Ciclorrotas ainda são desrespeitadas


Por Eduardo Valente

17/06/2017 às 07h00

Um ano após o início da implantação das ciclorrotas sobram dúvidas e críticas com relação ao sistema de compartilhamento de tráfego entre bicicleta e outros modais. Inicialmente previsto para dez vias até o fim do ano passado, apenas duas foram contempladas até o momento, as avenidas Rio Branco e Getúlio Vargas. Nestes locais, ciclistas ouvidos pela reportagem reclamam que a invisibilidade no tráfego permanece, assim como a falta de respeito dos motoristas e motociclistas. Por outro lado, aqueles que usam as bicicletas não podem ser considerados apenas vítimas deste caos no trânsito, haja vista que cenas de desrespeitos, cometidas por ciclistas, são flagrantes a todo o momento. Entre eles, avanços de semáforos, trafegar na contramão da direção e sobre as calçadas. Apesar de o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) não ter regulamentado as punições previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o bom senso deve prevalecer.

 O entregador de água Gilson Ferreira, que há seis anos percorre ruas da cidade de bicicleta, lamenta que a falta de respeito ainda é realidade, mesmo nas ciclorrotas. Foto: MARCELO RIBEIRO

O entregador de água Gilson Ferreira, que há seis anos percorre ruas da cidade de bicicleta, lamenta que a falta de respeito ainda é realidade, mesmo nas ciclorrotas. Foto: MARCELO RIBEIRO

As ciclorrotas começaram a ser instaladas na Avenida Rio Branco em 15 de junho do ano passado. Em 20 de setembro, foi a vez de a Avenida Getúlio Vargas ser contemplada com o projeto, com o início das pinturas. A ideia do Poder Executivo era atender uma demanda antiga de cicloativistas da cidade, que exigem mais espaço nas vias públicas para o trânsito seguro das bicicletas. Nas ciclorrotas, diferentemente das ciclovias e ciclofaixas, não são determinadas áreas de deslocamento exclusivas para este modal, mas reforça a existência de uma rota usada por eles com frequência. Ou seja, as marcações no asfalto e as placas de sinalização vertical alertam aos demais condutores daquilo que já está previsto no CTB, que é a preferência das bicicletas com relação a outros veículos. Mas a falta de informação ainda é realidade.

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Insatisfações

“Não mudou nada, continua a mesma coisa. Ninguém respeita, infelizmente”, disse o entregador de água Gilson Ferreira, 35 anos, que há seis trabalha pelas ruas da cidade utilizando a bicicleta. Ele foi localizado pela reportagem no dia 7 de junho, uma quarta-feira, no fim da tarde, na Avenida Rio Branco. Logo após dizer que o respeito não aumentou e sair com a bicicleta, ele se deparou com um veículo, saindo de uma garagem, de ré, jogando o automóvel em sua direção. Por pouco não se feriu. Na mesma avenida estava o pedreiro João Carlos, 50. “Motorista nenhum respeita a bicicleta, e nada mudou com a ciclorrota. Pior ainda quando são os taxistas.”

No dia seguinte, por volta do meio-dia, na Avenida Getúlio Vargas, a reportagem conversou com o estudante Marlus Fonseca, 23. “Aqui é ainda pior, por causa de caminhões que estacionam sobre a via e pedestres que atravessam fora da faixa. Evito ao máximo a Getúlio Vargas. Para bicicleta, é ainda pior que na Rio Branco.” Outro ciclista, que não quis ser identificado, criticou que as marcações no asfalto servem apenas como “enfeite”. “Fizeram o desenho e não avisaram ninguém como deveria funcionar. Tem hora que, para não sofrer acidente, preciso subir na calçada.”

 

‘Começaram errado’

Na avaliação do mestre em engenharia de transportes José Luiz Britto Bastos, a ciclorrota não deveria ter sido o modelo inicial a ser implantado em corredores de tráfego da cidade. “Começaram errado. A ciclorrota foi um paliativo, quando, na verdade, o correto seria iniciar com ciclovias e ciclofaixas. A partir daí, colocando as bicicletas nos espaços públicos, poderiam, gradativamente, expandir para as ciclorrotas. Isso porque o mais importante é dar espaço à bicicleta, e isso se faz tirando o espaço dos automóveis. Foi assim em São Paulo, onde em pouco tempo foram instalados mais de 300 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas.” Conforme Britto, o problema está no fato de Juiz de Fora ter uma forte cultura do transporte individual, o que torna as vias cada vez mais cheias. “Estes ciclistas estão em risco em avenidas como Rio Branco e Getúlio.”

 

Necessidade de conscientização da cidade

A presidente da Associação Juiz-forana de Ciclistas, Giovana Rezende, lamenta a falta de campanhas de conscientização para explicar o conceito da ciclorrota. Na sua avaliação, há pouco o que se comemorar após um ano de início das instalações. “Caminhamos pouco, porque a malha contemplada até então é muito pequena. Bem inferior à realidade que identificamos no município. As campanhas não aconteceram e pouca coisa mudou no comportamento dos motoristas no trânsito”, disse, comentando que o respeito é maior aos ciclistas que andam devidamente com equipamentos e com bicicletas sinalizadas.

Na Avenida JK, muitos preferem as calçadas a se arriscarem em meio a outros veículos, como carros e até carretas. Foto: FERNANDO PRIAMO
Na Avenida JK, muitos preferem as calçadas a se arriscarem em meio a outros veículos, como carros e até carretas. Foto: FERNANDO PRIAMO

Apesar do pouco avanço, ela defende a expansão do projeto. “É o caminho mais viável, pois ela não depende de obras e grandes investimentos.” Mas o ideal, ainda segundo Giovana, seria que as ciclorrotas não fossem necessárias. “É uma questão cultural. Na Europa, há vários locais sem sinalização, e os ciclistas são respeitados. Isso acontece porque eles são vistos como meio de transporte, não é como aqui, onde somos encarados como um empecilho.”

O ideal, segundo o mestre em engenharia de transportes José Luiz Britto Bastos, seria iniciar a mudança para a cultura da bicicleta. Como isso não foi feito, ele afirma que as campanhas de conscientização se fazem necessárias. “As pessoas precisam entender o que significam as marcações no asfalto. É preciso uma divulgação forte, com cartazes nos ônibus, nas ruas e nas casas das pessoas. A população precisa se preparar para esta mudança.”

 

Avaliação positiva

Segundo o secretário de Transporte e Trânsito, Rodrigo Tortoriello, a campanha será feita. A previsão é iniciá-la tão logo novas vias passem a receber a ciclorrota. Para isso, é aguardada a finalização de um processo licitatório, já em andamento, para contratar empresa especializada em sinalizações vertical e horizontal. A ideia é que a firma atenda não apenas a ciclorrota, mas as marcações viárias de toda a cidade como um todo. “A campanha será para mostrar e ampliar o conhecimento do cidadão a respeito da função das ciclorrotas. Mas avalio o primeiro ano de forma muito positiva. Hoje a gente já observa os veículos trocando de faixas para não passar perto dos ciclistas, o que não observávamos no início.”

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Zona Norte quer visibilidade para os ciclistas

Conforme divulgado inicialmente pela Settra, as ciclorrotas iriam contemplar dez corredores de tráfego de Juiz de Fora. Além das avenidas Rio Branco e Getúlio Vargas, receberiam a sinalização especial as ruas Dom Silvério e São Mateus, além da Avenida Itamar Franco, na Zona Sul; Avenida José Lourenço Kelmer, na Cidade Alta; Rua Vitorino Braga, região Sudeste; e avenidas Francisco Bernardino e Andradas e Rua Santo Antônio, no Centro. Além destas, o prefeito Bruno Siqueira (PMDB) havia garantido, no lançamento do projeto, expandir o projeto para a Zona Norte.

A presidente da Associação de Moradores do Bairro Benfica, Aline Junqueira, lamenta a invisibilidade dos ciclistas da região perante o tráfego de veículos. “Há dois anos fizemos uma contagem volumétrica na Avenida JK e identificamos, em um dia chuvoso, entre 6h e 18h, 999 bicicletas passando próximo ao Bairro Araújo. Percebemos que esta via é extremamente utilizada por trabalhadores e jovens estudantes, que têm a bicicleta como meio de transporte. Por isso, não podemos ignorar que é uma demanda urgente. Sucessivos governos trataram deste assunto, mas infelizmente nada saiu do discurso até então.”

Para Aline, é preciso adotar alguma iniciativa para proteger e dar visibilidade aos ciclistas da região, seja por meio de uma ciclovia ou até mesmo da ciclorrota, como prometido. “A ciclorrota talvez interfira na velocidade da JK, e as pessoas vão achar isso horrível. Por outro lado, pode ser uma forma de reduzir o número de acidentes no local. O que precisamos, mesmo, é de um olhar específico para a bicicleta na Zona Norte, porque a região demanda isso. A ciclorrota foi um compromisso do prefeito, e esperamos que ele cumpra.”

 

Região será contemplada

De acordo com o titular da Settra, Rodrigo Tortoriello, a Zona Norte será contemplada no projeto das ciclorrotas, assim como as demais vias previstas. Para isso acontecer, segundo ele, é preciso concluir o processo licitatório da empresa especializada em sinalizações vertical e horizontal. A Settra também pretende reforçar a pintura nas avenidas Getúlio Vargas e Rio Branco, locais onde a ciclorrota já existe. A expectativa dele é chegar a todas as vias anteriormente divulgadas ainda este ano.

 

 

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