Podcast ‘Corpo a Corpo’ visita Associação dos Cegos
Quinto episódio da série vai ao ar no domingo e conta a história daqueles que moram no internato da associação
Atuando há mais de 80 anos em Juiz de Fora, a Associação dos Cegos funciona como clínica oftalmológica e centro de reabilitação para pessoas com deficiência visual. O que nem todos sabem é que lá também é casa para 15 pessoas que vivem em internato. No quinto episódio de Corpo a Corpo, podcast original da Tribuna de Minas, os ouvintes conhecem as histórias por trás das portas da associação. O podcast vai ao ar neste domingo (18) no perfil da Tribuna no Spotify.
No quarto e quinto andar do prédio da Associação dos Cegos, que fica na Avenida dos Andradas, região central de Juiz de Fora, os assistidos têm aulas de informática, braille, artesanato, atividades da vida diária, orientação e mobilidade, e atendimento com fisioterapeuta e psicopedagoga. Para muitos, a convivência na associação assemelha-se à de uma família. Laços de amizade, cumplicidade e afeto foram tecidos ao longo dos anos, inclusive com aqueles que chegaram há pouco tempo.
Faz pouco mais de quatro meses que Jonas Mendes, de 21 anos, faz parte do grupo. Ele não mora na Associação. A exemplo de outros, é um assistido “externo”, como são chamados aqueles que fazem atividades na instituição e depois retornam para suas casas. Ele conta que quando chegou estava depressivo e não era de falar muito. “Aqui tenho aprendido a conversar mais, porque eu era muito quieto, e a zoar mais também”, afirma rindo. “Fiz boas amizades”. Às sextas-feiras todos se reúnem em uma roda de conversa, que conta com muita música e um café da manhã. A banda é formada pelos próprios assistidos. Jonas é o violonista oficial e vai acompanhado de sanfona, cavaquinho, triângulo e chocalhos. “Sou músico também, eu toco violão, teclado, guitarra, percussão, só não toco sanfona ainda porque não tive oportunidade, mas vou ser se eu aprendo.”
Quem não pode tocar, acompanha cantando e nas palmas. A dona de uma das vozes mais bonitas é Regiane Aguiar, uma das internas da associação. Ela chegou quando tinha 13 anos e, hoje, aos 35, segue cultivando muitos sonhos. “A minha mãe me deixou com 13 anos de idade e há muitos anos eu não a vejo. Mas a Associação me acolheu, sou feliz aqui e vou ficando aqui até o Senhor enviar uma pessoa no meu caminho. Tenho um projeto de me casar, de ter uma família, e futuramente ser uma massoterapeuta, massagista, cantora, compositora e também pastora.”
Aulas de reabilitação
As aulas, mesmo quando lúdicas, fazem parte de um projeto maior de reabilitação e inclusão da pessoa com deficiência visual. Na aula de artesanato, por exemplo, os assistidos aprendem a confeccionar missangas e outros artigos com papelão, garrafa pet e cartolina. A psicóloga da associação, Carla Fornoga, explica que o exercício é muito importante para o desenvolvimento do tato, que vai ajudar futuramente nas aulas de braille – sistema de escrita tátil usado pelas pessoas cegas ou com baixa visão.
A partir desse encontro com a arte, alguns assistidos descobrem uma verdadeira paixão, como foi o caso de Jorge Ferreira, 61, frequentador externo da Associação. Hoje ele vende seus artesanatos principalmente para mulheres, confeccionando brincos, cordões e pulseiras com miçangas. “Estou aprendendo cada dia mais, cada dia novas coisas.
Entra aquele trabalho empresarial, que você tem que achar mercadoria a preço, qualidade, estudar sobre aquilo.” A venda dos acessórios também ajuda a levar uma renda extra para casa. No entanto, o maior ganho, segundo ele, não é material. De toda experiência que teve na Associação, vencer a depressão e abrir novos horizontes para a vida foi a melhor delas. “Cheguei aqui com depressão, dificuldade, e eu me encontrei em um lugar que eu não sabia que gostava, que é o artesanato.”
A evolução ocorre em etapas, e a aula de orientação e mobilidade é um exemplo. O objetivo é ensinar a pessoa com deficiência visual, seja ela total ou com baixa visão, a ter mais autonomia ao sair à rua. Quem ministra o curso é Júlio César. Há quatro anos ele ajuda os assistidos com atividades teóricas e práticas, saindo às ruas de Juiz de Fora, subindo escadas e ladeiras. “O objetivo é que a pessoa cega ou com baixa visão possa andar com segurança, autonomia e entenda que ela pode, sim, ir à rua por conta própria.”
Falta acessibilidade
Júlio César afirma que a situação poderia ser muito mais fácil se a cidade apresentasse mais equipamentos de acessibilidade aos deficientes. A opinião é compartilhada por Carlos Eduardo Gonçalves, que se tornou cego total aos 47 anos. Hoje, aos 50, conquistou sua independência através das aulas de Júlio. “Cheguei à associação e não entendia nada de reabilitação. Coloquei como objetivo de vida aprender. A primeira coisa que eu quis aprender foi a mobilidade, tanto que eu saí com o Júlio, aprendi tudo, ouvi tudo o que ele ensinou. Com três meses eu consegui chegar aqui sozinho e estou até hoje. Moro sozinho, cozinho, lavo, passo, faço minha vida independente.”
Carlos afirma que é preciso lutar por mais acessibilidade na cidade, visto que as pessoas cegas ou com baixa visão ainda enfrentam muita dificuldade para atividades simples do dia a dia. “Não é só para nós, deficientes visuais. É para um idoso, um cadeirante, uma pessoa que usa muleta.” De acordo com ele, essas pessoas dependem da boa vontade do próximo, que, por falta de informação, muitas vezes não vem. “A gente tem que aprender a ver a vida sem enxergar, a trilhar nosso caminho. Hoje, não faço mais mobilidade, o Julio me deu ‘alta’, graças a Deus. Ando para tudo quanto é lado. O que eu tenho em mente hoje é lutar para que mais pessoas possam ter essa autonomia, assim como eu.”
Corpo a Corpo
No podcast Corpo a Corpo você conhece mais sobre essas e outras histórias, pode ouvir a música tocada pelos membros da associação, o depoimento de quem conquistou a independência com as aulas de mobilidade e os planos que os assistidos reservam para 2023. O episódio estará disponível no Spotify da Tribuna a partir deste domingo (18). No perfil do jornal você também encontra os demais episódios, sobre a crise dos ônibus em Juiz de Fora, a Festa Alemã, os mistérios da Mata do Krambeck e o uso da camisa do Brasil durante a Copa do Mundo.