UFJF se manifesta pelo respeito à diversidade
Atacado nas redes, estudante diz que vai continuar trabalho como drag queen
Nesta terça-feira (17), a Diretoria de Imagem Institucional da UFJF, responsável pelo programa gravado no Colégio de Aplicação João XXIII, afirmou que ficou surpresa com a proporção tomada. Segundo a Diretoria, a Administração Superior da Universidade manifesta o total apoio ao trabalho desenvolvido por Nino de Barros, que se apresenta como a drag queen Femmenino, e ratifica a política voltada para uma educação cada vez mais inclusiva e de respeito à diversidade. A UFJF tem compromisso com uma educação pública, democrática, de qualidade e inclusiva, tanto nos seu cursos na educação superior quanto na educação básica.
Sobre as duas moções de repúdio que chegaram a ser apresentadas na Câmara pelos vereadores André Mariano (PSC) e José Fiorilo (PTC) contra o João XXIII, a UFJF ressaltou que o colégio é uma unidade acadêmica da UFJF vinculada ao sistema federal de colégios de aplicação e possui, em seu projeto político-pedagógico, o objetivo de assegurar ao educando a formação indispensável ao exercício efetivo da autonomia com a estruturação de uma sociedade justa e democrática.
Em nota, a direção do Colégio de Aplicação João XXIII, informou que educar para a diversidade significa estímulo ao reconhecimento de que somos diferentes e que respeitar as diferenças, sejam elas quais forem, é a alternativa para a construção de uma sociedade mais fraterna e tolerante.
A Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (Sedpac) de Minas Gerais também manifestou seu apoio à UFJF, ao Colégio de Aplicação João XXIII, ao artista Nino de Barros e aos demais envolvidos na atividade intitulada “A hora do lanche”, divulgada no dia 11 de outubro de 2017. “O termo “ideologia de gênero”, citado para tentar criminalizar a ação da drag queen Femmenino, é utilizado impropriamente por forças políticas retrógradas com objetivo de desqualificar esse importante conteúdo de ensino. Longe de ser ideologia, o gênero é fenômeno social observável, importante objeto de estudo nas mais diversas áreas das ciências sociais e humanas, designando os papéis sociais atribuídos a homens e mulheres.
A Sedpac reitera que o Estado brasileiro ao ratificar junto à Organização das Nações Unidas (ONU) a Convenção de Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, comprometeu-se a “modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na ideia de inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres”. A discussão de gênero nas escolas, portanto, é medida imprescindível a ser tomada para cumprir a obrigação internacional de direitos humanos.”
Sequência de trabalho como drag
Segundo Nino de Barros, que foi atacado em seu perfil pessoal e na página da drag queen “Femmenino”, em reunião com o reitor da UFJF, Marcus David, foi assegurado que a instituição lhe daria todo respaldo jurídico que viesse a ser necessário. “Estou recolhendo alguns prints de ameaças para tentar fazer um boletim de ocorrência ou, pelo menos, arquivar, por segurança”, diz ele, que, apesar de sentir a negatividade dos comentários, garante que não interromperá seu trabalho como drag queen. “Não costumo me abater, nem me ofender. Sinto a vibração ruim coletiva, mas isso não vai interferir na minha vontade de fazer o que faço e nem de lutar por igualdade.”
Em seu Facebook, a mãe de Nino, Cacá Martins de Barros, manifestou seu apoio ao filho e o orgulho que tem dele, defesa que Nino considera importante para argumentar contra o preconceito. “Isso deixa muito claro que tenho família, ter uma estrutura familiar de apoio não é privilégio de heteros, de cis, da classe média e de branco. Onde tem amor e não existe imposição de padrões existe isso.”
Preconceitos reproduzidos impunemente
Para a professora Giovanna Castro, militante em diversas iniciativas ligadas ao movimento negro e feminista, e uma das idealizadoras do projeto “Soul Black”, voltado para a prática da Lei 10.639/2003, que versa sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas, ataques racistas, homofóbicos, misóginos e discriminatórios em geral, sobretudo na internet, são mais que sintomáticos, mas sim, como diz ela, “epidêmicos”. “No Brasil atual, todas as vezes em que há uma discordância teórica ou argumentativa, manifesta-se toda forma de discriminação, transformando a discussão em desacato pessoal, e aí ataca-se a cor, a orientação sexual, o gênero. Deixa de ser um questionamento sobre o que se diz para se tornar um ataque baseado na pergunta ‘quem você é para discordar de mim e falar comigo assim?”, expõe a ativista . “A resposta nunca é hierarquizada pelo que a vítima diz. Não se responde à ideia, mas ao corpo que a emite, e ataca-se, por isso, o corpo negro, o da mulher, o corpo do homossexual”, destaca.
Na visão de Giovanna, em nome de uma suposta defesa da liberdade de expressão, preconceitos, opressões e discriminações têm sido reproduzidos impunemente. “O argumento ‘é minha opinião’ é negligente com a ação de violentadores, opressores e algozes. Por conta desta suposta manifestação de ‘opinião’, ninguém se reconhece como agressor, mas temos vítimas todos os dias. Nenhum posicionamento político (num sentido muito mais amplo que o partidário) é indestrutível. Ser mulher negra, ser drag queen, são posicionamentos políticos e de resistência e qualquer pensamento que afete as possibilidades de saúde, segurança, bem-estar e existência de alguém com seu corpo político não é questão de liberdade de expressão.”
A professora orienta que vítimas de casos de racismo e outras manifestações de discriminação procurem apoio de instituições representativas como coletivos, e também tomem as providências legais, registrando ocorrência. “É preciso buscar as prerrogativas enquanto cidadão. Ataques fazem com que as vítimas tenham medo de falar, de opinar e serem desconsideradas pelo que dizem, mas, ao contrário, por aquilo que são, por sua raça, gênero, orientação sexual. Este medo leva a um adoecimento, a um pânico de interações sociais por temor de novos ataques pessoais.”
Movimento Gay de Minas também se manifesta
Em nota pública, o Movimento Gay de Minas (MGM) e o PDT/Diversidade da cidade Juiz de Fora ressaltou que aplaude e apoia a UFJF pelo vídeo institucional sobre o Dia das Crianças, do Projeto “Hora do lanche”, apresentado pelo artista Nino de Barros e produzido nas dependências do Colégio de Aplicação João XXIII. O texto destaca: “entendemos que é função das universidades e escolas, sobretudo as escolas públicas, promoverem o desenvolvimento do pensamento crítico sobre as questões sociais, econômicas, de cidadania e direitos humanos entre seus alunos, acadêmicos e formandos. O Brasil é campeão de assassinatos de pessoas em razão de sua orientação sexual e a discussão de igualdade de gênero é fundamental nos ambientes escolares, familiares e sociais. Nesse sentido, está de parabéns a UFJF por exercer, de forma competente, o seu papel de educadora e promotora do debate de temas atuais, históricos e fundamentais de nossa sociedade”.
O MGM também lamenta que “pessoas usando de suas funções públicas se utilizem dessa posição para fomentar o ódio, a discórdia e um debate falacioso, populista e sensacionalista. Queremos um país de cidadãos livres. Repudiamos toda forma de censura, seja ela artística, social ou de direitos humanos”. A nota ainda aproveita para convocar a comunidade LGBT a pensar essas questões na hora do voto, uma vez que as eleições se aproximam, e o voto pode mudar essa situação. O MGM também colocou à disposição o seu projeto de Assessoria Jurídica ao artista Nino de Barros caso se faça necessário.