Mais de dois mil pedidos de licença para ambulantes se acumulam na PJF
Com revisão do novo Plano Diretor aprovada, licitação para liberação de novos espaços na cidade volta a ser discutida. Hoje há centenas de vendedores que desafiam a fiscalização e se mantêm irregulares nas ruas
Mais de dois mil pedidos para atuar como ambulante nas ruas estão formalizados na Prefeitura de Juiz de Fora. Há cerca de 16 anos, os pleitos se acumulam sem resposta, por conta da necessidade de licitação para liberação de novos espaços na cidade. Com a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Juiz de Fora, aprovada no final de maio pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito Antônio Almas (PSDB) no início deste mês, acredita-se que possa haver uma resposta concreta sobre os pedidos formalizados e sobre a perspectiva de abertura – ou não – de novas concessões. Após oito anos de espera, desde o fim da validade do Plano Diretor 2000/2010, a cidade volta a ter uma legislação para definir o planejamento de seu ordenamento urbano. E a venda diretamente nas ruas é um importante capítulo nessa história.
Fato é que o número de ambulantes em atuação, hoje, é muito maior do que os pouco mais de 200 autorizados para a atividade em Juiz de Fora. Antes mesmo de chegar ao quadrilátero central, onde a concentração de ambulantes é maior, é possível constatar a venda de tudo um pouco em cada parada no sinal: frutas, garrafas de água, balas, carregador e suporte para celular, além de palheta para limpar para-brisa. No Calçadão da Rua Halfeld e nas ruas limítrofes, a oferta ganha diversidade: água de coco, picolé, doces, produtos para casa, CDs, DVDs, bijuterias, acessórios e panos de chão, só para citar alguns. Em janeiro, a Tribuna fez um mapeamento do comércio ambulante, compreendendo parte das avenidas Rio Branco (entre a Avenida Itamar Franco e a Rua Floriano Peixoto) e Getúlio Vargas (até a Rua Halfeld), além dos calçadões da Halfeld, Mister Moore e São João. Na época, foram identificados 87 ambulantes, excluindo aqueles que estão em barracas padronizadas. Hoje, seis meses depois, a realidade não é muito diferente. Basta dar uma circulada no Centro para constatar na prática.
Bruno Noronha, 35 anos, queria estar nas ruas (não de forma irregular) vendendo pipoca. Depois de 16 anos em uma empresa, em que ocupou o cargo de gerência de loja, foi demitido, entrou em depressão e ficou sem alternativa de renda. Em 2014, formalizou o pedido na Prefeitura, investiu uma grana num carrinho de pipoca, comprou uniforme, utensílios, matéria-prima e foi para as ruas. Ele começou a trabalhar, sem alvará, na Praça do Manoel Honório. “Ninguém trabalha por esporte, precisava do dinheiro.” No ano passado, em busca de maior movimento, colocou o carrinho no Morro da Glória. Bruno trabalhou três dias, foi denunciado, fiscalizado, notificado e orientado a não voltar às ruas. “Fui à Prefeitura, falei que estava desempregado, investi um dinheiro no equipamento e disse que precisava trabalhar, para pagar a prestação do meu apartamento e a pensão da minha filha.” A resposta que recebeu, disse, foi que a lei estava defasada e precisava ser revista para que os pedidos formalizados fossem analisados.
Com o carrinho de pipoca parado na garagem há mais de um ano, Bruno tem realizado bicos como pintor para arcar com as despesas de casa. De olho nas dezenas de ambulantes que atuam de forma irregular nos sinais e nas ruas centrais, Bruno diz se sentir injustiçado. “Sei que a lei é para ser cumprida, teria que ser para todas as pessoas que estão irregulares.” Na sua opinião, preparar uma licitação é fundamental, já que abrirá oportunidade de trabalho para inúmeras pessoas que estão na informalidade e precisam de uma fonte de renda, como ele.
De olho no crescimento expressivo de ambulantes não cadastrados atuando nas ruas, o presidente da Associação dos Camelôs de Juiz de Fora, Cláudio Souza de Menezes, atribui o cenário à maior dificuldade financeira enfrentada por muitas famílias, especialmente no período de crise econômica. Ele defende a regularização da atuação dessas pessoas, mesmo que fosse em horários ou locais diferentes dos habituais. Na avaliação de Menezes, quem está vendendo nas ruas o faz por necessidade. “Quem está na rua, é quem precisa.”
Segundo o titular da Secretaria de Atividades Urbanas (SAU), Eduardo Facio, “em alguns dias”, o prefeito deverá oficializar a criação de uma comissão, formada por integrantes de várias secretarias, para estudar a viabilidade – e o formato (se for o caso) – de uma licitação para o setor. A ideia é que o estudo aconteça no período de 180 dias previsto para que a nova normatização entre em vigor. O prazo começou a contar da publicação no Diário Oficial Eletrônico do Município, no dia 4 de julho. “Essa comissão vai avaliar se vamos realizar ou não uma licitação e como ela seria feita.”
O secretário comentou que, caso decida-se por uma licitação, será preciso avaliar a validade dos pedidos formalizados desde 2002. O estudo, comenta, vai servir para avaliar, também, se o interesse dos que formalizaram pedido se mantém durante todo esse longo período, além dos locais de maior interesse para atuação. Na avaliação pessoal de Eduardo Facio, o espaço público até comporta novas autorizações, mas não na região Central, ressaltando que o que valerá, na prática, é a avaliação da comissão, após análise sobre o assunto.
Mais de 50 vendedores foram multados este ano
Sobre o trabalho de fiscalização, o secretário Eduardo Facio destaca que a atuação não se restringe aos ambulantes, mas a todas as posturas municipais previstas no código, descritas em mais de 70 artigos. A SAU conta hoje com 42 fiscais, que trabalham de segunda a segunda, afirma o secretário. Apesar de o trabalho não ser restrito aos vendedores nas ruas, só este ano, comenta, foram emitidas 57 multas para ambulantes irregulares. O número, avalia, é considerado expressivo, já que a maioria abandona a mercadoria e foge antes da abordagem.
Dentre os mais de cinco mil produtos apreendidos desde o início do ano, Facio destaca mais de 18 tipos de frutas, sendo 685 caixas só de morango, ferramentas, fones de ouvidos para celulares, pares de meias, CDs, óculos de sol e de grau, roupas, bermudas e sombrinhas, só para citar alguns. “E tem gente que diz que a SAU está de olhos fechados. A prova está aqui, estamos trabalhando.” A multa aplicada é de R$ 752 para cada ambulante flagrado atuando de forma irregular.
Sindicomércio cobra vontade política para criação de espaço para ambulantes
O presidente do Sindicato do Comércio (Sindicomércio), Emerson Beloti, é contrário à liberação de novas concessões. Na sua opinião, este é um assunto que precisa ser discutido, exigindo “coragem, determinação e vontade política” do Poder Público para equacionar o problema. Segundo o presidente, a Prefeitura mantinha uma comissão, formada por representantes de várias áreas, inclusive comércio, indústria e os próprios ambulantes, para avaliar os novos pedidos e a realidade nas ruas. Com a sua inatividade, diz, os assuntos relacionados ao espaço urbano ficaram concentrados na SAU. “Era uma aquisição importante, que se perdeu.” Na avaliação de Beloti, é preciso coragem para se criar um “espaço digno” para os ambulantes, que não comprometa o direito de ir e vir. “A solução não é abrir mais concessões”, argumenta. Ele defende a estratégia usada por outras cidades, como Montes Claros (MG) e Volta Redonda (RJ), que criaram espaços específicos a esses trabalhadores. “É preciso trabalhar para todos, e não só para alguns.”
Projeto
Em 2014, a Prefeitura chegou a anunciar a intenção de construir um shopping popular no Centro da cidade, mas recuou cerca de dois anos depois. A intenção era construir um empreendimento com lojas menores, capazes de abrigar ambulantes e âncoras, voltadas para a via pública, além de estacionamento rotativo pago e salas comerciais. Um processo de chamamento público chegou a ser iniciado, e a intenção era a de que o projeto fosse viabilizado por meio de Proposta de Manifestação de Interesse (PMI). Conforme o titular da SAU, no entanto, a “iniciativa privada não acolheu” o projeto, em função, provavelmente, do custo. Sobre o argumento de falta de interesse da iniciativa privada, Emerson Beloti considera que “o setor privado tem que sentir segurança no que o Poder Público quer”, para que exista o investimento de fato.
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