria razão de deixar um hospital. Então, fui me afastando desse tipo de empreendimento, até que pensei, graças novamente à antropologia, àquele espírito de comunicação e transcendência: ‘Tenho que entrar no setor de comunicação, porque só através dela é possível registrar a história!'”, lembrou ele.

Juracy em família com os filhos, a esposa, Suzana, e a mãe, dona Acidália (Foto: Arquivo Pessoal)

‘O empresário vitorioso precisa ser familiarmente vitorioso’

Dona Acidália, mãe de Juracy, em primeiro plano (Foto: Arquivo Pessoal)

Ainda que com o pai, conhecido na Lima Duarte como José Jorge, tenha convivido tão curto período, Juracy creditou à presença do homem em sua vida muitas de suas escolhas e de seus traços. “Meu pai era um empreendedor nato. Se ele não tivesse morrido, estaria entre os grandes do frango no país, poderia ter sido como a Pif Paf. A essência dele era de fazer alguma coisa. Ele montou um empório de galinha em Lima Duarte, onde ele vendia frango de granja. O frango era comprado vivo, amarrava o pé dele, punha debaixo do braço e ia embora”, recordou-se o homem no ano passado.

O costume de acordar muito cedo tinha suas raízes no negócio do pai. “A gente tinha uma rotina bem rígida, porque às 17h tinha um volume grande de galinhas chegando. No dia seguinte, pegávamos e colocávamos no trem, que saía de Lima Duarte às 7h45. Dependendo do volume que tinha, a gente acordava às 4h ou 5h. Meu pai é que chamava a gente. Eu acordava logo”, contou Juracy, que a toda família legou os valores do trabalho e da dedicação. “Penso que o empresário vitorioso precisa ser familiarmente vitorioso. Considero minha família uma vitória. Consegui mantê-los todos unidos, com o mesmo espírito, com o mesmo princípio”, celebrou Juracy, em entrevista ao projeto Diálogos Abertos.

Juracy Neves abraçado pelos filhos Márcia, André, Marcos e Suzana (Foto: Arquivo Pessoal)

‘Ninguém nasce humano, torna-se’

Aos 31 anos, e já estabelecido na cidade como um médico, professor e empresário de prestígio, Juracy casou-se com Suzana Villaça Freitas, que lhe deu quatro filhos, seis netos e duas bisnetas. Bastante emocionada, Suzana escreveu numa folha de papel sua despedida: “Juracy querido, você já está fazendo muita falta e fará muito mais. Não pensei de doer tanto a saudade de você. Realmente o dia de meu casamento (29 de junho de 1963) foi o dia mais feliz de minha vida. Espero vê-lo em breve quando nos encontrarmos na glória eterna. Beijo-o com muito carinho”.

Nas lembranças da neta Stephania Neves, martela a frase: “Ninguém nasce humano, torna-se humano”. “Essa era uma das frases favoritas do meu avô, o ser mais humano e extraordinário com o qual tive o privilégio de conviver, e minha grande referência na vida. Espero honrá-lo e ser capaz de traduzir, em minhas ações, sua essência transformadora, sua força ímpar e sua visão disruptiva, marca de um homem sempre à frente de seu tempo. Carregarei você, eternamente, a apenas um pensamento de distância. Te amo!”, declarou a neta Stephania.  Juracy também é pai de Daniela da Cruz Neves, que lhe deu dois netos.

O homem que via além dos limites

Juracy ao lado da esposa, Maria Helena Zacaron (Foto: Fernando Priamo)

As últimas três décadas, Juracy dividiu com Maria Helena Zacaron, que conheceu quando ela, proprietária de um estúdio de dança no mesmo andar do escritório da Solar, no Edifício Solar Residencial, na Rua Halfeld, foi pedir-lhe para passar para um espaço maior com um aluguel menor. Ela corajosa e ele bravo, acabaram chegando a um expoente comum. Mas só se reencontraram anos mais tarde, numa mesa de bar, e engataram o romance. “Homem da planície, meu amigo e companheiro de vida: seus ensinamentos e exemplo serão meu tesouro e amor eterno”, diz, emocionada, a viúva, referindo-se ao termo que dá título à biografia de Juracy e indica o homem que vê além dos limites e não teme ultrapassá-los.

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“Oportunidade aparece para todos, mas é preciso ter talento para saber aproveitá-la e coragem para embarcar”, observou Juracy em entrevista ao Diálogos Abertos. E em seguida completou, destacando o que lhe serviu de norte e ensinou à família: “Sou um homem que nunca perdeu uma oportunidade. Fui professor de Antropologia sem nunca ter estudado a matéria, mas vi a chance, testei o talento e segui sem medo. O difícil é para quem não quer enfrentar. Se houver coragem, o que é difícil passa a ser fácil. Posso dizer que, antigamente, tínhamos que criar a oportunidade; hoje, ela aparece para todos, mas se você não tiver a capacidade de aproveitá-la não adianta, ela simplesmente passa.”

Juracy sempre na companhia da família (Foto: Arquivo pessoal)

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