Menos árvores, mais problemas
Somente até a última terça-feira, dia 17, o Corpo de Bombeiros foi mobilizado 162 vezes para ocorrências envolvendo árvores, sendo 112 vistorias e 50 cortes. Num primeiro momento, seria correto relacionar os casos ao intenso período chuvoso que Juiz de Fora enfrenta. No entanto, as chuvas por si só não são a única explicação para as ameaças e as quedas de árvores que a cidade enfrenta com frequência. Mais do que isso, é preciso buscar respostas para a pergunta que muitos fazem atualmente. Afinal, por que as árvores estão caindo?
O processo de arborização do município foi constituído, em sua maioria, de forma irregular, como a própria Secretaria de Meio Ambiente já admitiu. Grande parte das espécies foi plantada sem cuidado ou padronização, sobretudo nas décadas de 1980 e 1990. Árvores inadequadas para o centro urbano também podem ser vistas aos montes, assim como aquelas que tiveram seu crescimento desrespeitado. Ou seja, com raízes cimentadas e até mesmo sofrendo podas drásticas e desnecessárias. A situação local, no entanto, não é um problema isolado, sendo realidade em centenas de municípios brasileiros.
O professor do Departamento de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Buckeridge, é estudioso do assunto. Ele, que é pós-doutor em biologia e durante 20 anos desenvolveu pesquisas para o Jardim Botânico de São Paulo, afirma que, como qualquer ser vivo, as árvores precisam de cuidado permanente. “Geralmente o que os órgãos competentes fazem é mutilá-las, para que o crescimento seja retardado. É tão severo que nem posso chamar de poda drástica. Com isso, a espécie fica enfraquecida, com menos possibilidade de se defender contra ataques de insetos e micro-organismos. Estas árvores podem estar com aspecto de saudável por fora e totalmente corroídas por dentro. Ficam mais aptas a caírem quando as tempestades são muito fortes.”
Tempestades
As últimas tempestades registradas em Juiz de Fora vieram acompanhadas de fortes rajadas de ventos, que chegaram a até impressionantes 98 quilômetros por hora, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Conforme o especialista, não há árvore que se sustente nesta situação, embora ele admita que as enfraquecidas e doentes serão as primeiras a desabar. “Podadas de forma irregular, elas ficam expostas. São comidas, por dentro, por cupins e fungos. E, quando chove muito, a madeira do tronco também vai absorvendo esta água, aumentando de forma considerável o seu peso e o risco de queda.”
De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente, podas drásticas ou cortes apenas são autorizadas mediante análise técnica e em casos de infestação acentuada de parasitas ou situações de risco. Para estas análises, o município comprou um tomógrafo, que deve chegar ainda neste semestre. Em nota, informou que o equipamento “tem a função de detectar o estado fitossanitário das espécies”.
O doutor em biologia e chefe do Laboratório de Árvores, Madeiras e Móveis do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, Sérgio Brazolin, garantiu que este aparelho é um importante aliado na avaliação das espécies em risco. “Juiz de Fora será uma das primeiras cidades do país a adquirir o tomógrafo. Nem São Paulo tem. De fato, é um grande diferencial para a prevenção de acidentes envolvendo árvores.”
Ação humana enfraquece espécies
A ação humana é uma das causas para o enfraquecimento das árvores que resultam em quedas. Na avaliação do doutor em biologia e chefe do Laboratório de Árvores, Madeiras e Móveis do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, Sérgio Brazolin, o esforço dos ventos e a ação de cupins e outras pragas potencializam um problema causado pelo homem. “Às vezes, para se livrar da fiação elétrica, as concessionárias cortam os galhos de um lado da árvore, deixando o peso para o outro. Outra atitude comum é o corte da raiz para adequação de calçadas. Fazendo isso, estão cortando o pé das árvores”, disse o pesquisador, especialista em planejamento e análise de risco de quedas de árvores.
Ainda segundo ele, o fato de as espécies terem sido plantadas sem padronização, situação recorrente no país, pode ser considerado passível ambiental que a cidade carrega. “Elas podem ter sido plantadas em passeios estreitos ou em covas inadequadas. Para evitar isso no futuro é que as cidades estão fazendo os seus manuais e o seu plano diretor de arborização. É este documento, transformado em lei, que garantirá aos órgãos competentes a identificação das espécies, analisando aquelas que podem estar em seu ciclo final de vida, pois a fragilização pode estar associada, também, à idade.”
Para resolver esta questão, é preciso vontade política e maior conscientização sobre a importância da botânica por parte da população, de acordo com Marcos Buckeridge, da USP. “O que precisamos é preservar o que temos e promover um planejamento. Enquanto agirmos apenas na emergência, os riscos continuarão altos.”
Plano municipal prevê inventário de vegetação
Em Juiz de Fora, a Secretaria de Meio Ambiente pretende catalogar e inventariar todas as árvores presentes no perímetro urbano, por meio de um trabalho minucioso, previsto no Plano Municipal de Arborização Urbana, em fase de elaboração. No entanto, esta atividade ainda não foi iniciada. Uma forma de promover este trabalho, segundo o professor do Departamento de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Buckeridge, é com o apoio da população, por meio da internet. Em Nova Iorque, os moradores enviaram fotos de espécies para uma central, que registrava cada ponto arborizado. “Vamos copiar o sistema em São Paulo, onde já fizemos todo o mapeamento, via satélite, colocando um ponto em cima de cada árvore.”
A Secretaria informou, por meio de nota, que vai inventariar as árvores com recursos do Fundo Municipal de Meio Ambiente, conforme prevê o plano. “O plano trará o inventário quantitativo e qualitativo da arborização urbana, substituindo as inadequadas e reflorestando áreas desprovidas de vegetação.”
Escolha certa
São várias as espécies de árvores adequadas ao perímetro urbano. A escolha depende, sobretudo, das características climáticas da região, assim como a topografia do relevo. Entre as espécies mais comuns em centros urbanos, citadas pelo biólogo, estão a tipuana, a sibipiruna, os ipês, o jacarandá, o manacá da serra, o alfeneiro, a pata-de-vaca e a quaresmeira. “Somos um país com mega biodiversidade, e garanto que em Minas Gerais e Juiz de Fora há espécies adequadas. O importante é que a cidade tenha não apenas concreto, mas também florestas. Elas trazem pássaros, insetos e uma comunidade inteira de animais”, observou Buckeridge, dizendo que as árvores devem ser encaradas como aliadas desde já. “A preservação delas vai permitir nos defender de ameaças, como as mudanças climáticas globais.”
Na cidade, a Secretaria de Meio Ambiente informou que as espécies mais comuns são ipês amarelos e roxos, alfeneiros, pata-de-vaca e quaresmeiras.
Alerta no Parque Halfeld
Não há relatos de vítimas fatais atingidas pelas árvores em Juiz de Fora, embora a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros já tenham registrado ocorrências graves, como quedas de troncos e galhos sobre patrimônios. No caso mais recente que chamou atenção, uma árvore caiu sobre um ônibus urbano, em plena Avenida Rio Branco, no dia 3 deste mês. Ninguém se feriu, mas o vidro dianteiro do veículo ficou danificado.
No Parque Halfeld, algumas árvores inclinadas e com troncos rachados preocupam os frequentadores, embora estas características não sejam determinantes para que elas estejam em risco. O professor do Departamento de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Buckeridge, observou algumas imagens enviadas pela reportagem. Segundo ele, que não fez análise da situação e sim sugeriu algumas hipóteses, buracos ou troncos inclinados não necessariamente significam que a arborização não esteja saudável, embora possa evidenciar deterioração, o que depende de análise minuciosa.
Segundo a Secretaria de Meio Ambiente, técnicos e engenheiros florestais fazem, diariamente, vistorias em árvores da cidade, conforme a demanda. “Além disso, o monitoramento periódico da vegetação localizada nas principais praças do Centro de Juiz de Fora é executado periodicamente. Durante as análises são avaliadas as ocorrências de agentes biodeterioradores, como cupins, brocas e fungos apodrecedores; as condições do entorno que afetam o crescimento da espécie; o estado geral, como presença de injúrias, podas inadequadas de galhos e raízes; o desequilíbrio da copa, entre outros, e medidas dendrométricas, como diâmetro e altura da vegetação”, informou, por meio de nota.
Danos devem ser ressarcidos
Em casos de danos, o advogado Carlos Alberto Gasparete orienta documentar o fato e buscar a Justiça para reaver o que for devido. “A responsabilidade pela verificação das condições destas árvores é do município. No caso de elas estarem em propriedade particular, a pessoa também deve solicitar a poda para que ninguém seja colocado em risco. E se houver negativa do órgão competente em autorizar o trabalho, e isso vir a causar um dano, ele também pode ser responsabilizado”, explicou.
Ainda segundo o advogado, é importante fotografar as avarias e registrar boletim de ocorrência para ajuizar uma ação contra o poder público. O juizado especial não é o foro indicado, segundo Gasparete, pois, em alguns casos, a perícia pode ser necessária, ferramenta que não é aceita nestas causas. O mesmo vale para os órgãos de defesa do consumidor, como o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) e o Serviço de Defesa do Consumidor (Sedecon), da Câmara Municipal, pois não há relação de consumo.