Crianças e adolescentes aprendem experimentando
Com a proposta de apresentar a crianças e adolescentes modos variados de conhecer o mundo, voluntárias de diversas áreas mantém no Bairro Vale Verde, Zona Sul, o Mutirão da Meninada, que reúne crianças e adolescentes de 6 a 17 anos. Atualmente com 50 integrantes divididos em três turmas, o Mutirão da Meninada conta, além das atividades fixas da terça-feira – voltadas principalmente para reforço escolar -, com três oficinas extras: cineclube de direitos humanos, capoeira e produção audiovisual. Através da realização destas oficinas e práticas de vivência, o projeto ensina valores e conceitos para colaborar na formação de cidadãos conscientes e melhorar o lugar onde vivem.
Uma das atividades foi a realização da Feira de Livros na Praça, no último dia 8, evento organizado pelos chamados oficineiros adultos (voluntários) e oficineiros jovens (a criançada) e que contou com limpeza da praça do bairro, contação de história, distribuição gratuita de livros para os moradores e venda de docinhos a preços simbólicos feitos por mães dos participantes, com renda revertida para o Mutirão.
Nessa manhã dedicada à oficina de leitura, os integrantes, incluindo a participação direta de crianças e adolescentes na organização da feira, promoveram um espaço para os livros que poderiam ser emprestados e um carrinho de entrega com obras disponíveis para doação. Os jovens percorreram ruas do bairro e ofereceram, de casa em casa, livros gratuitos. Desse encontro surgiu outro, em que a meninada expôs textos e desenhos com suas impressões do evento, além de exibirem um vídeo com imagens captadas e editadas por um dos garotos do projeto. O material produzido fará parte de uma exposição futura.
O Mutirão da Meninada nasceu em 1994, como um projeto de extensão da UFJF, com alunos bolsistas ligados, principalmente, às artes. Depois, ele se tornou independente. Com o tempo, se modificou, e outras parcerias com a Universidade surgiram. Entre elas, oficinas como “Brincando de Cientistas”, em parceria com um professor de física, e outra com estudantes de nutrição, na qual os participantes aprendiam receitas de sucos de fruta, com o aproveitamento de materiais como a casca dos alimentos.
“O Mutirão é um espaço de aprendizagem, mas não é uma escola. Os meninos vão porque querem, eles mesmos fazem a sua inscrição, e eles decidem quando parar de frequentar, embora tenham o compromisso de não faltar, enquanto estão ligados. As atividades precisam ser interessantes por si, precisam ser significativas para eles”, diz a coordenadora do projeto, Maria Helena Falcão Vasconcellos.
A principal relação estabelecida é de respeito e dignidade. “Nela se localiza a experiência que eles podem fazer de um outro modo de estar no mundo. Não o que a sociedade impõe a eles, de que os meninos são feios, não são inteligentes, que são perigosos e que o bairro deles é cheio de ladrões. É esse o olhar que, infelizmente, a sociedade de um modo geral lança sobre os meninos da periferia. Desse modo a experiência de ser digno de existir é o fundamental”, ressalta a coordenadora.
‘Há outros modos de compor com a educação’
As interações vivenciadas no projeto foram o foco da dissertação de mestrado “Cinemaquinação: entre montanhas e vale, um sobrevoo”, da pesquisadora associada ao Travessia Grupo de Pesquisa, da Faculdade de Educação da UFJF, Maria Paula Belcavello. No trabalho, Maria mostra a reinvenção das vidas dessas pessoas, por meio das intervenções.
“As lentes revelam que, por baixo da superfície da instituição escolar há outra educação. Há outros modos de compor com a educação. Muitos modos. Educação da multiplicidade, do efêmero, do pequeno, do banal, do mínimo, do menor. Criação de uma educação como acontecimento: processo ético-estético-político”, afirma Maria Paula Belcavello, que também é vice-diretora do Colégio Tiradentes da Polícia Militar.
O primeiro desejo, segundo a pesquisadora, era discutir problemas que atravessam a violação dos direitos de se viver com dignidade na localidade. Partindo dessa provocação, o grupo começou a interagir com a própria realidade e a indicar os caminhos que deveriam ser explorados.
Os encontros da meninada se dão em rodas de conversa, no terraço cedido por um morador do bairro. No espaço, cada indivíduo é ouvido, e as ideias começam a dar forma a ações. A preocupação do processo de participação, segundo Maria Paula, é abrir-se ao encontro, e pensar outros modos de construir uma educação nos diversos territórios existenciais.
Uma expedição para explorar a mata do bairro, por exemplo, permitiu que os integrantes levantassem uma série de questões sobre preservação ambiental, sustentabilidade, pertencimento, entre outros muitos conhecimentos. O projeto acredita que vivenciar experiências dentro do universo
onde se vive fortalece laços e reforça a identidade com o local. Através de um passeio pelo bairro e conversas com os moradores, foi possível obter registros e informações sobre a história da localidade e modos de ocupação do território. Para o mentores da meninada, o conhecimento abre as portas, mostra o caminho e aponta o futuro.