Frota tem ônibus com mais de dez anos de uso em circulação em JF
Flagrantes feitos pela Tribuna apontam descumprimento de cláusula contratual firmada entre PJF e concessionárias; recém-criado comitê gestor diz que irá investigar situação
Apesar de não ser permitida a circulação de veículos com mais de dez anos de uso na frota de ônibus urbanos de Juiz de Fora, a Tribuna flagrou ao menos quatro carros trafegando pelas vias da cidade nessas condições. O edital de licitação de n° 005/2014, publicado em 19 de maio de 2015, em seu item14.4, inciso XXVII, estabelece como responsabilidade da concessionária manter a idade média da frota de cinco anos, não sendo admitido o uso de veículos com mais de dez anos. Os flagrantes foram registrados pela reportagem na quinta-feira, dia 15; na terça, 20; e nesta quarta, 21, quando foram vistos os quatro veículos em operação, todos com carrocerias datadas com o ano de 2010.
Assim diz o documento: “São responsabilidades da Concessionária, além de outros previstos em lei e neste Contrato de Concessão: (…) XXVII. manter os veículos que compõem a frota patrimonial urbana com idade média máxima de 05 (cinco) anos com idade máxima de cada veículo de 10 (dez) anos”.
Questionada pela Tribuna, a Secretaria de Mobilidade Urbana (SMU) informou que o Comitê Gestor do Transporte Coletivo irá investigar a circulação de ônibus urbanos com idade superior ao limite de dez anos estabelecido pelo edital de licitação para a concessão do serviço em Juiz de Fora. A investigação foi confirmada pela assessoria da Associação Profissional das Empresas de Transportes de Passageiros de Juiz de Fora (Astransp).
Destacando a existência da cláusula no contrato firmado com os consórcios das empresas de ônibus em 2016, a SMU explicou, por meio de nota, que “com o estado de calamidade decretado devido à pandemia de Covid-19 e a necessidade de reequilíbrio de contrato com as empresas, inclusive por determinação judicial, esta cláusula não foi cumprida na íntegra”.
O texto afirma que a situação “será discutida pelo Comitê Gestor do Transporte Coletivo, criado por meio de lei aprovada pela Câmara Municipal, que visa a remodelar o sistema de transporte público da cidade.” Segundo a SMU, a idade média atual da frota de ônibus é de seis anos. Também por meio de nota, a Astransp declarou que “não se pode generalizar nem julgar o sistema”. No texto, diz que “as empresas trabalham na média exigida (para toda frota) e com idade média de dez anos (por veículo)” e completou que o comitê irá “tratar desse e outros importantes assuntos do transporte.”
Sobre o comitê
A criação do Comitê Gestor de Transporte Coletivo foi aprovada pela Câmara no último dia 14. O órgão será formado por quatro representantes da PJF, um integrante de cada consórcio, um membro do sindicato dos trabalhadores e um representante dos usuários. Entre as atribuições estão ações de fiscalização e propostas de melhorias para o serviço.
Usuários reclamam de frota de 2010 e das condições de conservação
As condições de conservação de veículos do transporte público de Juiz de Fora integram as queixas de quem utiliza o serviço no dia a dia. O servidor público federal Paulo Edson Silveira conta que já viu, por várias vezes, ônibus com mais de dez anos de uso circulando pelas ruas da cidade. “E não é um, dois ou três, não; são vários”, reclama.
Ele afirma que os problemas mais comuns são a sujeira dos carros e a superlotação, principalmente no início da manhã, quando os usuários se deslocam para o trabalho, e após as 16h, na volta para a casa. Paulo Edson ainda se queixa das constantes falhas mecânicas nos veículos e acredita que problema se deve à falta de manutenção.
Moradora do Bairro Monte Verde, Josiane Rodrigues, 27, realiza diariamente o deslocamento para o trabalho, no Bairro Cascatinha. “Uso as linhas 523 e 529, que sempre têm algum defeito: bancos soltos, portas e campainhas que não funcionam e, de vez em quando, o ônibus quebra.”
Segundo ela, nem sempre os protocolos sanitários estabelecidos durante a pandemia da Covid-19 para evitar o contágio da doença são seguidos. “Nada mudou. Os ônibus continuam lotados, nem sempre tem álcool em gel, e os motoristas e cobradores seguem sendo desvalorizados.”
Ela afirma que há muito tempo os moradores de Monte Verde solicitam melhoras na linha 523, mas a sensação é de desamparo. “Nós nunca recebemos atenção. Nosso bairro acaba sendo esquecido por ser distante. Transporte ruim, não tem sinal de celular. Nem água tratada temos.”
Uma moradora do Bairro Linhares, que preferiu não se identificar, também relata problemas semelhantes. Para ela, a situação é generalizada. “Eu uso linhas de diferentes bairros porque trabalho como diarista. No geral, os ônibus estão velhos e mal cuidados.”
Para ela, a situação reflete o descaso de gestores e usuários. “As ruas ficaram muito tempo esburacadas, isso ajuda a desgastar mais rápido. As empresas não trocam os veículos, e os passageiros também não cuidam dos que estão aí.”
Trabalhadores
A Tribuna entrou em contato com o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Juiz de Fora (Sinttro-JF) para saber o posicionamento da categoria a respeito. A direção informou que, até o momento, não foi formalizada nenhuma queixa sobre as condições dos veículos por parte de motoristas e cobradores. O Sinttro reforçou que o bom estado de conservação dos ônibus é fundamental para a realização da atividade da categoria, e que qualquer situação que ofereça insegurança ao trabalhador deve ser relatada à entidade.