Adolescente é morto no Centro Socioeducativo


Por DANIELA ARBEX

19/04/2016 às 08h19- Atualizada 19/04/2016 às 08h58

O assassinato de um adolescente de 14 anos no fim de semana, dentro do Centro Socioeducativo Santa Lúcia, reacende a polêmica sobre o funcionamento da unidade que, no ano passado, teve seus diretores afastados pela Vara da Infância e Juventude em função da omissão nos cuidados de jovens internados. No sábado, por volta das 22h30, Ruan Marcos Arruda da Silva foi encontrado desacordado em um dos alojamentos do núcleo provisório, cerca de meia hora depois de as luzes serem apagadas na unidade. Uma das versões sobre o episódio é que os três adolescentes que dividiam o local com a vítima sugeriram aos agentes que ele teria tentado se matar. Socorrido pelos próprios agentes, Ruan foi levado para a UPA Norte, onde o óbito foi constatado às 23h35, após várias tentativas de reanimação. Ouvidos pela Polícia Civil, os jovens entre 16 e 17 anos admitiram ter enforcado a vítima, que apresentou sangramento na parte interna da boca e escoriações no rosto. Os três tiveram o flagrante de ato infracional análogo ao crime de homicídio confirmado. No atestado de óbito de Ruan, no entanto, a causa da morte aparece como indeterminada. A princípio, os adolescentes que confessaram ter participado da agressão que resultou no óbito do garoto não conheciam Ruan, já que os três são de outro município. Após o crime, os três foram transferidos de Juiz de Fora pela juíza da Vara da Infância, Maria Cecília Gollner Stephan.
“Meu filho nunca foi santo, mas era um ser humano. O Estado é responsável pelo que aconteceu a ele. Imagine você receber seu filho de volta em um caixão? Na hora que o vi, senti vontade de estar no lugar dele, porque eu tenho 41 anos e já vivi muito. Ele, não”, lamenta Márcia Paulino Arruda, mãe de Ruan, um dos oito filhos da desempregada. O garoto havia completado 14 anos no dia 29 de janeiro.

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Segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social, Ruan estava no Centro Socioeducativo desde o dia 1º de abril, data em que foi acautelado pela quarta vez. O garoto é o mesmo menino que, há cinco anos, apareceu em vídeo apreendido pela Polícia Civil de Juiz de Fora tendo aula por traficantes sobre consumo de drogas. As filmagens ganharam repercussão nacional e chocaram o país ao revelar o menino fumando maconha aos 9 anos. Ao lado dele, aparecia um dos adultos procurados pela polícia. O traficante se divertia com a cena e ainda ordenava Ruan a tragar corretamente. “Fuma esse bagulho direito”, dizia o homem para a criança.

De acordo com Márcia, a família só foi avisada sobre o óbito do adolescente mais de duas horas após a constatação de sua morte. “A diretora mentiu para mim e disse que ele havia passado mal no alojamento. Só no domingo, quando o corpo dele estava no IML, e eu fui ao Centro Socioeducativo para saber o que havia ocorrido, é que me disseram que ele havia sido enforcado. Além disso, para entrar na unidade, eles me colocaram nua”, reclama a mãe da vítima.

Eliana Silva Cunha, diretora da unidade nomeada pela Vara da Infância, explicou que, durante a madrugada, quando esteve na casa da família de Ruan, ela ainda não sabia sobre o que havia ocorrido dentro do alojamento. A versão do enforcamento só veio à tona no depoimento dos adolescentes na delegacia. “Ninguém sabia da agressão naquele momento”, informou Eliana.

A direção acredita não ter havido falha da segurança, embora o efetivo de agentes seja reduzido nos fins de semana. A instituição tem hoje 88 adolescentes acautelados, enquanto a capacidade é de 56. “Tudo aconteceu muito rápido. Foi um fato isolado”, afirmou. A Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) informou, ontem, que está apurando junto à unidade socioeducativa as possíveis responsabilidades e circunstâncias relativas ao ocorrido.

Aliciado por traficantes aos 9 anos de idade

A breve vida de Ruan sempre foi conturbada. Aos 9 anos, ele foi aliciado por traficantes do Bairro Olavo Costa, onde morou junto com a família, envolvendo-se em mais de 40 atos infracionais desde então, muitos por danos ao patrimônio e outros por assaltos. Com dificuldades na escola, ele evadia com frequência, sendo acolhido institucionalmente em entidades do município. Seu último local de acolhimento foi a Unidade Estância Juvenil. Além disso, o adolescente sofria de problemas psiquiátricos, sendo, por isso, acompanhado pelo Caps Infantil. A mãe dele, Márcia Paulino Arruda, informou que, em função desses transtornos, ele recebia o Loas, um benefício assistencial para pessoas com deficiência que prevê o pagamento mensal de um salário mínimo. Com todo esse histórico, Ruan foi de fato acolhido, mas não conseguiu ser realmente protegido.

Segundo a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, cerca de 58 mil adolescentes cumprem medida socioeducativa no Brasil por pequenos furtos a delitos graves. A maioria dos crimes, no entanto, 62,8%, são referentes a crimes contra o patrimônio, sendo o roubo e o furto as modalidades mais recorrentes. No total, 18.107 jovens estão em privação de liberdade, sendo 9.147 no Sudeste.

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