Juiz de Fora tem 28 grupos de apoio para alcoólatras

Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo proporciona momento de reflexão sobre um problema tão grave quanto comum na sociedade brasileira


Por Pâmela Costa, sob supervisão de Fabíola Costa

18/02/2023 às 07h00

Apoio dos alcoólicos anônimos é um grande suporte para o tratamento de pessoas com problemas de alcoolismo (Foto: Luísa Junqueira)

O dia 18 de fevereiro marca o Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo. A data chama atenção para a doença que é progressiva e não tem cura, mas que tem tratamento e é feito um dia de cada vez, todos os dias. Não à toa, a frase/lema “sou um alcoólatra e hoje eu não bebi” é uma frase que abre reuniões dos Alcoólicos Anônimos (AA). A entidade norteia as pessoas na jornada do tratamento do alcoolismo. Em Juiz de Fora, essa irmandade existe desde 1961. Antes mesmo da doença ser reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1967, grupos já atuavam na cidade, sem quaisquer fins lucrativos. A cidade, inclusive, foi precursora em Minas Gerais ao implementar o AA que, mais tarde, se espalhou para outros locais.

Com isso, tornou-se também ponto central de uma rede que tem unidades por toda Zona da Mata e em parte do Campo das Vertentes. Apesar da amplitude de lugares para participar das reuniões, como os 28 grupos somente em Juiz de Fora, ainda continua sendo um desafio ir à procura de ajuda e se assumir doente. É o que conta um dos membros em recuperação do AA, com quem a Tribuna conversou e a quem chamaremos de K. Segundo ele, ao contrário do que se pode pensar, a linha entre beber em excesso e isso virar um vício é invisível, só se percebe a gravidade quando você já ultrapassou os seus próprios limites.

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Em determinada noite, ao chegar em casa, o filho de K, um bebê de meses, chorava desesperadamente. A preocupação o levou direto até o quarto, onde esperava poder acalmar o choro inquietante da criança. O homem foi logo tirado de perto do neném pela esposa, chateada, pois não queria que um bêbado – estado em que ele estava no momento – chegasse perto da criança sem conseguir, ao menos, se manter em pé com firmeza. Naquele momento, ele foi para o quarto e decidiu nunca mais beber.

Mais de 30 anos depois, dia após dia, esse compromisso tem continuidade. Atualmente, ele conta que o filho já até chegou a perguntar se ele bebia tanto assim, pois nunca chegou a vê-lo bêbado. Essa é uma felicidade, porém, que outro membro em recuperação, que chamaremos de M, não pôde compartilhar. Ele desabafa que seu filho chegou a testemunhar suas várias internações no decorrer dos anos e a visitá-lo nestes momentos. Por cerca de cinco anos, houve idas e vindas de M nessas internações e participações esporádicas em reuniões do AA. Nesse período, ele teve três comas alcoólicos, chegando a ficar no Centro de Terapia Intensiva (CTI). Hoje, 17 anos depois, M está sóbrio, se tornou avô e melhor amigo de seu filho. Ele conta que o processo junto ao grupo pode ser resumido na palavra gratidão. “O AA me amou quando eu mesmo já não me amava mais.”

Sozinho, mas não solitário

Segundo a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas, via inquérito telefônico, o padrão de consumo de 18,8% da população brasileira é de bebedor abusivo. Histórias como as de K e M, portanto, são tristemente comuns. Mas, embora repletas de desafios, revelam que a recuperação é possível. Mesmo após uma vida ingerindo álcool, com início ainda na adolescência, ninguém se imagina como um alcoolista. Não precisa acontecer um trauma para um indivíduo tornar-se dependente. A doença atinge aqueles que bebem. É o que explica a psicóloga Maira Leon, professora do curso de psicologia da Estácio.

“A dependência de álcool é um fenômeno multifatorial. O indivíduo se torna dependente por um conjunto de fatores biológicos, sociais, psicológicos e culturais. Existe sim uma predisposição genética, porém o que a literatura aponta é que os fatores sociais são mais expressivos. Ou seja, depende muito do contexto social no qual o indivíduo está inserido, de suas preferências, do acesso ao álcool, de uma cultura de permissividade”, afirma. Talvez, por isso, admitir o alcoolismo para si seja o primeiro passo para procurar ajuda.

Mas não precisa ser uma trajetória solitária. As reuniões do AA fazem o caminho à sobriedade ser amparado por outras pessoas, em meio à identificação com histórias que possibilitam o sujeito se ver refletido e compreendido. K explica, emocionado, o quanto se sente agradecido. “Todas essas pessoas e todos os grupos que estão envolvidos com a irmandade de alcoólicos anônimos são pessoas responsáveis também pela minha sobrevivência.” Contudo, essa rede de apoio, fundamental, não supre a iniciativa tão pessoal e subjetiva que tem de partir do indivíduo nesse processo, assim como partiu dele 30 anos atrás.

O médico psiquiatra Tárik Jabour explica que, ao compartilhar as vivências, os alcoolistas criam um ambiente de ajuda mútua, em que as suas forças, fraquezas e conselhos de como lidar com a doença são expostos. O principal foco é mostrar um estilo de vida fora do álcool.

Sem estigmas

De acordo com o psiquiatra, o alcoolismo, como doença que é, acaba afetando várias áreas da vida do indivíduo, desde as relações familiares até o trabalho. Alguns sinais ajudam na identificação de quando esse hábito está virando doença. “A pessoa começa a beber todos os dias, em horários não usuais, como ainda pela manhã. A gente pensa na doença quando ela causa um impacto e causa prejuízos nas relações interpessoais e nas demais funcionalidades”, explica o especialista.

Além do alcoolismo ser uma doença, ele também provoca outras complicações. De acordo com o “Panorama consumo nocivo de álcool e consequências à saúde”, realizado pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), entre os principais agravos ligados aos óbitos parciais ou totalmente atribuídos ao álcool, entre 2010 e 2020, a ingestão da substância causou cirrose hepática, acidente de trânsito, violência interpessoal, transtornos mentais e comportamentais, e doença cardíaca hipertensiva.

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Quando começa a ter repercussão clínica, o quadro fica mais grave. De acordo com Tárik Jabour, o suporte familiar e a renda são aspectos que interferem. Quando se conta com o apoio da família e uma condição financeira melhor, os pacientes conseguem procurar ajuda mais fácil. “Depende da vivência da pessoa e do meio em que ela está inserida”, acrescenta o médico. Ele destaca, porém, que dificilmente a dependência química é uma doença que vem sozinha. Ela normalmente está acompanhada de outras questões psiquiátricas, como um quadro depressivo ou outras causas, e cabe ao médico psiquiatra investigar.

Serviço
Alcoólicos Anônimos
Tel.: (32) 3215-8503
Horário de funcionamento:
seg a sex, de 9h a 18h; sab, de 9h a meio-dia

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